Ciências jurídicas e temas correlatos

Autor: Victor Augusto Page 1 of 27

Art. 25 – Da legítima defesa real e putativa

Legítima defesa
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

A legítima defesa é a segunda causa de justificação prevista no Código. Por ela, a reação a uma agressão injusta considera-se lícita, mesmo que se ajuste ao tipo criminal.

Os elementos da causa excludente são os seguintes:

  • Uso moderado dos meios necessários: a reação da vítima da agressão deve ser moderada e deve se valer dos meios necessários para repelir a agressão.

Esse requisito é relativamente casuístico. Se a vítima tem a seu dispor vários meios para repelir a agressão, deve escolher o meio suficientemente necessário (mínima lesividade, mas eficiente) e usá-lo moderadamente.

Então, se a vítima tem a seu dispor um canhão, um revólver e uma espada para repelir a agressão injusta consistente em disparos, a escolha do revólver seria o meio mais adequado para repelir o ataque, pois o canhão seria desproporcionalmente exagerado e a espada poderia ser insuficiente para tanto.

Por outro lado, se o único meio ao dispor da vítima for desproporcional, ela poderá usá-lo com a moderação possível, pois é o único meio necessário disponível (no lugar de dez tiros de canhão, usa apenas um).

Se a vítima reage com excesso, seja pelo uso do meio desnecessariamente desproporcional ou uso imoderado do meio necessário, nasce para o agressor a possibilidade de legítima defesa sucessiva, pois a reação da vítima passa a ser uma agressão injusta.

O excesso pode ser doloso ou culposo, submetendo o agente às respectivas punições.

O excesso, ainda, pode ser intensivo (relativo ao uso de meios desproporcionais) (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978) ou extensivo (o que se estende para além da atualidade da agressão). O tema não é unânime na doutrina, mas Bitencourt (2017) afirma que o excesso extensivo nada mais é do que um ato criminoso subsequente, visto que a janela cronológica da legítima defesa real não mais subsiste.

  • Agressão injusta (aggressio injusta) atual ou iminente: a agressão a ser repelida deve ser injusta, ou seja, deve ser fruto de uma atuação ilícita promovida por terceiro. Ela deve ser, ademais, atual (está ocorrendo no mesmo momento) ou iminente (está prestes a ocorrer) e deve ser concreta, e não puramente fictícia ou hipotética. Não se admite uma reação a uma ação passada (isso seria vingança, e não defesa).

A injustiça da ação faz com que atos da natureza, um ataque aleatório de um animal (diferente de um ataque ordenado) ou a agressão de um inimputável não sejam passíveis de reação por legítima defesa.

A doutrina não é unânime, mas, de forma geral, admite-se o estado de necessidade para estas circunstâncias.

Ora, a possível fuga diante da agressão de um inimputável nada tem de deprimente: não é um ato de poltronaria, mas uma conduta sensata e louvável. Assim, no caso de tal agressão, o que se deve reconhecer é o “estado de necessidade”, que, diversamente da legítima defesa, fica excluído pela possibilidade de retirada do periclitante.

hungria; fragoso, 1978, p. 296.

A injustiça da agressão também pode decorrer de ato culposo, visto que a conduta culposa é ilícita e, portanto, injusta.

  • Direito seu ou de outrem: a legítima defesa pode se operar para proteger direito próprio ou alheio. A noção de direito aqui é ampla, abrangendo direitos e bens jurídicos morais e patrimoniais tuteláveis do indivíduo.

O Código, mantendo a posição da sua redação original, não exige a inevitabilidade do confronto. Isso significa que o agente não é obrigado a fugir ou prevenir inteiramente a agressão (commodus discessus).

Não há indagar se a agressão podia ser prevenida ou evitada sem perigo ou sem desonra. A lei penal não pode exigir que, sob a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos animais de sangue frio.

[…]

Nem mesmo há ressalvar o chamado commodus discessus, isto é, o afastamento discreto, fácil, não indecoroso.

HUNGRIA; fragoso, 1978, p. 288-289, 292.

A doutrina admite, ainda, a figura da legítima defesa putativa, que decorre da equivocada representação da situação fática vivida pelo agente, que imagina estar sofrendo ou prestes a sofrer um agressão injusta, e assim reage. Como modalidade erro de tipo, aplica-se a lógica do art. 20: se o erro for perdoável, exclui-se o dolo e o crime; se for imperdoável, responde-se a título de culpa.

Contra a legítima defesa putativa, é possível uma legítima defesa real, mas contra uma legítima defesa real não é possível outra legítima defesa real (a chamada legítima defesa recíproca), pois neste caso há reação lícita, inexistindo injustiça a ser objeto de reação. A doutrina também admite duas posturas de legítima defesa putativa.

Por fim, é interessante observar a existência dos ofendículos, que são mecanismos preordenados para a defesa da propriedade (cercas elétricas, cacos de vidro em muros etc.). A doutrian disputa a natureza desses instrumentos, mas é dominante a visão de que sua colocação é um ato de exercício regular de direito, e sua ativação prática um exercício de legítima defesa da propriedade (ESTEFAM, 2018).

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2017.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Art. 24 – Estado de necessidade real e putativo

Estado de necessidade
Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

O estado de necessidade é a primeira causa excludente de ilicitude prevista no rol legal de causas justificantes. É uma circunstânci que, se adimplida, torna lícita a conduta do agente, não subsistindo crime ou punição.

O agente que age albergado pela referida hipótese excludente de antijuridicidade usualmente vê-se em uma situação de necessidade em que lhe é permitido sacrificar ou preterir o bem jurídico alheio na busca de preservar bem jurídico próprio ou de terceiro, quando o sacrifício destes não é razoável para as circunstâncias.

Um exemplo clássico envolve um incêndio em um local fechado onde há um grande aglomerado de pessoas. Diante do risco atual à integridade física de cada um, a violenta corrida para a saída de emergência pode envolver a promoção de atos típicos pelos indivíduos desesperados, notadamente lesões corporais.

Os elementos do estado de necessidade são os seguintes:

  • Um direito ou bem jurídico próprio ou de terceiro: a atuação do agente deve se direcionar ao salvamento do direito próprio ou de terceiro. O indivíduo pode agir para proteger a vida, a integridade física, a propriedade etc.;
  • Inexigibilidade do sacrifício do bem: nas condições concretas, não deve ser razoável o sacrifício do bem jurídico ameaçado;

Por exemplo, se o indivíduo em um naufrágio se apossa de um bote para duas pessoas e, por trazer consigo seu cachorro, pretere a entrada de um segundo indivíduo no bote, estará assumindo um sacrifício desproporcional e desarrazoado, tendo em vista que o sacrifício do bem salvado neste caso seria exigível.

  • A existência de um perigo atual contra esse direito: este bem jurídico deve estar sob perigo atual, presente, concreto, que pode ter sido originado por ação humana ou não. Não se admite um perigo remoto ou cogitável;
  • A externalidade e inevitabilidade desse perigo: esse perigo é externo, não podendo ter sido provocado pelo agente, e deve ser inevitável. Se houver oportunidade de evitar o dano sem sacrificar direito alheio, tal postura é exigida do agente. Dessa forma, a fuga, se cabível, é obrigatória.

O estado de necessidade ainda é classificado em:

  • Estado de necessidade defensivo: o ato do agente sacrifica direito de quem produziu ou contribui para o perigo instaurado.
  • Estado de necessidade agressivo: o ato do agente se volta contra bem ou direito de um inocente do evento.

No Código Penal, o estado de necessidade envolve o sacrifício razoável de um bem. Essa noção tem por trás a comparação entre o bem jurídico protegido e o bem jurídico sacrificado. Nessa comparação, para que a causa de justificação seja adimplinda, o bem jurídico protegido deve ser de igual ou maior importância do que aquele sacrificado.

Se o bem jurídico sacrificado for de maior importância do que aquele efetivamente protegido (como no caso em que se pretere a vida de um terceiro em prol da defesa de um bem patrimonial), o agente será beneficiado com uma redução de sua pena de um a dois terços (1/3 a 2/3). Trata-se de uma causa de diminuição (terceira fase da dosimetria). Não incide propriamente a causa excludente.

[…] a descriminante só deixará de existir se o bem ou interesse posto a salvo, em comparação com o que foi sacrificado, representa, manifestamente, um minus. A avaliação deve ser feita do ponto de vista objetivo, mas sem total abstração do prisma subjetivo. […] Igualmente, não se pode abstrair o estado de ânimo do agente, cujo abalo está na proporção da entidade e instância do perigo. O ponto de referência, também aqui, é o tipo do homem comum ou normal.

hungria; fragoso, 1978, p. 278.

É interessante observar, a título de complemento, que o Código Penal Militar admite também um estado de necessidade exculpante (que exclui a culpabilidade) na hipótese de o bem sacrificado for de valor superior ao protegido e não for exigível conduta diversa:

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade
Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoàvelmente exigível conduta diversa.

Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69)

Também é possível cogitar a situação de o indivíduo imaginar uma situação de estado de necessidade inexistente:

No estado de necessidade putativo, o agente equivoca-se sobre o mundo fático e pensa estar diante de um perigo atual que ameaça bem jurídico próprio ou de outrem. Trata-se de um erro de tipo que se enquadra nas hipóteses de descriminantes putativas. Se o erro for justificável, não há punição, mas se o erro for injustificável, responderá por culpa o agente, caso o tipo tenha modalidade culposa.

Por fim, aqueles que têm o dever legal de enfrentar o perigo (bombeiros, salva-vidas etc.) não podem suscitar o estado de necessidade.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Art. 21 – Erro de proibição ou sobre a ilicitude do fato

Erro sobre a ilicitude do fato

Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

No Direito brasileiro, vige a presunção de conhecimento da lei, não podendo ninguém deixar de cumpri-la alegando o seu desconhecimento. Trata-se de um postulado também previsto na LINDB:

Art. 3o  Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Lei de introdução Às normas de direito brasileiro (dec. lei nº 4.657/42)

Mesmo que a pessoa não possa se escusar do cumprimento da lei alegando seu desconhecimento, o Código Penal traz efeitos jurídicos para o erro sobre a ilicitude da conduta. O agente, nesses casos, incide em erro de proibição (o sucessor do chamado erro de direito ou error juris na doutrina clássica).

Diferente do erro de tipo, o erro de proibição ocorre diante da equivocada percepção da ilicitude do ato, do regramento jurídico e das normas proibitivas e permissivas, e não dos fatos em si. Em poucas palavras, o agente pensa que certo procedimento é lícito e legal, quando, na realidade, não o é.

O agente tem correta representação dos fatos, mas equivoca-se sobre a qualidade jurídica de sua conduta. Bitencourt (2018) chama esse fenômeno de consciência profana do injusto, que nada mais é do que o pensamento (consciência) leigo, não jurídico (profano), do injusto. Na esfera profana, leiga, o agente pensa que o ato não é ilícito.

De uma forma geral, a doutrina só aponta a existência do erro de tipo e do erro de proibição. Se a situação pertinente tratar de erro sobre a existência ou contornos dos fatos, teremos um erro de tipo. Se a situação tratar de equívocos sobre as normas, seu conteúdo e extensão, teremos erro de proibição.

O erro de proibição invencível (inevitável, desculpável, escusável) exclui a potencial consciência de ilicitude, que se encontra na culpabilidade do delito. Em outras palavras, o agente não tinha como perceber a ilicitude do fato. Minando a culpabilidade, consequentemente não há crime ou punição.

Diferente do erro de tipo, quando o erro de proibição é evitável, o agente se beneficiará com uma redução de sua pena de um sexto a um terço (1/6 a 1/3).

A potencial consciência da ilicitude diz respeito à possibilidade de o agente, no contexto fático, perceber o caráter ilícito de sua conduta. É a possibilidade de perceber que se está fazendo algo errado, ilícito.

Usualmente, a doutrina aponta ao caso do turista que pensa que o consumo de certa droga é permitida no Brasil. Ele equivoca-se sobre a proibição. Se a Justiça entender que ele, nas condições reais, não tinha como potencialmente entender que o ato era ilícito, será absolvido. Caso contrário, sua pena será reduzida.

Outro exemplo é fornecido por Estefam (2018): o indivíduo acha um relógio na rua e empreende busca pelo dono. Depois de várias tentativas, decide ficar com o bem, pois imagina que o insucesso na busca do dono lhe permite ficar com o bem da coisa perdida. A conduta que ele pensa ser permitida, entretanto, é proibida pelo art. 169, do CP.

O erro de proibição trata da representação equivocada das normas. Uma das formas de se equivocar sobre a norma é imaginar que existe uma causa excludente de ilicitude que, na realidade, não existe. Trata-se da descriminante putativa ou erro de proibição indireto.

Observe a lógica por trás da expressão. Descriminante é a característica de tornar lícito, de excluir o crime, a ilicitude ou a antijuridicidade; putativa é a qualidade de uma coisa ser imaginária, hipotética.

Descriminante putativa, então, é a situação onde o indivíduo imagina que existe na lei uma hipótese excludente de ilicitude para o ato que ele pratica ou que a hipótese existente tem limites mais generosos do que os reais.

O exemplo clássico de descriminante putativa envolve os limites da legítima defesa: o agressor é imobilizado pela vítima, restando inofensivo. A vítima, em seguida, pega a arma do agressor e atinge-o, pensando que a legítima defesa legal permite o ato subsequente, posterior à neutralização da agressão injusta.

Nas descriminantes putativas, segue-se a regra do erro de proibição: se for escusável, exclui a culpabilidade, o crime e a pena; se for inescusável, reduz a pena.

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2018.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.

Descriminantes putativas ou erro de tipo permissivo

Sobre o erro, informa o Código Penal:

Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O erro de tipo é o equívoco sobre os elementos que compõem a conduta típica.

É a errônea representação do mundo dos fatos, situação que faz com que o elemento subjetivo do agente não se alinhe à realidade efetivamente vivenciada. Essa ruptura ocorre entre o psicológico do agente (que o faz atuar com base em um cenário inexistente) e a realidade.

Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O erro também pode incidir sobre a existência fática de uma causa de exclusão de ilicitude. Ou seja, o agente imagina que está em uma situação em que pode agir albergado por uma causa excludente de antijuridicidade (ou seja, uma causa descriminante, que torna sua conduta lícita e, portanto, não criminosa). Ocorre que essa situação descriminante é imaginária (putativa).

O sujeito imagina estar vivenciando situação de estado de necessidade, ou que está sofrendo uma agressão injusta, permitindo sua legítima defesa etc., entretanto, tais causas de exclusão de ilicitude são imaginárias no contexto fático vivido.

O termo putativo significa imaginário, hipotético, decorrente de suposição.

1. Supostamente verdadeiro, sem o ser. (Michaelis)

Exemplos: um indivíduo, por errônea apreciação de circunstâncias de fato, julga-se na iminência de ser injustamente agredido por outro, e contra este exerce violência (legítima defesa putativa). ao falso alarma de incêndio numa casa de diversões, os espectadores, tomados de pânico, disputam-se a retirada, e alguns deles, para se garantirem caminho, empregam violência, sacrificando outros (estado de necessidade putativo); a sentinela avançada mata com um tiro de fuzil, supondo tratar-se de um inimigo, o companheiro d’armas que, feito prisioneiro, consegue fugir e vem de retorno ao acampamento (putativo cumprimento do dever legal); o adquirente de um prédio rural, enganado sobre a respectiva linha de limite, corta ramos da árvore frutífera do prédio vizinho, supondo erroneamente que avançam sobre sua proprieade, além do plano vertical divisório (putativo exercício regular de direito).

hungria; fragoso, 1978, p. 229.

As descriminantes putativas, como espécies do erro de tipo, usualmente denominadas erro de tipo permissivo (pois tratam de equívoco sobre a existência de uma situação que, se existisse, permitiria a conduta), seguem a mesma lógica do erro de tipo essencial anteriormente exposta: sempre excluem o dolo e, se decorrerem de erro vencível, permitem a imputação por culpa.

Cogitemos um exemplo:

O indivíduo A é ameaçado de morte por B. Dias depois, vê o desafeto vindo em sua direção com uma arma. Antes de qualquer interação, A atira preventivamente em B, pensando que este está na iminência de injustamente matá-lo, quando, na verdade, B portava um guarda-chuva e iria apenas desculpar-se pelo evento anterior.

Diante da ameaça prévia, pode-se supor que o erro era invencível, não respondendo A pelo homicídio.

Agora imagine que B apenas havia xingado A por uma disputa futebolística. Se A vem a matar B nas condições já explicadas, claramente estará caindo em um erro facilmente vencível, pois as circunstâncias não fariam supor a iminência de uma iminente agressão.

Referências

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPODIVM, 2016.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Qual a diferença entre Direito e Moral?

Direito e Moral são duas disciplinas que têm pretensões deontológicas (estudo das regras de “dever ser”), ou seja, que estipulam parâmetros para a praxe humana, apontando um ideal de conduta a ser seguido. Tais figuras, contudo, divergem drasticamente em suas características.

Ondas de transformação do acesso à Justiça

O acesso à Justiça é um fenômeno jurídico de relevância ímpar cujos contornos ainda são debatidos vigorosamente por juristas e filósofos. Na Constituição de 1988, comumente insere-se o princípio do acesso à Justiça em conjunção com o da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV), apesar de críticas sobre a amplitude desejada da noção de justiça:

PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – INTEIREZA. A ordem jurídico-constitucional assegura aos cidadãos o acesso ao Judiciário em concepção maior. Engloba a entrega da prestação jurisdicional da forma mais completa e convincente possível. Omisso o pronunciamento judicial e, em que pese a interposição de embargos declaratórios, persistindo o vício na arte de proceder, forçoso é assentar a configuração da nulidade. (STF – RE 686696 AgR / AC. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 11/06/2013).

No campo do Direito, destaca-se o trabalho dos estudiosos Mauro Cappelletti e Bryant Garth (2002) sobre os principais empecilhos que dificultam o acesso à Justiça e sobre a evolução (ondas) do referido fenômeno.

Obstáculos ao acesso à Justiça

Para uma compreensão da formulação dos contornos e amplitude da noção de acesso à Justiça que os autores citados apresentam, é necessário verificar quais seriam os obstáculos que dificultam tal acesso.

De início, Cappelletti e Garth (1988) apontam os custos elevados da resolução formal de litígios, envolvendo a sucumbência e elevadas custas judiciárias. Tais ônus desestimulariam inclusive pequenas causas, visto que o benefício almejado é inferior ao preço do meio necessário para alcançar aquele.

Os autores também apontam a morosidade na definição judiciária do conflito como um dos empecilhos para um real acesso à Justiça.

Os efeitos desta delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 20).

Por fim, também obstaculizam um real acesso à Justiça, entre outros fatores, as vantagens estratégicas de uma das partes (grandes organizações, litigantes frequentes etc.) e empecilhos legais relacionados à legitimidade para a defesa de interesses difusos.

Ondas de acesso à Justiça

Diante das barreiras acima elencadas, Bryant e Cappelletti estudam “ondas” de esforços que poderiam solucionar os obstáculos ao surgimento de um real acesso à Justiça. Ondas seriam os movimentos, esforços e medidas que seriam tomadas e reverberariam na garantia do direito em questão.

A primeira onda se verifica na garantia de um serviço jurídico gratuito aos pobres. É uma postura necessária para garantir que os hipossuficientes tenham faticamente a possibilidade de manejar as formas e ritos judiciários, sem ter que prejudicar a própria subsistência com custas e outros ônus processuais. Esse modelo se verifica na advocacia dativa, com advogados privados pagos pelo Estado (sistema judicare) e nas defensorias, cuja vantagem vai além da mera representação judicial, pois possibilita uma atuação ativa e educativa de seus membros.

A segunda onda trata da representação e defesa de interesses difusos. De fato, superado o modelo individualista de processo, busca-se ampliar os mecanismos de defesa de interesses que vão além do sujeito individualizado. Nesse contexto também repensa-se a noção de legitimidade, autorizando que outros autores litiguem em prol de coletividades.

Os programas de assistência judiciária estão finalmente tornando disponíveis advogados para muitos dos que não podem custear seus serviços e estão cada vez mais tornando as pessoas conscientes de seus direitos. Tem havido progressos no sentido da reivindicação dos direitos, tanto tradicionais quanto novos, dos menos privilegiados. Um outro passo, também de importância capital, foi a criação de mecanismos para representar os interesses difusos não apenas dos pobres, mas também dos consumidores, preservacionistas e do público em geral, na revindicação agressiva de seus novos direitos sociais. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67).

A terceira onda é a reforma ampla do sistema judiciário e seus atores, possibilitando que procedimentos, tribunais e juristas estejam de fato eficientemente voltados à proteção do direito substantivo. É a modificação de postura com base em uma autocrítica sobre as falhas do sistema que impedem a efetividade do direito prescrito.

É necessário, em suma, verificar o papel e importância dos diversos fatores e barreiras envolvidos, de modo a desenvolver instituições efetivas para enfrentá-los. O enfoque o acesso à Justiça pretende levar em conta todos esses fatores. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 73).

Referências

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

Questões

(TJPI – Escrivão Judicial – 2015): Em sua clássica obra “Acesso à Justiça”, Mauro Cappelletti e Bryant Garth identificaram os obstáculos a serem transpostos para assegurar o direito ao acesso efetivo à justiça e propuseram soluções práticas para os problemas relacionados a esse acesso, denominando-as de “ondas”. Nesse contexto, a alternativa que caracteriza uma das ondas de acesso à justiça é:

a) criação de escolas de formação de magistrados;
b) representação dos interesses difusos;
c) redução dos procedimentos especiais;
d) reforço da neutralidade judicial.
e) combate ao uso seletivo de incentivos econômicos para encorajar acordos.

 

(DPE-GO – Defensor Público – 2014) Considerando a segunda onda renovatória de acesso à Justiça, nas formulações de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública.

a) decorre da Lei Federal n. 11.448 de 2007, sem previsão expressa na Lei Complementar Federal n. 80 de 1994.
b) exige prévia autorização do Defensor Público-Geral do Estado ou do Conselho Superior, em se tratando de interesse difuso.
c) antecede a Lei Federal n. 11.448 de 2007, pois já era admitida na defesa dos direitos do consumidor e como decorrência da assistência jurídica integral.
d) é ampla e irrestrita, independente de pertinência com as finalidades institucionais e do favorecimento a grupo de pessoas hipossuficientes.
e) está restrita aos direitos coletivos e individuais homogêneos de pessoas economicamente necessitadas, excluindo os de natureza difusa.

 

(MPDFT – Promotor de Justiça Adjunto – 2015): Mauro Cappelletti relaciona a “terceira onda de acesso à justiça” aos métodos alternativos de solução dos conflitos (In Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça, RePro 74/82, São Paulo, editora RT). Sobre o tema, julgue os itens a seguir:

I. No procedimento comum ordinário, a audiência de tentativa de conciliação acontece após transcorrido o prazo de contestação do réu e se a causa versar sobre direitos que admitam a transação. Cabe, contudo, ao juiz tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
II. Para as novas regras do Código de Processo Civil de 2015, não é necessária a espera do transcurso do prazo de contestação, para que o juiz designe a primeira audiência de conciliação ou de mediação.
III. Coincidem, contudo, os dois diplomas processuais civis – CPC/1973 e CPC/2015, acerca do não comparecimento injustificado da parte, procurador ou preposto, na primeira audiência de conciliação, isto é, ambos os códigos consideram a ausência injustificada como mero desinteresse na conciliação.
IV. Nos procedimentos dos juizados especiais cíveis (Lei 9.099/1995) a solução dos conflitos será obtida pela homologação judicial do termo de conciliação ou do laudo do juízo arbitral, bem assim, caso não obtidas tais soluções, pelo julgamento do juiz togado, após audiência de instrução e julgamento.
V. Conciliação e mediação são termos intercambiáveis, no novo Código de Processo Civil de 2015, e significam que o conciliador ou mediador podem sugerir soluções para o encerramento do litígio entre as partes.

Reconvenção e pedido contraposto

Diante da propositura de uma ação que lhe é contrária, o réu pode se valer de meios jurídicos para não apenas se defender direta e indiretamente, mas também apresentar uma demanda contra o autor, em um fenômeno semelhante a um “contra-ataque”. Nesse contexto estudam-se duas manifestações típicas: a reconvenção e o pedido contraposto.

Reconvenção

A reconvenção é, em poucas palavras, uma demanda proposta pelo réu em face do autor no mesmo processo iniciado por este. A sua apresentação possibilita o julgamento conjunto, na mesma sentença, da demanda autoral e da demanda do réu.

Tal pedido é formulado na mesma peça que contém a contestação (caso esta seja apresentada, podendo a reconvenção ser a única manifestação do réu) e no mesmo prazo de defesa:

Art. 343. Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
§ 6º O réu pode propor reconvenção independentemente de oferecer contestação.

Código de Processo Civil

Esta manifestação do réu amplia objetivamente a demanda (ou seja, adiciona novos objetos/matérias para julgamento) e, por se aproximar de um verdadeiro pedido inicial, se submete aos mesmos requisitos de um, como denotam diversos dispositivos do Código de Processo Civil, como o art. 292 (exposição do valor da causa), art. 324, §2º (o pedido deve ser determinado), art. 329, parágrafo único (aditamento do pedido). Do resultado da reconvenção também são devidos honorários (art. 85, 1º).

Na condição de pedido autônomo do réu, a reconvenção não é dependente do pedido do autor. Assim, caso ocorra desistência ou renúncia por este, inexiste óbice legal à apreciação do pedido reconvencional:

Art. 343, § 2º A desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

No mais, essa autonomia se manifesta na facultatividade da reconvenção. Caso seja a preferência do réu, o mesmo pode propor a mesma demanda em outro processo, tornando-se autor originário deste. Pelas regras de prevenção, este outro processo ainda seria julgado pelo mesmo juízo:

A única diferença é que, com a reconvenção, haverá somente um processo, objetivamente complexo (duas ações), enquanto na reunião de processos conexos, haverá dois processos, cada qual com uma ação, ainda que tenham um procedimento conjunto, sendo inclusive decididos por uma mesma sentença (NEVES, 2016, p. 598).

Com a apresentação de reconvenção na defesa do réu (reconvinte), o autor (reconvindo) é intimado para responder (por contestação ou outra defesa) em quinze dias, sob pena de revelia sobre a demanda reconvencional. É possível, inclusive, a apresentação de reconvenção da reconvenção, salvo no caso de ação monitória, onde a vedação é expressa:

Art. 702, § 6º Na ação monitória admite-se a reconvenção, sendo vedado o oferecimento de reconvenção à reconvenção.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A lei também permite a ampliação subjetiva por meio da reconvenção, adicionando terceiro, e a doutrina cogita que a resposta à reconvenção contenha denunciação da lide e chamamento ao processo.

Art. 343, § 4º A reconvenção pode ser proposta pelo réu em litisconsórcio com terceiro.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A decisão final sobre o mérito da reconvenção implica resolução meritória (art. 487, I, do CPC) e permite a apresentação de apelação. Diferentemente, o indeferimento inicial da reconvenção é decisão interlocutória, permitindo a interposição de agravo de instrumento, caso o processo ainda tenha curso.

Pedido contraposto

O pedido contraposto também é uma demanda (de amplitude mais restrita) formulada pelo réu em face do autor de um processo.

As hipóteses de pedido contraposto são específicas e encontram-se espalhadas pela legislação. Exemplos típicos são os pedidos do réu em face do autor nas demandas possessórias e nas demandas sujeitas aos juizados especiais cíveis (onde não se admite reconvenção):

Art. 31. Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.

Lei nº 9.099/95

Art. 556. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Em regra, pedidos contrapostos são mais simples, apresentados na mesma peça defensiva e são intimamente ligados aos mesmos fatos que deram origem à ação principal.

Diferenças entre reconvenção e pedido contraposto

Como se percebe, reconvenção e pedido contraposto são figuras assemelhadas em essência, correspondendo a pleitos da parte demandada em face do demandante inicial. Algumas diferenças, entretanto, podem ser destacadas, considerando a legislação vigente sobre as figuras.

A reconvenção, em termos gerais, é a forma geral de demanda do réu contra o autor, prevista no Código de Processo Civil, aplicando-se como regra. Diferentemente, o pedido contraposto é uma demanda com previsão legal restrita a certas circunstâncias (como as regidas pela Lei dos Juizados Especiais ou nas ações possessórias).

A doutrina também aponta que o escopo da reconvenção é mais amplo, bastando uma simples conexão com a ação principal ou com os fundamentos de defesa para que seja conhecida. A seu turno, o pedido contraposto tem âmbito restrito aos fatos do litígio, devendo guardar maior pertinência com os mesmos. Explicam os estudiosos:

Enfim, reconvenção e pedido contraposto são espécies de um mesmo gênero: demanda do réu contra o autor. Distinguem-se pela amplitude da cognição judicial a que dão ensejo (DIDIER, 2016, p. 674).

Referências

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, v. 1. Salvador: JusPodivm, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. Salvador: JusPodivm, 2016.

Cifras e “cores” criminais

Na Criminologia e no Direito Penal, são comuns classificações que dizem respeito às estatísticas e à qualidade social imputada ao agente delituoso.

A doutrina, assim, emprega “cores” para identificar alguns desses delitos e como os mesmos integram as estatísticas oficiais dos órgãos de repreensão.


Cifra negra e crimes do colarinho azul

A cifra negra é, resumidamente, o conjunto de crimes não comunicados aos órgãos de segurança, fugindo da ciência do Estado e esquivando-se do ius puniendi. É uma realidade que dificulta a eficácia das políticas criminais, da organização da segurança pública e até mesmo da elaboração normativa em âmbito criminal.

Nesse sentido, convém diferenciar a criminalidade real da criminalidade revelada e da cifra negra: a primeira é a quantidade efetiva de crimes perpetrados pelos delinquentes; a segunda é o percentual que chega ao conhecimento do Estado; a terceira, a porcentagem não comunicada ou elucidada.

PENTEADO FILHO, 2012.

Tradicionalmente a cifra negra diz respeito a crimes “comuns”, “de rua”, como pequenos furtos, roubos ou até mesmo crimes sexuais, nos quais é mais frequente uma carência de comunicação às autoridades (subnotificação).

A classificação “crimes do colarinho azul” mantém certa relação com tal cifra, pois remete aos crimes usualmente associados à parcela mais pobre da população.

São denominados crimes do colarinho azul em alusão ao uniforme que era utilizado por operários norte-americanos no início do século XX, então chamados blue-collars.

CUNHA, 2016, p. 175.

Cifra dourada e crimes do colarinho branco

A cifra dourada também representa uma situação de impunidade provocada por omissão ou falta de comunicação e registro de condutas criminosas. Entretanto, trata-se de cifra normalmente associada a crimes do colarinho branco, nos quais o poder político e econômico pode vir a fomentar elevado grau de impunidade.

Nesse substrato, inserem-se os inauditos esquemas de corrupção, crimes ambientais, crimes contra o sistema financeiro e outros delitos contra a Administração Pública.

O termo “crimes do colarinho branco” é cunhado por Edwin Sutherland, e faz referência visual às vestimentas finas do alto-escalão da sociedade.


Complemento

Estudiosos também mencionam outras facetas do fenômeno criminológico.

A cifra amarela, por exemplo, seria a falta de comunicação e apuração de delitos cometidos por membros das próprias organizações policiais, tendo em vista o medo de represálias ou vingança corporativa.

Defende-se aqui a hipótese de que há uma cifra amarela, um número considerável de violências policiais contra a sociedade que, por temor de retaliações ou de uma prática vingativa por parte da corporação, não realizam as denúncias.

AZEVEDO, online.

Também se fala em cifra verde, relativa a delitos cometidos contra o meio ambiente, mas que não chegam ao conhecimento dos órgãos públicos.


Referências

AZEVEDO, José Eduardo. Polícia militar: a mecânica do poder. Disponível online.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPodivm, 2016.
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012, e-book).

Velocidades do Direito Penal

A teoria das velocidades do Direito Penal, proposta por Jesús-María Silva Sánchez, diz respeito, em essência, às mudanças de postura e aplicação do Direito Penal no curso do tempo, com flexibilizações para certos ilícitos (como o consumo próprio de drogas, art. 28, da Lei de Drogas) ou a intensificação da punição e de critérios de apuração para outros delitos mais gravosos.

Essas duas posturas evidenciam a existência de dois blocos: o dos ilícitos que acatam pena de prisão, e o dos ilícitos que admitem outras penas. De início, essa dualidade aponta duas velocidades do direito penal, a identificar uma espécie de proporcionalidade de resposta em face do ilícito, satisfazendo a finalidade do Direito Penal compativelmente com cada caso concreto:

Quanto à primeira velocidade do direito penal, deve ser aplicado os conceitos do direito penal clássico às imputações também clássicas, aplicando-se a estas, todas as garantias conquistadas ao longo da evolução humana e, reservando-se às mesmas, a pena privativa de liberdade.
Sob a perspectiva do direito penal de segunda velocidade, tendo em vista a moderna sociedade de risco, seria possível uma flexibilização das regras e garantias individuais, tendo em vista a não sujeição à pena privativa de liberdade, a fim de que o direito penal possa atingir seu fim. (GOMES, 2009, p. 78).

A doutrina ainda aborda uma chamada terceira velocidade, correspondente com a noção de Direito Penal do inimigo, proposto por Günther Jakobs. Para o mesmo, o inimigo é o indivíduo consistente e deliberadamente averso à norma jurídica, à estrutura social e Estatal, razão pela qual deve carecer das garantias comezinhas conferidas aos demais cidadãos.

Trata-se de uma visão afeita ao Direito Penal do autor (ou seja, o Direito penal que presta mais atenção ao infrator do que ao fato cometido).
Em termos de velocidade, explica a doutrina:

E, nesse contexto, o Direito Penal do inimigo seria definido por Silva Sánchez como a terceira velocidade do Direito Penal: privação da liberdade e suavização ou eliminação de direitos e garantias penais e processuais.
Como não poderia ser diferente, essa proposta recebe inúmeras críticas, fundadas principalmente na violação de direitos e garantias constitucionais e legais. (MASSON, 2015).

Complementação

Ainda se fala em quarta velocidade, o neopunitivismo, atribuída a Daniel Pastor e conectada com a influência de cortes penais internacionais, sobrepondo o sistema garantista interno para trazer o infrator ao âmbito internacional.

Esta visión del poder punitivo, catalogada aquí como neopunitivismo, es la que inspira también al llamado “derecho penal de los derechos humanos”. En este ámbito organismos internacionales de protección y organizaciones de activistas consideran, de modo sorprendente por lo menos, que la reparación de la violación de los derechos humanos se logra primordialmente por medio del castigo penal y que ello es algo tan loable y ventajoso que debe ser conseguido sin controles e ilimitadamente, especialmente con desprecio por los derechos fundamentales que como acusado debería tener quien es enfrentado al poder penal público por cometer dichas violaciones. Se cree, de este modo, en un poder penal absoluto. (PASTOR, 2006).

O neopunitivismo relaciona-se ao Direito Penal Internacional, caracterizado pelo alto nível de incidência política e pela seletividade (escolha dos criminosos e do tratamento dispensado), com elevado desrespeito às regras básicas do poder punitivo, a exemplo dos princípios da reserva legal, do juiz natural e da irretroatividade da lei penal. No conflito entre países, os vencedores são os julgadores dos Estados derrotados, como aconteceu nos tribunais internacionais ad hoc para Ruanda e para a antiga Iugoslávia. (MASSON, 2015).

No Brasil, o Estatuto de Roma foi admitido e promulgado pelo Decreto nº 4.388/02, sendo interessante verificar algumas qualidades desse âmbito de punição. No caso do Tribunal Penal Internacional, existem algumas flexibilizações, mas permanecem vigentes princípios básicos como a irretroatividade e a presunção de inocência.

Decreto nº 4.388/02
Artigo 29 – Imprescritibilidade: Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem.
Artigo 77 – Penas Aplicáveis: 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5o do presente Estatuto uma das seguintes penas: a) Pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30 anos; ou b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem

Referências

GOMES, Thiago Quintas. Direito penal na era global: garantismo positivo ajustado ao garantismo negativo. Dissertação de mestrado. PUC-SP, 2009.
MASSON, Cléber. Direito penal: parte geral. São Paulo: Método, 2015, recurso digital.
PASTOR, Daniel. La deriva neopunitivista de organismos y activistas como causa del desprestigio actual de los derechos humanos. 2006. Disponível online.

Questões

PUC-PR – TJ-MS – Juiz Substituto (2012): Marque a alternativa CORRETA sobre as teorias das velocidades do direito penal:

A) A teoria da primeira velocidade do direito penal é ligada à ideia do direito penal do inimigo, ou seja, tem como proposição a aplicação de um direito penal máximo, com penas privativas de liberdades e de caráter perpétuo.

Primeira velocidade: tradicional, pena de prisão.

B) A teoria da segunda velocidade do direito penal é ligada à ideia do direito penal do inimigo, ou seja, tem como proposição a aplicação de um direito penal máximo, com penas privativas de liberdades e de caráter perpétuo

Segunda velocidade: Flexibilização, penas alternativas.

C) A teoria da terceira velocidade do direito penal tem como fundamento a aplicação de penas alternativas ou de multa, ou seja, está ligada à ideia de um direito penal de mínima intervenção.

Terceira velocidade: direito penal do inimigo.

D) A teoria da quarta velocidade do direito penal está ligada à ideia do neopunitivismo.

Correto.

E) A terceira velocidade do direito penal, idealizada por Jesus María Silva Sánchez, está ligada à ideia do Tribunal Penal Internacional, ou seja, à proposição de um direito penal para julgar crimes de guerra, de agressão, genocídio e de lesa humanidade.

Quarta velocidade.

 

MPE-SC – Promotor de Justiça (2013): Em sede de Política Criminal, o Direito Penal de segunda velocidade, identificado, por exemplo, quando da edição das Leis dos Crimes Hediondos e do Crime Organizado, compreende a utilização da pena privativa de liberdade e a permissão de uma flexibilização de garantias materiais e processuais.

Certo

Errado. Esses diplomas mais rigorosos se aproximam da terceira velocidade.

Errado

Exato.

Estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito

O estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito são circunstâncias que justificam a conduta praticada, tornando-a compatível com o ordenamento e, consequentemente, impedindo o reconhecimento da prática delituosa.

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