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Categoria: Título I – Aplicação da Lei Penal Page 1 of 2

Art. 22 – Coação irresistível e obediência hierárquica

Coação irresistível e obediência hierárquica
Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

O presente artigo trata da coação moral irresistível e da obediência hierárquia, duas causas que excluem a culpabilidade do agente e, portanto, o crime no que lhe diz respeito. Mais específicamente, são hipóteses legais de inexigibilidade de conduta diversa.

A exigibilidade de conduta diversa é um requisito ínsito à culpabilidade. Só se pode considerar alguém culpável por certo fato se a pessoa envolvida tivesse oportunidade de agir de forma diversa, forma esta lícita e compatível com o ordenamento jurídico.

No Direito Penal, a coação pode ser moral (vis compulsiva, vis conditionalis, vis animo illata) ou física (vis absoluta, vis atrox, vis corpori illata).

Coagir (do latim coagere) é constranger alguém, por meios físicos ou morais, a um facere ou non facere.

HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, p. 255

A coação física é aquela em que o indivíduo é despido de qualquer vontade e é forçado, por meio físico, a envolver-se no ato criminoso. O indivíduo é mero instrumento do crime, um paciente que sequer possui, tecnicamente, uma conduta ou nexo causal com o resultado. Nesses casos, sequer há um ato voluntário, sendo atípico o fato em relação a este sujeito.

A coação física irresistível pode ser exemplificada: um indivíduo muito forte força os dedos de outro no gatilho de uma arma; ou, quem sabe, empurra-o para que esbarre em um terceiro que está na beira de um prédio etc.

Já a coação moral irresistível é a que deixa o agente-vítima à mercê da vontade de um terceiro por temor de algum mal que este possa produzir. O agente tem controle de suas ações (e age dolosamente), mas esse controle é viciado pelo temor diante da séria ameaça sofrida.

Nessa hipótese, o coagido não responde pelo crime, mas sim o coator, autor mediato do delito.

O caso mais icônico da coação moral envolve o gerente de banco cuja família foi sequestrada. Ele é obrigado, pelos sequestradores, a extraviar uma quantia dos cofres, sob pena de seus familiares serem executados. Como não se poderia exigir outra conduta do gerente, este não poderá ser punido pelo fato.

Se a coação moral for resistível (por exemplo, o bandido ameaça a quebra de um bem de pequeno valor, caso o agente não pratique o crime) e o agente decidir acatar, este será punido normalmente, pois seria exigível conduta diversa. A seu favor, entretanto, incide uma atenuante genérica:

Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III – ter o agente:
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

código penal

No que diz respeito à obediência hierárquica, determina o Código que a ordem não pode ser manifestamente ilegal. Adimplido este requisito, o agente não responde, apenas seu superior hierárquico. Caso contrário, poderá se beneficiar da circunstância do art. 65, III, “c”, do Código.

De modo geral, a doutrina aponta apenas a hierarquia legal, pública, como aquela passível de permitir a aplicação da excludente.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Art. 21 – Erro de proibição ou sobre a ilicitude do fato

Erro sobre a ilicitude do fato

Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

No Direito brasileiro, vige a presunção de conhecimento da lei, não podendo ninguém deixar de cumpri-la alegando o seu desconhecimento. Trata-se de um postulado também previsto na LINDB:

Art. 3o  Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Lei de introdução Às normas de direito brasileiro (dec. lei nº 4.657/42)

Mesmo que a pessoa não possa se escusar do cumprimento da lei alegando seu desconhecimento, o Código Penal traz efeitos jurídicos para o erro sobre a ilicitude da conduta. O agente, nesses casos, incide em erro de proibição (o sucessor do chamado erro de direito ou error juris na doutrina clássica).

Diferente do erro de tipo, o erro de proibição ocorre diante da equivocada percepção da ilicitude do ato, do regramento jurídico e das normas proibitivas e permissivas, e não dos fatos em si. Em poucas palavras, o agente pensa que certo procedimento é lícito e legal, quando, na realidade, não o é.

O agente tem correta representação dos fatos, mas equivoca-se sobre a qualidade jurídica de sua conduta. Bitencourt (2018) chama esse fenômeno de consciência profana do injusto, que nada mais é do que o pensamento (consciência) leigo, não jurídico (profano), do injusto. Na esfera profana, leiga, o agente pensa que o ato não é ilícito.

De uma forma geral, a doutrina só aponta a existência do erro de tipo e do erro de proibição. Se a situação pertinente tratar de erro sobre a existência ou contornos dos fatos, teremos um erro de tipo. Se a situação tratar de equívocos sobre as normas, seu conteúdo e extensão, teremos erro de proibição.

O erro de proibição invencível (inevitável, desculpável, escusável) exclui a potencial consciência de ilicitude, que se encontra na culpabilidade do delito. Em outras palavras, o agente não tinha como perceber a ilicitude do fato. Minando a culpabilidade, consequentemente não há crime ou punição.

Diferente do erro de tipo, quando o erro de proibição é evitável, o agente se beneficiará com uma redução de sua pena de um sexto a um terço (1/6 a 1/3).

A potencial consciência da ilicitude diz respeito à possibilidade de o agente, no contexto fático, perceber o caráter ilícito de sua conduta. É a possibilidade de perceber que se está fazendo algo errado, ilícito.

Usualmente, a doutrina aponta ao caso do turista que pensa que o consumo de certa droga é permitida no Brasil. Ele equivoca-se sobre a proibição. Se a Justiça entender que ele, nas condições reais, não tinha como potencialmente entender que o ato era ilícito, será absolvido. Caso contrário, sua pena será reduzida.

Outro exemplo é fornecido por Estefam (2018): o indivíduo acha um relógio na rua e empreende busca pelo dono. Depois de várias tentativas, decide ficar com o bem, pois imagina que o insucesso na busca do dono lhe permite ficar com o bem da coisa perdida. A conduta que ele pensa ser permitida, entretanto, é proibida pelo art. 169, do CP.

O erro de proibição trata da representação equivocada das normas. Uma das formas de se equivocar sobre a norma é imaginar que existe uma causa excludente de ilicitude que, na realidade, não existe. Trata-se da descriminante putativa ou erro de proibição indireto.

Observe a lógica por trás da expressão. Descriminante é a característica de tornar lícito, de excluir o crime, a ilicitude ou a antijuridicidade; putativa é a qualidade de uma coisa ser imaginária, hipotética.

Descriminante putativa, então, é a situação onde o indivíduo imagina que existe na lei uma hipótese excludente de ilicitude para o ato que ele pratica ou que a hipótese existente tem limites mais generosos do que os reais.

O exemplo clássico de descriminante putativa envolve os limites da legítima defesa: o agressor é imobilizado pela vítima, restando inofensivo. A vítima, em seguida, pega a arma do agressor e atinge-o, pensando que a legítima defesa legal permite o ato subsequente, posterior à neutralização da agressão injusta.

Nas descriminantes putativas, segue-se a regra do erro de proibição: se for escusável, exclui a culpabilidade, o crime e a pena; se for inescusável, reduz a pena.

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2018.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.

Art. 12 – Legislação penal especial

Legislação especial
Art. 12 – As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

O Código Penal, que foi inicialmente editado como um decreto-lei, foi recepcionado na atual ordem jurídica com o status de lei ordinária (art. 59, III, da Constituição). Isso quer dizer que ele, na condição de um regramento geral, pode coexistir com outras normas penais e que estas podem, eventualmente, trazer tratamento diverso para situações específicas.

De forma geral no Direito, é importante relembrar que a norma especial pretere a norma geral (BOBBIO, 1999), conforme denota o brocardo jurídico:

Lex specialis derogat legi generali.

A legislação especial penal, portanto, traz vários exemplos onde institutos genéricos do Código Penal recebem tratamento diferenciado. Por exemplo, perceba que a Lei dos crimes hediondos define uma regra própria (mais gravosa) para progressão de regime:

A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Lei nº 8.072/90

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Ed. UNB, 1999.

Art. 11 – Frações não computáveis da pena

Frações não computáveis da pena
Art. 11 – Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro. 

Brinca Hungria (1976) que o Código Penal de 1940 supera a mesquinhez dos ordenamentos imperiais, que era excessivamente rigoroso no cômputo dos prazos das penas e na cobrança das frações da pena pecuniária.

Assim, se um provimento jurisdicional determina um acréscimo ou diminuição genérica na pena, de forma a gerar uma pena em que sobrem algumas horas, estas serão desconsideradas, mantendo-se o dia inteiro, favorecendo o condenado.

Sugerindo uma atualização do dispositivo legal, sugere Jesus (2014) que, no âmbito da multa, sejam desconsideradas a fração da unidade da moeda vigente, no caso, R$ 1,00.

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014.

Art. 10 – Contagem dos prazos materiais penais

Contagem de prazo
Art. 10 – O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

A contagem dos prazos relativos ao direito material inclui o dia do começo, diferente do que ocorre com os prazos de direito processual. Assim, os prazos previstos no Código Penal, como os de prescrição, levam em conta o dia do começo (que, pela teoria da atividade, é o dia em que se praticou a conduta criminosa) como termo a quo (dies a quo).

Isso quer dizer que qualquer fração de dia, neste dia inicial, vale como um dia inteiro, de forma a favorecer o réu e evitar outras dificuldades de contagem. Se o indivíduo é encarcerado às 23h de um dia, o remanescente deste contará como um dia inteiro.

Entre prazos materiais, podemos mencionar a prescrição, a decadência, o cumprimento de pena, o livramento condicional etc. São prazos que dizem respeito imediatamente ao direito de punir (ius puniendi).

Como prazos de índole material, os mesmos são improrrogáveis, mas ainda é possível sua suspensão e interrupção, como ocorre com a prescrição.

Essa contagem, ademais, segue o calendário comum (gregoriano), de forma que a duração de um mês é computada entre um dia e o correspondente do mês seguinte; o cômputo de um ano corresponde ao lapso de um dia até o deslinde do dia anterior ao dia correspondente no ano seguinte. Evitam-se maiores complexidades e investigações sobre a exata quantidade de dias entre o termo inicial e o final. Buscou-se, como diz Hungria (1976), evitar um inconveniente.

Para cálculos de cumprimento de pena em anos, a doutrina sugere a diminuição de um dia para definição do termo final:

Dessa forma, se a pena é de um ano, e teve início em 10 de outubro de determinado ano, estará integralmente cumprida no dia 9 do ano seguinte.

masson, 2017, p. 187.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo I. Rio de Janeiro: Forsense, 1976.
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Art. 9º – Eficácia de sentença estrangeira

Eficácia de sentença estrangeira
Art. 9º – A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:
I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
II – sujeitá-lo a medida de segurança.
Parágrafo único – A homologação depende:
a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;
b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Quando o ordenamento brasileiro permite as mesmas consequências definidas na sentença estrangeira, esta pode ser homologada no Brasil para exigir a responsabilização civil do condenado ou sujeitá-lo a medida de segurança.

No primeiro caso, busca-se o reconhecimento do efeito civil da condenação penal, notadamente a reparação dos danos ocasionados, sendo necessário o requerimento da parte interessada.

No segundo, busca-se a aplicação da medida de segurança em prol da defesa social e do próprio indivíduo. Nesta hipótese a homologação depende de tratado de extradição ou requisição do Ministro da Justiça.

De forma geral, a execução de efeitos da sentença estrangeira em território nacional, após homologada, é um passo na busca de uma justiça universal e no combate à impunidade.

Proferida esta (sentença) pela autoridade judiciária de um Estado, deve ser irrestritamente reconhecida pelos demais Estados, acompanhando o criminoso, enquanto não integralmente cumprida, aonde quer que ele se dirija ou onde quer que se encontre.

hungria; FRAGOSO, 1976, p. 207.

Vale dizer, a homologação de sentença estrangeira cabe ao Superior Tribunal de Justiça, depois da reforma constitucional de 2004:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

Constituição federal de 1988

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

Art. 8º – Pena cumprida no estrangeiro

Pena cumprida no estrangeiro
Art. 8º – A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Complementando os artigos anteriores, a presente disposição determina a atenuação da pena cumprida no exterior pelo mesmo fato criminoso. Se a pena imputada for idêntica, será considerada cumprida integralmente.

A ideia por trás do dispositivo é a de evitar a dupla penalização pelo mesmo fato, o denominado bis in idem.

Neste tocante, é interessante perceber como, para a doutrina, o art. 8º corrige uma distorção aparente causada pelo art. 7º, §1º, do CP (o qual determina o processamento do crime mesmo que já tenha ocorrido condenação no exterior), pois determina no mínimo uma compensação de penas, evitando a dupla penalização (BITENCOURT, 2018).

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2018.

Art. 7º – Extraterritorialidade

O presente artigo, que trata das hipóteses de extraterritorialidade (excepcionando o art. 5), merece um estudo parcelado. Analisemos por partes.

Extraterritorialidade 
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 
I – os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; 
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; 

§ 1º – Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

A aplicação extraterritorial do direito penal brasileiro é excepcional, estando reservada a hipóteses restritas da lei.

No inciso I, encontram-se as situações mais gravosas que permitem a aplicação da lei brasileira do crime cometido no exterior independentemente de absolvição ou condenação passada por outra jurisdição. Note a gravidade das situações:

  • crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República;
  • crimes contra o patrimônio dos entes federados, territórios, empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas.
  • crimes contra a administração pública praticados por quem está a seu serviço;
  • o genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

A independência diante de eventual absolvição ou condenação pela jurisdição de outro país torna esta hipótese de extraterritorialidade incondicionada. Essa carência de condicionamento também se vislumbra na inexistência de outras exigências além do mero advento da situação prevista no inciso I.

A importância dos bens jurídicos, objeto da proteção penal, justifica, em tese, essa incondicional aplicação da lei brasileira. Nesses crimes, o Poder Jurisdicional brasileiro é exercido independentemente da concordância do país onde o crime ocorreu. É desnecessário, inclusive, o ingresso do agente no território brasileiro, podendo, no caso, ser julgado à revelia.

bitencourt, 2012, cap. x, item 4.

Por exemplo, a persecução dos crimes cometidos contra patrimônio dos entes federados, suas autarquias e empresas estatais seria uma manifestação do princípio real (ou da defesa).

Por outro lado, o inciso II traz hipóteses de extraterritorialidade condicionada:

Extraterritorialidade 
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.


§ 2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Algumas das hipóteses merecem estudo individual:

II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

Neste caso, temos uma situação de cooperação internacional. Diante da adesão a certas normas internacionais, o Brasil pode se obrigar à repressão de certos delitos, mesmo que tenham sido cometidos fora de seu território e mesmo que não tenham imediata relação com seus representantes ou patrimônio.

Tome, por exemplo, a Convenção da ONU sobre o tráfico de pessoas, com protocolo adicional promulgado pelo Decreto nº 5.017/04.

II – os crimes:
b) praticados por brasileiro;

Note-se aqui o princípio da nacionalidade ou personalidade. Diante da impossibilidade de extradição do brasileiro nato (salvo aquele que renunciou tal condição), esta possibilidade de processamento evita uma situação de impunidade, mesmo que os fatos tenham ocorrido em outra jurisdição.

II – os crimes:
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

Esta situação difere daquela estudada no art. 5º (onde a embarcação brasileira privada ou mercante deve estar navegando em alto mar e a aeronave deve estar voando sobre o mesmo espaço de ninguém). Aqui, a embarcação ou aeronave está navegando ou sobrevoando mar territorial estrangeiro ou sobrevoando o território estrangeiro.

Observe que esta alínea já traz uma condicionante, que é a falta de julgamento do crime ali cometido.

Há condicionantes gerais para o art. 7º, II, que são cumulativas:

  • a) o agente deve entrar no território brasileiro;
  • b) o fato deve ser punível no país onde foi praticado;
  • c) o crime praticado pode ser objeto de extradição no Brasil;
  • d) o agente não ter sido absolvido ou cumprido a pena no estrangeiro;
  • e) o agente não ter sido perdoado ou ter sido extinta sua punibilidade, considerada a lei mais favorável, seja ela a brasileira ou a estrangeira.

§ 3º – A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

A hipótese do derradeiro parágrafo acrescenta dois outros requisitos para o processamento do crime cometido por estrangeiro contra brasileiro no exterior.

Como acréscimo, pode-se apontar, por fim, à previsão da Lei nº 9.455/97 (Lei de tortura), que traz duas hipóteses de extraterritorialidade:

Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

lei nº 9.455/97

No primeiro caso, sendo a vítima brasileira, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime tenha sido cometido fora do Brasil, sem condicionantes.

No segundo caso, estando o agente em local sob jurisdição penal brasileira, o mesmo será processado segundo as leis brasileiras. Sobre essa possibilidade, a doutrina ressalta a incidência do princípio da jurisdição universal.

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012.

Art. 6º – Lugar do crime e ubiquidade

Lugar do crime

Art. 6º – Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

No que diz respeito ao lugar do crime, o código adotou a teoria da ubiquidade, também denominada teoria mista ou teoria da unidade.

A preocupação ínsita ao lugar do crime diz respeito à jurisdição penal sob enfoque internacional: qual país pode processar o delito? De fato, diversos delitos apresentam toques transnacionais, se prolongam por várias fronteiras ou simplesmente tem resultado final em outro país.

Pela teoria da ubiquidade, portanto, o lugar do crime é simultaneamente aqueles onde se desenvolveram as atividades parcial ou totalmente e aquele em que se verificou ou deveria se verificar o resultado. Normalmente isso implica a possibilidade de mais de um país poder processar o delito.

Sobre o assunto, a doutrina menciona a importância da teoria da ubiquidade para o processamento dos crimes à distância:

Nos denominados crimes a distância é que apresenta relevância jurídica a adoção da teoria da ubiquidade.
Os crimes podem ser de espaço mínimo ou de espaço máximo, segundo se realizem ou não no mesmo lugar os atos executórios e o resultado. Na hipótese negativa, fala-se em crimes a distância. Assim, um crime executado na Argentina e consumado no Brasil. Sendo o crime um todo indivisível, basta que uma de suas características se tenha realizado em território nacional para a solução do problema dos crimes a distância.

jesus, 2014, e-book (cap. viii, item 3)

Por outro lado, se a controvérsia sobre o local do crime estiver contida dentro da jurisdição brasileira, o conflito se resolve com base nas regras internas, notadamente o art. 70, do Código de Processo Penal.

Art. 70.  A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 1o  Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§ 2o  Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
§ 3o  Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

código de processo penal

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal . v. 1. São Paulo: Saraiva, 2014.

Art. 5º – Territorialidade penal

Territorialidade
Art. 5º – Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º – Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º – É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

O artigo traduz o princípio da territorialidade como regra geral de aplicação da lei penal no espaço. Por esta lógica, a lei penal editada pelo Brasil é aplicável aos crimes cometidos em sua delimitação geográfica, sem prejuízo das normas internacionais acolhidas pelo Estado brasileiro.

A territorialidade é uma discussão de jurisdição penal e soberania internacional, ditando os espaços onde o ius puniendi do Estado brasileiro atua.

Para os fins legais, o primeiro parágrafo entende como extensões do território nacional os seguintes espaços:

  • Embarcações e aeronaves brasileiras públicas ou a serviço do governo onde quer que estejam.
  • Embarcações e aeronaves brasileiras privadas no espaço aéreo brasileiro ou em alto-mar.
  • Embarcações estrangeiras privadas em porto ou em mar territorial brasileiro (12 milhas da costa, segundo a Lei nº 8.617/93).
  • Aeronaves estrangeiras privadas em pouso ou em espaço aéreo brasileiro.

A lógica por trás do princípio da territorialidade é simples:

Corresponde aos interesses da boa administração da justiça que um crime seja julgado na jurisdição onde foi praticado, não só pela maior facilidade na obtenção das provas, como pela maior simplicidade do processo e julgamento.

HUNGRIA; FRAGOSO, 1976, p. 155.

É de relembrar, entretanto, que há outros critérios além da territorialidade, previstos no art. 7º (extraterritorialidade), a ser estudado oportunamente.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

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