A teoria das velocidades do Direito Penal, proposta por Jesús-María Silva Sánchez, diz respeito, em essência, às mudanças de postura e aplicação do Direito Penal no curso do tempo, com flexibilizações para certos ilícitos (como o consumo próprio de drogas, art. 28, da Lei de Drogas) ou a intensificação da punição e de critérios de apuração para outros delitos mais gravosos.
Essas duas posturas evidenciam a existência de dois blocos: o dos ilícitos que acatam pena de prisão, e o dos ilícitos que admitem outras penas. De início, essa dualidade aponta duas velocidades do direito penal, a identificar uma espécie de proporcionalidade de resposta em face do ilícito, satisfazendo a finalidade do Direito Penal compativelmente com cada caso concreto:
Quanto à primeira velocidade do direito penal, deve ser aplicado os conceitos do direito penal clássico às imputações também clássicas, aplicando-se a estas, todas as garantias conquistadas ao longo da evolução humana e, reservando-se às mesmas, a pena privativa de liberdade.
Sob a perspectiva do direito penal de segunda velocidade, tendo em vista a moderna sociedade de risco, seria possível uma flexibilização das regras e garantias individuais, tendo em vista a não sujeição à pena privativa de liberdade, a fim de que o direito penal possa atingir seu fim. (GOMES, 2009, p. 78).
A doutrina ainda aborda uma chamada terceira velocidade, correspondente com a noção de Direito Penal do inimigo, proposto por Günther Jakobs. Para o mesmo, o inimigo é o indivíduo consistente e deliberadamente averso à norma jurídica, à estrutura social e Estatal, razão pela qual deve carecer das garantias comezinhas conferidas aos demais cidadãos.
Trata-se de uma visão afeita ao Direito Penal do autor (ou seja, o Direito penal que presta mais atenção ao infrator do que ao fato cometido).
Em termos de velocidade, explica a doutrina:
E, nesse contexto, o Direito Penal do inimigo seria definido por Silva Sánchez como a terceira velocidade do Direito Penal: privação da liberdade e suavização ou eliminação de direitos e garantias penais e processuais.
Como não poderia ser diferente, essa proposta recebe inúmeras críticas, fundadas principalmente na violação de direitos e garantias constitucionais e legais. (MASSON, 2015).
Complementação
Ainda se fala em quarta velocidade, o neopunitivismo, atribuída a Daniel Pastor e conectada com a influência de cortes penais internacionais, sobrepondo o sistema garantista interno para trazer o infrator ao âmbito internacional.
Esta visión del poder punitivo, catalogada aquí como neopunitivismo, es la que inspira también al llamado “derecho penal de los derechos humanos”. En este ámbito organismos internacionales de protección y organizaciones de activistas consideran, de modo sorprendente por lo menos, que la reparación de la violación de los derechos humanos se logra primordialmente por medio del castigo penal y que ello es algo tan loable y ventajoso que debe ser conseguido sin controles e ilimitadamente, especialmente con desprecio por los derechos fundamentales que como acusado debería tener quien es enfrentado al poder penal público por cometer dichas violaciones. Se cree, de este modo, en un poder penal absoluto. (PASTOR, 2006).
O neopunitivismo relaciona-se ao Direito Penal Internacional, caracterizado pelo alto nível de incidência política e pela seletividade (escolha dos criminosos e do tratamento dispensado), com elevado desrespeito às regras básicas do poder punitivo, a exemplo dos princípios da reserva legal, do juiz natural e da irretroatividade da lei penal. No conflito entre países, os vencedores são os julgadores dos Estados derrotados, como aconteceu nos tribunais internacionais ad hoc para Ruanda e para a antiga Iugoslávia. (MASSON, 2015).
No Brasil, o Estatuto de Roma foi admitido e promulgado pelo Decreto nº 4.388/02, sendo interessante verificar algumas qualidades desse âmbito de punição. No caso do Tribunal Penal Internacional, existem algumas flexibilizações, mas permanecem vigentes princípios básicos como a irretroatividade e a presunção de inocência.
Decreto nº 4.388/02
Artigo 29 – Imprescritibilidade: Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem.
Artigo 77 – Penas Aplicáveis: 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5o do presente Estatuto uma das seguintes penas: a) Pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30 anos; ou b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem
Referências
GOMES, Thiago Quintas. Direito penal na era global: garantismo positivo ajustado ao garantismo negativo. Dissertação de mestrado. PUC-SP, 2009.
MASSON, Cléber. Direito penal: parte geral. São Paulo: Método, 2015, recurso digital.
PASTOR, Daniel. La deriva neopunitivista de organismos y activistas como causa del desprestigio actual de los derechos humanos. 2006. Disponível online.
Questões
PUC-PR – TJ-MS – Juiz Substituto (2012): Marque a alternativa CORRETA sobre as teorias das velocidades do direito penal:
Primeira velocidade: tradicional, pena de prisão.
Segunda velocidade: Flexibilização, penas alternativas.
Terceira velocidade: direito penal do inimigo.
Correto.
Quarta velocidade.
MPE-SC – Promotor de Justiça (2013): Em sede de Política Criminal, o Direito Penal de segunda velocidade, identificado, por exemplo, quando da edição das Leis dos Crimes Hediondos e do Crime Organizado, compreende a utilização da pena privativa de liberdade e a permissão de uma flexibilização de garantias materiais e processuais.
Errado. Esses diplomas mais rigorosos se aproximam da terceira velocidade.
Exato.