No processo penal, conexão e a continência são causas modificadoras de competência. Definem, consequentemente, o Juízo competente para o exercício da jurisdição no caso concreto com base em critérios legais predefinidos. Em se tratando de conexão e continência, tais critérios buscam a coerência dos provimentos judiciais e a otimização dos atos instrutórios, tendo em vista a proximidade entre fatos delitivos ou agentes, o que justifica o julgamento simultâneo (simultaneus processus).
Conexão
A conexão se evidencia na ligação entre múltiplos fatos delituosos. Ocorre, portanto, no âmbito objetivo, recaindo sobre os eventos em si, e não necessariamente sobre as pessoas envolvidas. Considerando a proximidade dos atos delituosos, é pertinente o julgamento conjunto pelo mesmo Juízo, pois as oportunidades probatórias e instrutórias serão mais eficientes. O art. 76, do CPP, trata da questão, enumerando hipóteses a seguir descritas.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
Código de processo penal
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
O inciso em questão traz três hipóteses da chamada conexão intersubjetiva, que pressupõe uma multiplicidade de crimes e de agentes necessariamente (veremos que há casos em que a multiplicidade de pessoas é desnecessária).
Pode ser ocasional (início do inciso), ou seja, sem concurso, quando os agentes atuam simultaneamente, mas sem unidade de intuitos ou prévio ajuste. A doutrina exemplifica essa hipótese com crimes cometidos em aglomerados (reuniões, eventos esportivos etc.), em que, no mesmo contexto, duas ou mais pessoas realizam atos delituosos.
A hipótese seguinte envolve a prática de dois ou mais crimes por várias pessoas em concurso (conexão intersubjetiva concursal). Existe, portanto, o concurso de agentes para a prática de mais de um crime, mesmo que estes sejam executados em mais de um lugar e em momentos distintos. Exemplifica Aury Lopes Jr:
Essa conexão é bastante rotineira; basta termos, por exemplo, uma quadrilha que, para praticar um roubo a banco, furta ou rouba dois veículos, em dias diferentes, para, finalmente, cometer o roubo ao banco.
LOPES JR., 2016.
A hipótese derradeira do art. 76, I, do CPP, trata da conexão intersubjetiva por reciprocidade, que se verifica quando os delitos são praticados por várias pessoas uma contra as outras (há reciprocidade de agressão, portanto).
Não se pode esquecer que a conexão exige duas ou mais infrações, devendo ser afastada desde logo a ideia do crime de rixa (pois é um crime só). Aqui os crimes (plural) são praticados por várias pessoas umas contra as outras, existe uma reciprocidade das agressões.
LOPES JR., 2016.
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
O inciso II trata da conexão objetiva (ou teleológica) entre crimes, ou seja, quando existe uma relação finalística (teleológica) entre os delitos, conforme o próprio texto legal exemplifica (um crime para facilitar outro ou garantir-lhe a impunidade).
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
A previsão derradeira é denominada de conexão instrumental (ou probatória) e diz respeito ao fato de a prova de um delito influenciar a prova existência de outro crime. O caráter instrumental ou probatório dessa ligação pode ser visto na verificação de que a prova de um crime é instrumento para a prova de outro. Exemplifica a doutrina:
O exemplo sempre citado pela doutrina é a prova do crime de furto auxiliando na prova do delito de receptação; ou do delito de destruição de cadáver em que o de cujus foi vítima de homicídio, afigurando-se necessário a prova da ocorrência da morte da vítima, ou seja, de que foi destruído um cadáver. Outro exemplo bem atual é o da prova da infração antecedente auxiliando na prova do delito de lavagem de capitais.
LIMA, 2015, p. 553.
Continência
A visão típica de continência diz respeito ao fato de uma lide estar contida em outra. O art. 77, do CPP, trata da matéria em âmbito processual penal:
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
A hipótese do inciso I trata de um único crime, mas com mais de um acusado de sua prática.
II – no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
No inciso II, existe uma unidade delitiva por ficção normativa. São os casos em que as várias ações são consideradas, pelo Direito Penal, como um delito só, por ficção legal. Isso ocorre quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, constituindo o concurso formal (art. 70 do CP), ou, ainda, nos casos de erro na execução (art. 73 do CP) e resultado diverso do pretendido (art. 74 do CP).
LOPES JR., 2016.
Nestas hipóteses, ocorre multiplicidade de lesões a bens jurídicos, mas considera-se ocorrido apenas um crime (com pena incrementada conforme o caso).
Complementos
De início, relembre-se que conexão e continência são situações de modificação de competência. A verificação das respectivas hipóteses impõe o processo e julgamento uno (simultaneus processus). Entretanto, a jurisdição militar e o juízo de menores impõe a separação dos processos relativos aos seus âmbitos de atuação.
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar;
II – no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
No caso de crime submetido ao Tribunal do Júri, este será o Juízo prevalente. Se houver um concurso de crime doloso contra a vida e crime militar, cada Juízo procederá com o julgamento do crime materialmente submetido à sua competência:
Imagine-se a hipótese de determinado agente invadir um quartel das Forças Armadas, e de Já subtrair uma arma de fogo, posteriormente utilizada para o cometimento do homicídio de um desafeto. Nessa hipótese, caberá à Justiça Militar o julgamento do crime patrimonial (lembre-se: a Justiça Militar da União, ao contrário da Justiça Militar dos Estados, tem competência para processar e julgar civis), ao passo que ao Tribunal do Júri caberá o julgamento do crime de homicídio.
LIMA, 2015, p. 555.
O crime continuado, mesmo sendo uma ficção jurídica semelhante aos casos submetidos à continência, não se submete às mesmas regras aqui estudadas.
Perceba-se que, nas hipóteses de crime continuado, a competência não será determinada pela conexão, nem tampouco pela continência, mas sim pela prevenção, nos exatos termos do art. 71 do CPP.
LIMA, 2015, p. 554.
O art. 78, do CPP, trata de regras de prevalência entre os Juízos envolvidos:
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
I – no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;
Il – no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;
III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação;
IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.
Súmula nº 122, do STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal.
stj
Súmula nº 704, do STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
stf
O Juízo prevalente pode avocar os autos da autoridade que mantém a demanda conexa ou contida, nos termos do art. 82, do CPP. A recusa implica uma espécie de conflito positivo de competência:
Art. 82. Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Referências
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2015.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015, e-book.