O século XVIII observou o surgimento de valiosas ideias sobre a formação e os fundamentos do Estado. Entre elas, podemos inserir aquelas do filósofo, compositor e romancista suíço Jean-Jacques Rousseau, nascido em Genebra, mas radicado em Paris.

Em “O contrato social”, Rousseau expõe suas ideias sobre o surgimento das primeiras sociedades, sobre a propriedade e sobre a legitimidade e as formas do exercício do Poder entre os homens. No mesmo opúsculo, trata da escravidão, do ato de legislar, da representação popular e de outros temas polêmicos para a época em que viveu.

Com efeito, a Revolução Francesa carreou parte dos ideais políticos de Rousseau, especialmente no que tange à elevação da liberdade e à necessidade de o Estado atuar no bem de todos, e não de apenas um ou dois estamentos minoritários. Buscou romper, portanto, com um cenário de absolutismo estatal e supremacia religiosa na França. Nas primeiras linhas de sua obra, pondera Rousseau:

Quero indagar se pode existir, na ordem civil, alguma regra de administração legítima e segura, considerando os homens tais como são e as leis tais como podem ser.

ROUSSEAU, 1996, p. 7.

A perquirição dos fundamentos do Estado e do exercício do poder político se renova sob o olhar do filósofo suíço.

Assim como Aristóteles, Rousseau remonta a uma sociedade humana primordial: a família. Esta, ainda, seria para o segundo a única realmente natural, surgindo da pura necessidade existente entre os membros do corpo familiar para a autoconservação. Tão logo cessam as necessidades naturais existentes no âmbito familiar, especialmente aquelas relacionadas com o provimento da prole, cessa o caráter natural dessa sociedade, continuando esta por convenção.

Nos capítulos seguintes de seu livro, dedica-se o filósofo à noção de que uma comunidade política não pode se sustentar pela força. A força, ademais, não poderia ser o fundamento de qualquer relação de direito entre os povos, de forma que Rousseau refuta veemente a existência de um direito que albergue e autorize a escravidão. O raciocínio de Rousseau é claro e didático:

Suponhamos por um momento esse pretenso direito. Digo que dele só resulta um galimatias inexplicável. Pois, tão logo seja a força que gera o direito, o efeito muda com a causa; toda força que sobrepuja a primeira há de sucedê-la nesse direito. Tão logo se possa desobedecer impunemente, torna-se legítimo fazê-lo, e, como o mais forte sempre tem razão, basta agir de modo a ser o mais forte. Ora, o que é um direito que perece quando cessa a força? Se é preciso obedecer pela força, não há necessidade de obedecer por dever, e, se já não se é forçado a obedecer, também não já se é obrigado a fazê-lo. Vê-se, pois, que a palavra direito nada acrescenta à força; não significa, aqui, absolutamente nada.

Obedecei aos poderosos. Se isso quer dizer; “cedei à força”, o preceito é bom, mas supérfluo; afirmo que jamais será violado. Todo poder vem de Deus, reconheço-o, mas também todas as doenças. Significa isso que não se deva chamar o médico? Quando um bandido me ataca num canto do bosque, não só preciso forçosamente entregar-lhe minha bolsa, mas também, caso pudesse salvá-la, estaria obrigado, em sã consciência, a entregá-la? Afinal, a pistola que ele empunha é também um poder.

Convenhamos, pois, que a força não faz o direito, e que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos. Assim, minha pergunta inicial permanece de pé.

ROUSSEAU, 1996, p. 12-13.

O filósofo entende que o gérmen do surgimento do Estado civil é, na verdade, uma contingência natural, que, contudo, se consolida por meio de uma convenção civil. Essa contingência é simplesmente a observação de que os empecilhos opostos à conservação do homem em estado de natureza passam a superar as forças individuais deste. Aduz Rousseau:

Suponho que os homens tenham chegado àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, por sua resistência, as forças que cada indivíduo pode empregar para se manter nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse seu modo de ser.

ROUSSEAU, 1996, p. 20.

Por meio de uma convenção, um pacto social, portanto, foge o homem de um estado de natureza precário para criar um corpo moral e coletivo denominado Estado soberano (ou “Potência”) de acordo com suas relações com o seu povo.

Esse ente público, que emerge da total doação da liberdade de seus indivíduos fundadores, devolve-lhes esta liberdade ampliada e torna-se o âmbito de desenvolvimento do homem. O corpo político criado tem interesses consentâneos aos de seus indivíduos. Afirma Rousseau que esse corpus soberano não tem e nem poderia ter interesses contrários aos daqueles, que não se poderia cogitar que este aglomerado político buscasse prejudicar seus membros coletivamente ou individualmente.

ROUSSEAU, 1996, p. 20).

O Estado teorizado no pacto social de Rousseau tem como fundamento basilar o respeito e a proteção de seus membros, sendo também, semelhante ao que ponderava Aristóteles, um âmbito no qual o indivíduo se desenvolve.

A liberdade moral adquirida pelo pacto, afirma Rousseau, é “[…] a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si, porquanto o impulso do mero apetite é a escravidão, e a obediência à lei que se prescreveu a si mesmo é liberdade.” (ROUSSEAU, 1996, p. 26).

É uma noção de liberdade como autonomia que, posteriormente, seria intensamente retomada por Immanuel Kant.

Referências

ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. trad. de Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.