Ciências jurídicas e temas correlatos

Autor: Victor Augusto Page 13 of 27

Art. 32 – Das espécies das penas no Código Penal

Das espécies das penas

Art. 32 – As penas são:
I – privativas de liberdade;
II – restritivas de direitos;
III – de multa.

A pena é um instituto jurídico que tem raízes na política criminal, na sociologia criminal e na criminalística.

Com a reforma de 1984, o Código Penal passa a elencar três espécies de penalidades ao fato criminoso: a privação da liberdade, a restrição de direitos e a multa.

Tais modalidades são melhor estudadas nos artigos seguintes, mas de forma geral representam vertentes de consolidação do ius puniendi, com uma certa gradação: restringe-se a liberdade de ir e vir (privação de liberdade), restringem-se direitos do indivíduo (restritivas de liberdade) e impõe-se o pagamento de multa pecuniária ao criminoso.

As espécies de pena previstas no Código, juntamente com outras modalidades previstas na legislação especial, representam um atual estágio da discplina punitiva que se afasta da clássica retribuição e vingança e passa a um viés humanístico ressocializador, influenciado por juristas como Cesare Beccaria.

De uma forma geral, são preponderantes as teorias que conferem à pena uma função misto ou sincrética, exercendo papel de retribuição, prevenção e ressocialização.

O interesse da retribuição é o da punição pelo simples descumprimento da norma, como ímpeto de justiça e reação ao injusto. Não prevalece a noção de simples vingança dos primórdios, mas sim o de resposta à violação do tecido social.

O interesse de prevenção busca evitar novos crimes, seja pelos demais membros da sociedade ou pelo próprio apenado:

  • Prevenção geral: a pena serve como um desestímulo à sociedade como um todo, desencentivando o crime a todos.
  • Prevenção específica: a pena serve como um desestímulo ao apenado, buscando convencê-lo a não retornar ao crime.

Por fim, o interesse ressocializador ou reeducador vê na pena um mecanismo de melhoria do sujeito, buscando reeducá-lo para uma sadia convivência social.

De qualquer forma, é indiscutível que a própria pena não é mais concebida como simples retribuição, mas como útil instrumento de defesa social contra determinados delinquentes, e que vai diminuindo, cada vez mais, sua importancia e sua esfera de ação.

Daí o crescente prestígio e a generalizada difusão das medidas preventivas e das medidas de segurança.

lyra, 1958, p. 49.

Referências

LYRA, Roberto. Comentários ao código penal. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1958.

Art. 31 – Impunibilidade dos atos e ajustes preparatórios

Casos de impunibilidade
Art. 31 – O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

Como regra, a punibilidade do agente depende do início dos atos executivos, não sendo puníveis as fases internas (cogitação) e preparatórias do delito.

Igualmente, as condutas acessórias no concurso de pessoas são impuníveis, caso o autor não inicia a execução do fato típico.

Não bastam manifestações da vontade criminosa por palavras ou atos: é necessária uma atividade que efetivamente acarrete, no mínimo, um eventus periculi, um começo de execução do crime projetado. Somente em casos excepcionais, dado o grave perigo que em si mesmos representam, se incriminam ou punem os atos meramente preparatórios ou os entendimentos ou articulações preliminares (ex.: associação para delinquir in genere, incitação pública de crime, conspiração etc.).

hungria; fragoso, 1978, p. 438.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Art. 30 – Circunstâncias incomunicáveis

Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

No concurso de pessoas, em regra as circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam. Isso quer dizer que peculiaridades de um agente que agravam ou atenuam a sua pena no crime, em regra, não o fazem em face do consorte.

Tome por exemplo algumas das circunstâncias dos arts. 61 e 65, do Código Penal: o cometimento de crime com embriaguez preordenada, contra ascendente, com abuso de autoridade, por menor de 21 anos.

A exceção à regra se verifica nas hipóteses onde essas circunstâncias compõem elementares do tipo criminoso, ou seja, integram a descrição típica do fato criminoso.

Pense no peculato (que possui como elementar a prática de uma conduta por um funcionário público). Se o partícipe que não é funcionário público (extraneus) atua com um para consumar o peculato, responderá pelo crime mesmo não ostentando a qualidade subjetiva prevista no tipo penal.

Atenção deve ser dada, por fim, aos delitos personalíssimos, que, usualmente, importam na exceção da regra monista e determina-se a punição das partes por tipos diversos. É o que acontece, por exemplo, na cooperação para o infanticídio. Observe:

Importam elas [condições personalíssimas] um privilegium em favor da pessoa a que concernem. São conceitualmente inextensíveis e impedem, quando haja cooperação com o beneficiário, a unidade do título do crime. Assim, a “influência do estado puerperal” no “infanticídio” e a causa honoris do crime do art. 134: embora elementares, não se comunicam aos cooperadores, que responderão pelo tipo comum do crime (isto é, sem o privilegium).

hungria; fragoso, 1978, p. 437-438.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Art. 29 – O concurso de pessoas

Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º – Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

No que diz respeito ao concurso de pessoas ou concurso subjetivo no crime, o Código afirma que os agentes incidem nas penas cominadas à conduta típica, na medida de sua culpabilidade.

O concurso subjetivo nada mais é do que a cooperação para a realização do delito, a confluência de vontades e o liame subjetivo para atingir um resultado criminoso. Essa ligação psicológica pode surgir previamente ou no curso da execução, contanto que cada conduta envolvida tenha alguma relevância para o resultado final.

O concurso de pessoas pode ser eventual (para aqueles crimes que não necessitam de uma pluralidade de agentes) ou necessário (quando o tipo penal necessita dessa pluralidade – crimes plurissubjetivos).

Observe que é possível o concurso para crime culposo, bastando que, na conduta inicial, os agentes atuem em cooperação, alcançando culposamente um resultado ilícito previsível.

Igualmente, pode-se cogitar o concurso em crime omissivo, bastando que os agentes, ligados por um liame subjetivo, se omitam diante de um dever legal.

A teoria que prevalece como regra é a unitária (monística ou monista): só há um delito para todos, mesmo que existam múltiplos agentes. Nas penas desse delito cada um responderá de acordo com sua participação. Inclusive, se a participação for de menor importância, prevê o Código uma causa de diminuição de um sexto a um terço (1/6 a 1/3).

Como se percebe, a teoria unitária reconhece a existência de um só crime, sendo seus responsáveis apenados na medida de suas culpabilidades. Nesse contexto, a doutrina já aponta para as figuras dos sujeitos principais (autor, coautor e autor mediato) e dos sujeitos secundários (partícipes) (BITENCOURT, 2018).

A doutrina aponta que a adoção da teoria monista decorre da escolha, no âmbito da causalidade, pela teoria da equivalência dos antecedentes, pois todos que contribuem volitivamente para o resultado, respondem pelo mesmo.

As noções de autor e partícipe são alvos de ricos debates doutrinários, mas prevalecem na praxe e na academia a adoção de certos parâmetros para definir quem é autor e quem é partícipe no crime.

Autor é aquele que pratica diretamente a conduta prevista no tipo penal (teoria objetivo-formal) ou que, de forma mediata, se vale de um terceiro como instrumento para realizar o crime (autoria mediata) ou que, por capacidade decisória, tem controle e domínio sobre a realização do crime (teoria do domínio do fato). A coautoria seria a pluridade de pessoas agindo no papel de autor.

Sobre a teoria do domínio do fato, atribuída a Claus Roxin, Bitencourt (2018) explica que a mesma se apresenta como uma teoria objetiva-subjetiva, pois destaca as necessidades do controle pessoal e final sobre o resultado pelo agente mediato (aspecto subjetivo), bem como o domínio decisório sobre o fato (aspecto objetivo).

A autoria mediata tem como situações típicas o uso de inimputáveis, de pessoas em erro ou de pessoas coagidas moralmente (coação moral irresistível) como instrumentos para realização de um crime.

Diferentemente, o partícipe seria o colaborador que, mesmo praticando atos relevantes para se alcançar o resultado, não se enquadra nas hipóteses mencionadas. Possui, portanto, um papel secundário e acessório no crime.

De forma geral, o partícipe ou instiga a realização do delito, estimulando moralmente a vontade criminosa do autor, ou é cúmplice, participando e auxiliando materialmente a prática criminosa.

Relembra a doutrina que, no que diz respeito à participação, adota o Código Penal a teoria da acessoriedade limitada, segundo a qual a participação é acessória da conduta principal e será criminosa contanto que a conduta do autor seja típica e ilícita (não precisando ser culpável).

Por exemplo, o indivíduo que instiga ato infracional cometido por inimputável responderá pela conduta típica criminosa (na ausência de uma autoria mediata), e não como partícipe de ato infracional.

O concurso de agentes não se confunde com a autoria colateral, na qual múltiplos agentes, sem combinação ou colaboração, agem sozinhos contra a mesma vítima, procurando o mesmo resultado, sem que uns tenham conhecimento da pretensão criminosa dos outros.

§ 2º – Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

A hipótese do segundo parágrafo trata da cooperação dolosamente distinta. Neste caso, há uma ruptura na unidade criminosa. Um agente quer praticar um crime, e outro, crime diverso, mais grave.

Como resultado, aquele que queria praticar crime menos grave responderá pelas penas deste, salvo se o resultado mais grave for previsível.

Imagine um caso envolvendo lesão e homicídio. Dois sujeitos encontram um desafeto comum e começam a agredi-lo. O primeiro quer lesionar a vítima, enquanto o segundo quer matá-la. O primeiro desfere alguns ataques e cessa a ação, mas o segundo continua até consumar o homicídio. Dependendo da previsibilidade do resultado mais grave (por exemplo, o primeiro agente viu que o segundo sacou um revólver ao ver a vítima, ou havia mencionado que a queria morta), o agente responderá pelo crime menos grave com ou sem a causa de aumento.

Se sobre esse resultado mais grave, entretanto, existir um dolo eventual, aperfeiçoar-se-á o liame subjetivo em prol do resultado final.

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2018.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Art. 28 – Emoção, paixão e embriaguez

Emoção e paixão
Art. 28 – Não excluem a imputabilidade penal:
I – a emoção ou a paixão;


Embriaguez
II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
§ 1º – É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

§ 2º – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Ainda tratando da imputabilidade penal, neste artigo o Código apresenta o tratamento do crime cometido sob estado de emoção, paixão ou embriaguez. A definição destes estados é importante.

Emoção e paixão são estados psicológicos relacionados com a intensificação dos sentimentos de um indivíduo. Para autores como Hungria (1978), pode-se afirmar que a emoção é uma descarga sentimental repentina, enquanto a paixão corresponderia a um estado sentimental crônico e prolongado.

Pode dizer-se que a paixão é a emoção que protrai no tempo, incubando-se, introvertendo-se, criando um estado contínuo e duradouro de perturbação afetiva em torno de uma ideia fixa, de um pensamento obsidente. A emoção dá e passa; a paixão permanece, alimentando-se de si própria.

hungria; fragoso, 1978, p. 369.

De qualquer forma, nenhum destes dois estados permite a isenção de responsabilidade penal. De fato, quando muito, a violenta emoção decorrente de provocação injusta da vítima pode justificar a atenuação da pena:

Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena: 
III – ter o agente:
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

código penal

A embriaguez, a seu turno, é o estado de torpência causado por álcool ou outra substância de efeitos análogos (opióides, cocaína, barbitúricos etc.). Ela pode ser completa (o indivíduo perde completamente a noção e controle psicomotor, tornando-se inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento) ou parcial (o indivíduo bêbado ainda mantém certa consciência e controle dos seus atos, mas tem apenas parcial capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento).

Quando voluntária (o indivíduo deliberadamente queria ficar embrigado) ou culposa (o indivíduo engana-se sobre sua resistência diante da susbtância), a embriaguez que precede o delito não exclui a responsabilidade penal, independentemente de ser completa ou parcial. Nestes casos, entende-se que ação nasceu livre, mesmo que, quando da sua execução, o indivíduo não tinha mais controle sobre suas condições psicomotoras.

É a aplicação da máxima actio libera in causa (ação livre na causa, na origem).

Então imagine que o indivíduo, para tomar “coragem”, embebeda-se antes de enfrentar o desafeto (a chamada embriaguez preordenada), vindo a lesionar este. Responderá como se não houvesse se embriagado.

Na hipótese de a embriaguez decorrer de caso fortuito ou força maior (assim como outras situações involuntárias), é necessário aferir se o grau daquela. Se completa, é excluída a imputabilidade, a culpabilidade e, consequentemente, o próprio crime. Se parcial, a pena será reduzida de um a dois terços (1/3 a 2/3).

Lembre do exemplo clássico do indivíduo que está passeando em uma cervejaria e fortuitamente cai dentro do barril cheio de cerveja, saindo de lá completamente alterado e vindo a cometer um crime.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Lugar do crime e ubiquidade

No que diz respeito ao lugar do crime, o código adotou a teoria da ubiquidade, também denominada teoria mista ou teoria da unidade.

Lugar do crime

Art. 6º – Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

A preocupação ínsita ao lugar do crime diz respeito à jurisdição penal sob enfoque internacional: qual país pode processar o delito? De fato, diversos delitos apresentam toques transnacionais, se prolongam por várias fronteiras ou simplesmente tem resultado final em outro país.

Pela teoria da ubiquidade, portanto, o lugar do crime é simultaneamente aqueles onde se desenvolveram as atividades parcial ou totalmente e aquele em que se verificou ou deveria se verificar o resultado. Normalmente isso implica a possibilidade de mais de um país poder processar o delito.

Sobre o assunto, a doutrina menciona a importância da teoria da ubiquidade para o processamento dos crimes à distância:

Nos denominados crimes a distância é que apresenta relevância jurídica a adoção da teoria da ubiquidade.
Os crimes podem ser de espaço mínimo ou de espaço máximo, segundo se realizem ou não no mesmo lugar os atos executórios e o resultado. Na hipótese negativa, fala-se em crimes a distância. Assim, um crime executado na Argentina e consumado no Brasil. Sendo o crime um todo indivisível, basta que uma de suas características se tenha realizado em território nacional para a solução do problema dos crimes a distância.

jesus, 2014, e-book (cap. viii, item 3)

Por outro lado, se a controvérsia sobre o local do crime estiver contida dentro da jurisdição brasileira, o conflito se resolve com base nas regras internas, notadamente o art. 70, do Código de Processo Penal.

Art. 70.  A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 1o  Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§ 2o  Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
§ 3o  Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

código de processo penal

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal . v. 1. São Paulo: Saraiva, 2014.

Tempo do crime e teoria da atividade

O tempo do crime é aquele em que a conduta é praticada, podendo esta ser comissiva (ação) ou omissiva, mesmo que seu resultado ocorra posteriormente.

Tempo do crime
Art. 4º – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

código penal

Diz-se, portanto, que o código adota a teoria da atividade.

A especial importância deste dispositivo reside na definição da lei aplicável, tendo em vista que, como o resultado pode advir posteriormente, também pode estar vigente outra lei neste momento. Um exemplo clássico envolve o homicídio: o disparo é efetuado em dado momento, mas o óbito ocorre depois de anos de internação. Se nesse intervalo surgir lei mais rigorosa, esta não alcança o atirador.

Isso, entretanto, nem sempre ocorre. Nos crimes permanentes (aquele cuja atividade criminosa se protrai no tempo) ou continuados (aqueles em que, por ficção, diversas ações criminosas semelhantes são consideradas uma unidade delitiva), por exemplo, o advento de lei mais rigorosa alcança o criminoso. É o que se encontra consolidado na jurisprudência:

A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SÚMULA Nº 711

Erro de tipo: caracterização e espécies

O erro sobre elementos do tipo é previsto no Código Penal:

Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Erro determinado por terceiro
§ 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
Erro sobre a pessoa
§ 3º – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

Código penal

O erro de tipo é o equívoco sobre os elementos que compõem a conduta típica. É a errônea representação do mundo dos fatos, situação que faz com que o elemento subjetivo do agente não se alinhe à realidade efetivamente vivenciada. Essa ruptura ocorre entre o psicológico do agente (que o faz atuar com base em um cenário inexistente) e o a realidade.

É possível destrinchar essas ideias básicas para melhor compreensão através de um exemplo.

Imagine o crime de violação de correspondência: “
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:”

A sua tipificação depende da compreensão de certos elementos típicos: a) a devassa; b) a correspondência; c) a condição de estar fechada; e d) o fato de estar dirigida a outrem.

O agente pode se equivocar sobre todos esses elementos, excluindo o dolo necessário à punição pelo crime.

Por exemplo, ele pode pensar que a correspondência é para ele. Talvez ele pode pensar que a correspondência já estava aberta, ou que não se tratava de correspondência, mas de algum panfleto publicitário.

No final das contas, ele representou equivocadamente a realidade, errando sobre elementos do tipo.

Como esse crime não permite modalidade culposa, não há crime, pois não há dolo e, consequentemente, não há tipicidade.

Exemplos: o professor de anatomia golpeia mortalmente o corpo humano vivo, trazido ao anfiteatro, supondo tratar-se de um cadáver (não é punível por homicídio doloso e, se invencível o erro, nem mesmo por homicídio culposo); o visitante leva consigo, ao retirar-se, confundindo-o com o seu, o chapéu de sol do dono da casa (não é punível a título de furto); […]

hungria; fragoso, 19778, p. 226-227.

A ideia por trás de toda modalidade de erro de tipo é, portanto, a equivocada representação do mundo fático. Inclusive, esta é a razão pela qual ele era denominado erro de fato originalmente no Código, mas a melhor técnica fez prevalecer a alcunha atual.

Em qualquer hipótese, é importante frisar que o erro pode ser escusável (perdoável, inevitável, invencível) ou inescusável (imperdoável, evitável, vencível). A depender da modalidade de erro, as consequências jurídicas serão diversas.

O erro de tipo, por exemplo, pode ser essencial ou acidental.

No essencial, sempre há a exclusão do dolo, mas se ele for inescusável, é possível a imputação do correspondente tipo culposo. A essencialidade, no caso, diz respeito aos elementos básicos que tornam a conduta criminosa em si. O agente não sabe que está prestes a cometer um ato típico. Explica Cunha (2016) que, nesses casos, o agente para de agir criminosamente se avisado do erro.

O erro de tipo tem por efeito excluir sempre o dolo, embora possa subsistir a punibilidade a título de culpa, se o erro é inescusável.

HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 567.

O erro de tipo acidental recai sobre elementos periféricos do crime que se pretende praticar. O intuito do agente é, de fato, criminoso, mas ele erra sobre detalhes do delito que quer cometer. Mesmo que avisado sobre o erro, ele continuaria com a conduta criminosa, apenas retificando o equívoco periférico. Algumas modalidades de erro de tipo acidental serão estudadas oportunamente.

Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O erro também pode incidir sobre a existência fática de uma causa de exclusão de ilicitude. Ou seja, o agente imagina que está em uma situação em que pode agir albergado por uma causa excludente de antijuridicidade (ou seja, uma causa descriminante, que torna sua conduta lícita e, portanto, não criminosa). Ocorre que essa situação descriminante é imaginária (putativa).

O sujeito imagina estar vivenciando situação de estado de necessidade, ou que está sofrendo uma agressão injusta, permitindo sua legítima defesa etc., entretanto, tais causas de exclusão de ilicitude são imaginárias no contexto fático vivido.

O termo putativo significa imaginário, hipotético, decorrente de suposição.

1. Supostamente verdadeiro, sem o ser. (Michaelis)

Exemplos: um indivíduo, por errônea apreciação de circunstâncias de fato, julga-se na iminência de ser injustamente agredido por outro, e contra este exerce violência (legítima defesa putativa). ao falso alarma de incêndio numa casa de diversões, os espectadores, tomados de pânico, disputam-se a retirada, e alguns deles, para se garantirem caminho, empregam violência, sacrificando outros (estado de necessidade putativo); a sentinela avançada mata com um tiro de fuzil, supondo tratar-se de um inimigo, o companheiro d’armas que, feito prisioneiro, consegue fugir e vem de retorno ao acampamento (putativo cumprimento do dever legal); o adquirente de um prédio rural, enganado sobre a respectiva linha de limite, corta ramos da árvore frutífera do prédio vizinho, supondo erroneamente que avançam sobre sua proprieade, além do plano vertical divisório (putativo exercício regular de direito).

hungria; fragoso, 1978, p. 229.

As descriminantes putativas, como espécies do erro de tipo, usualmente denominadas erro de tipo permissivo (pois tratam de equívoco sobre a existência de uma situação que, se existisse, permitiria a conduta), seguem a mesma lógica do erro de tipo essencial anteriormente exposta: sempre excluem o dolo e, se decorrerem de erro vencível, permitem a imputação por culpa.

Cogitemos um exemplo:

O indivíduo A é ameaçado de morte por B. Dias depois, vê o desafeto vindo em sua direção com uma arma. Antes de qualquer interação, A atira preventivamente em B, pensando que este está na iminência de injustamente matá-lo, quando, na verdade, B portava um guarda-chuva e iria apenas desculpar-se pelo evento anterior.

Diante da ameaça prévia, pode-se supor que o erro era invencível, não respondendo A pelo homicídio.

Agora imagine que B apenas havia xingado A por uma disputa futebolística. Se A vem a matar B nas condições já explicadas, claramente estará caindo em um erro facilmente vencível, pois as circunstâncias não fariam supor a iminência de uma iminente agressão.

Erro determinado por terceiro
§ 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.

Em algumas circunstâncias, o erro pode ter sido determinado por conduta de terceiro. Nessas situações, o agente em si muitas vezes atua como mero instrumento do delito maquinado por terceiro, sendo também possível que o terceiro tenha agido com culpa.

Nesses casos, seguimos a regra do erros de tipo essencial: exclui-se o dolo do agente, que poderá responder por culpa se tiver agido com credulidade culpável. O terceiro responderá por dolo ou por culpa, a depender do seu elemento subjetivo.

Um exemplo: se C, querendo matar B, diz para A jogar no triturador industrial um pesado saco de lixo (onde B está, inconsciente), responderá C pelo homicídio de B, não respondendo A pelo evento.

Se o saco estivesse se mexendo e gemendo, por outro lado, esperaria-se de A uma natural desconfiança e prudência. Ao proceder com a conduta sem tomar esse cuidado, age de forma negligente, podendo ser condenado por crime culposo.

Erro sobre a pessoa
§ 3º – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

Outro erro estuado nesse artigo é o erro sobre a pessoa (error in persona), que compreende o equívoco sobre a vítima pretendida pelo autor do crime. A doutrina classifica essa hipótese como um erro de tipo acidental, pois incide sobre aspectos secundários da conduta, persistindo um intuito criminoso mesmo se o agente não estivesse equivocado sobre a realidade (CUNHA, 2016).

O agente pensa que comete o crime contra um indivíduo A quando, na realidade, acaba por cometê-lo em face de B. Nesse caso, irá responder pelo delito como se houvesse praticado-o contra A, seu alvo inicial. Isso impõe a aplicação das circunstâncias agravantes e qualificadoras que correspondem à qualidade da vítima (ex: feminicídio, patricídio etc.).

Referências

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPODIVM, 2016.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Descriminantes putativas ou erro de tipo permissivo

Sobre o erro, informa o Código Penal:

Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O erro de tipo é o equívoco sobre os elementos que compõem a conduta típica.

É a errônea representação do mundo dos fatos, situação que faz com que o elemento subjetivo do agente não se alinhe à realidade efetivamente vivenciada. Essa ruptura ocorre entre o psicológico do agente (que o faz atuar com base em um cenário inexistente) e a realidade.

Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O erro também pode incidir sobre a existência fática de uma causa de exclusão de ilicitude. Ou seja, o agente imagina que está em uma situação em que pode agir albergado por uma causa excludente de antijuridicidade (ou seja, uma causa descriminante, que torna sua conduta lícita e, portanto, não criminosa). Ocorre que essa situação descriminante é imaginária (putativa).

O sujeito imagina estar vivenciando situação de estado de necessidade, ou que está sofrendo uma agressão injusta, permitindo sua legítima defesa etc., entretanto, tais causas de exclusão de ilicitude são imaginárias no contexto fático vivido.

O termo putativo significa imaginário, hipotético, decorrente de suposição.

1. Supostamente verdadeiro, sem o ser. (Michaelis)

Exemplos: um indivíduo, por errônea apreciação de circunstâncias de fato, julga-se na iminência de ser injustamente agredido por outro, e contra este exerce violência (legítima defesa putativa). ao falso alarma de incêndio numa casa de diversões, os espectadores, tomados de pânico, disputam-se a retirada, e alguns deles, para se garantirem caminho, empregam violência, sacrificando outros (estado de necessidade putativo); a sentinela avançada mata com um tiro de fuzil, supondo tratar-se de um inimigo, o companheiro d’armas que, feito prisioneiro, consegue fugir e vem de retorno ao acampamento (putativo cumprimento do dever legal); o adquirente de um prédio rural, enganado sobre a respectiva linha de limite, corta ramos da árvore frutífera do prédio vizinho, supondo erroneamente que avançam sobre sua proprieade, além do plano vertical divisório (putativo exercício regular de direito).

hungria; fragoso, 1978, p. 229.

As descriminantes putativas, como espécies do erro de tipo, usualmente denominadas erro de tipo permissivo (pois tratam de equívoco sobre a existência de uma situação que, se existisse, permitiria a conduta), seguem a mesma lógica do erro de tipo essencial anteriormente exposta: sempre excluem o dolo e, se decorrerem de erro vencível, permitem a imputação por culpa.

Cogitemos um exemplo:

O indivíduo A é ameaçado de morte por B. Dias depois, vê o desafeto vindo em sua direção com uma arma. Antes de qualquer interação, A atira preventivamente em B, pensando que este está na iminência de injustamente matá-lo, quando, na verdade, B portava um guarda-chuva e iria apenas desculpar-se pelo evento anterior.

Diante da ameaça prévia, pode-se supor que o erro era invencível, não respondendo A pelo homicídio.

Agora imagine que B apenas havia xingado A por uma disputa futebolística. Se A vem a matar B nas condições já explicadas, claramente estará caindo em um erro facilmente vencível, pois as circunstâncias não fariam supor a iminência de uma iminente agressão.

Referências

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPODIVM, 2016.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Maioridade penal e imputabilidade

Aduz o art. 27, do Código Penal:

Menores de dezoito anos
Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Um critério normativo para a definição da inimputabilidade é o critério etário, de índole objetivamente biológica. Não se perquire concretamente a capacidade do indivíduo compreender o caráter ilícito do fato ou de sua capacidade de se posicionar diante desse entendimento (ou seja, não é um critério psicológico).

A escolha da idade de 18 anos decorre de política criminal e, inclusive, foi reiterada na Constituição de 1988:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Constituição federal de 1988

Ao invés de assinalar o adolescente transviado com o ferrete de uma condenação penal, que arruinará, talvez irremediavelmente sua existência inteira, é preferível, sem dúvida, tentar corrigi-lo por métodos pedagógicos, prevenindo sua recaída no malefício.

hungria; fragoso, 1978, p. 359.

Portanto, a denominada imaturidade, observada objetivamente pelo critério etário, é causa de inimputabilidade, inexistindo culpabilidade ou crime. O ato típico e ilícito praticado por crianças e adolescentes é denominado de ato infracional e é apreciado por um outro subsistema legal:

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

Estatuto da Criança e do Adolescente (LEI Nº 8.069/90)

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

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