Index Jurídico

Ciências jurídicas e temas correlatos

Áreas de preservação permanente

A definição de uma área de preservação permanente (APP) é fornecida pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/12):

Lei nº 12.651/12
Art. 3º, II – Área de Preservação Permanente – área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

 

Biomas protegidos

As APP encontram-se em áreas urbanas ou rurais e se verificam nas hipóteses previstas na legislação, como faixas marginais de cursos de água natural perene ou intermitente, áreas ao entorno de lagos de certa circunferências, encostas íngremes, manguezais ou restingas:

Lei nº 12.651/12
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

 

As faixas a que se refere o art. 4º, I, são as chamadas matas ciliares. A proteção só decorre de rios d’água perenes (escoamento constante) ou intermitentes (ocorrem em períodos do ano), não existindo para efêmeros (cursos ocasionais).

 

II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

III – as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;

 

No caso de barreamento ou represamento, a APP é necessária, mas se o reservatório não decorrer de tais intervenções, não será exigida a APP (art. 4º, §1º).

 

IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;

VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

 

Restingas são estas áreas arenosas que acompanham a costa e podem vir a ter cobertura vegetal:

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VII – os manguezais, em toda a sua extensão;

 

A inserção dos manguezais como APPs é um acréscimo em relação ao Código Florestal anterior, sendo uma faixa litorânea lodosa influenciada pelo movimento constante das marés:

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VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;

XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.

A proteção legal das veredas como APPs também é adição do novo Código. Trata-se de um bioma semelhante às savanas.

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Regime legal

Como se percebe, tais áreas de proteção podem emergir em espaços urbanos ou rurais, públicos ou privados, de forma que a proteção legal é endereçada independentemente de tais circunstâncias. Diz o Código que tal área deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

Não é demais relembrar que a lei atribui natureza real a tais obrigações, de forma que é a própria existência do bem que define tais obrigações, independentemente da qualidade do titular:

Lei nº 12.651/12
Art. 2º, § 2º As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.

 

Isso impõe, por exemplo, o dever de recompor a vegetação em caso de supressão. Tal obrigação é repassada ao sucessor independentemente de culpa.

A lei permite, entretanto, que ocorra intervenção ou supressão decorrente de usos autorizados, que podem ocorrer em virtude de situações de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental.

Outra hipótese mais específica, relacionada com manguezais e regularização fundiária é fornecida pelo art. 7º, §2°:

Lei nº 12.651/12
Art. 7º, §2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4o poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.

 

Situações de urgência, de atividades de segurança nacional ou obras de defesa civil para prevenção de acidentes também dispensam a autorização do órgão ambiental.

O acesso para obtenção de água e realização de atividades de baixo impacto ambiental também é permitido sem maiores formalidades.

O Poder Público, ademais, poderá instituir outras áreas de preservação permanente, quando houver declaração de interesse por ato do Chefe do Executivo (art. 6º), desde que destinadas às seguintes finalidades:

Lei nº 12.651/12
Art. 6º […]
I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;
II – proteger as restingas ou veredas;
III – proteger várzeas;
IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;
V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;
VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
VII – assegurar condições de bem-estar público;
VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares.
IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

 

Zoneamento ambiental

O zoneamento ambiental (ou Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil – ZEE) é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente e se revela como uma forma de intervenção estatal sobre o uso da terra, delimitando espaços de uso em adequação com as necessidades de proteção do meio ambiente, de acordo com um planejamento ambiental. A previsão legal da medida se encontra no art. 9º, III, da Lei 6.938/1981, e é regulamentada pelo Decreto nº 4.297/02.

Obs: não se deve confundir tal matéria com o zoneamento industrial, definido pela Lei nº 6.803/80, ou com o zoneamento urbano realizado no Plano Diretor dos Municípios, mesmo que a ideia de zoneamento permaneça a mesma, a de dar uma destinação adequada para certo espaço físico.

 

O ZEE organiza o território e deve ser seguido quando da implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas. Outrossim, o instrumento estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população. O Zoneamento busca organizar a atuação de agentes públicos, definidores de políticas públicas, e privados, exercentes de atividades econômicas.

Decreto 4.297/02
Art. 11. O ZEE dividirá o território em zonas, de acordo com as necessidades de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável.
Parágrafo único. A instituição de zonas orientar-se-á pelos princípios da utilidade e da simplicidade, de modo a facilitar a implementação de seus limites e restrições pelo Poder Público, bem como sua compreensão pelos cidadãos.

 

Vale frisar que o zoneamento pode ter amplitude nacional, regional ou local, evidenciando ser de competência comum dos entes federativos a adoção dos atos materiais relativas à tarefa, apesar de inexistir previsão legal acerca da realização de tais atos pelos Municípios.

Note-se que se trata de competência administrativa comum entre as entidades políticas, de modo que caberá aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios elaborar zoneamentos que atendam as suas peculiaridades regionais e locais, respectivamente, observados os parâmetros do ZEE federal, que não poderá adentrar em detalhes de forma a retirar a competência material das demais entidades políticas, salvo se promovido de maneira conjunta. (AMADO, 2014, e-book).

 

Em âmbito federal, define a legislação que cabe à União a elaboração e execução dos ZEEs de âmbito nacional e regional, tendo como objeto os biomas brasileiros e projetos prioritários da política ambiental. Neste âmbito, compete à Comissão Coordenadora do ZEE avaliar e aprovar os respectivos projetos.

Também se permite a articulação e cooperação com os Estados-membros.

Um dos pontos nodais dos ZEEs é a conjunção de esforços para o enriquecimento das informações sobre tais áreas de interesse ecológico, com a acumulação de dados a partir da contribuição de várias esferas da Administração Pública. Tais informações também servem para a informação e conscientização da população, divulgando o conhecimento adquirido em termos acessíveis.

Decreto 4.297/02
Art. 15. Os produtos resultantes do ZEE deverão ser armazenados em formato eletrônico, constituindo banco de dados geográficos.
Parágrafo único. A utilização dos produtos do ZEE obedecerá aos critérios de uso da propriedade intelectual dos dados e das informações, devendo ser disponibilizados para o público em geral, ressalvados os de interesse estratégico para o País e os indispensáveis à segurança e integridade do território nacional.
Art. 17. O Poder Público divulgará junto à sociedade, em linguagem e formato acessíveis, o conteúdo do ZEE e de sua implementação, inclusive na forma de ilustrações e textos explicativos, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 15, in fine.

 

Por fim, é importante evidenciar o prazo para modificações do ZEE, que é de dez anos após a conclusão do referido zoneamento. Em atenção à típica principiologia do Direito Ambiental, as modificações tendentes a incrementar ou aumentar o ZEE não se sujeitam a tal prazo, assim como as mudanças decorrentes de meras atualizações técnico-científicas.

Tais alterações, explicita o referido decreto, hão de se sujeitar ao procedimento legislativo (com iniciativa do Executivo), então não podem decorrer de meros atos infralegais, e também devem passar por consulta pública e aprovação pelas comissões responsáveis.

Decreto 4.297/02
Art. 19. A alteração dos produtos do ZEE, bem como mudanças nos limites das zonas e indicação de novas diretrizes gerais e específicas, poderão ser realizadas após decorridos prazo mínimo de dez anos de conclusão do ZEE, ou de sua última modificação, prazo este não exigível na hipótese de ampliação do rigor da proteção ambiental da zona a ser alterada, ou de atualizações decorrentes de aprimoramento técnico-científico.
§1º Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo, as alterações somente poderão ocorrer após consulta pública e aprovação pela comissão estadual do ZEE e pela Comissão Coordenadora do ZEE, mediante processo legislativo de iniciativa do Poder Executivo.

 

Referências

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

Questões

(FCC – TJPE – Juiz Substituto – 2015): José é proprietário da Fazenda Santa Rita, cuja principal atividade econômica é a piscicultura. O Estado no qual a fazenda está inserida possui Zoneamento Ambiental, anterior ao início da citada atividade, que disciplina a atividade de forma diversa da praticada na Fazenda Santa Rita. A atividade

a) pode continuar a ser desenvolvida, uma vez que a competência para o Zoneamento Ambiental é exclusiva da União.
b) deve ser suspensa até que haja a ratificação do Zoneamento Ambiental Estadual pelo Município.
c) pode continuar a ser desenvolvida, uma vez que o Zoneamento Ambiental não é norma cogente.
d) deve ser adequada às normas do Zoneamento Ambiental, sob pena de paralisação da atividade.
e) pode continuar a ser desenvolvida, uma vez que a competência para o Zoneamento Ambiental é exclusiva do Município

 

(CESPE – Ministério Meio Ambiente – Analista Ambiental – 2011) Entre os pressupostos institucionais que devem ser apresentados pelos executores do ZEE incluem-se a base de informações compartilhadas entre os diversos órgãos da administração pública e o compromisso de encaminhamento periódico dos resultados e dos produtos gerados à comissão coordenadora do ZEE.

Certo
Errado

Taxas e preços públicos: principais diferenças

A taxa é um típico tributo, possuindo consequentemente as características típicas das demais espécies tributárias como impostos e contribuições. Entre essas características, destaca-se a compulsoriedade, ou obrigatoriedade, ou seja, o seu pagamento é obrigatório e deriva da relação vertical mantida entre os entes tributantes e os contribuintes, dentro de um contexto de direito público. Não há qualquer manifestação de vontade por parte do contribuinte, de forma que, caso seja aperfeiçoado o fato gerador da taxa, o respectivo pagamento passa a ser devido.

CTN: Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.

 

Dentro de um regime público, as taxas se submetem às típicas limitações ao poder tributante:

Assim, por exemplo, como as custas judiciais são tributos, não é possível a qualquer Tribunal fixá-las por Resolução ou outro ato próprio, sendo necessária a edição de lei em sentido estrito estipulando o valor. Além disso, a cobrança dos valores majorados só pode ser feita a partir do exercício subsequente (anterioridade) e se decorridos ao menos noventa dias da publicação da nova lei (noventena). (ALEXANDRE, 2017. p. 75).

 

Como se percebe, a taxa tem como pano de fundo certas prestações pelo poder público: a realização de um serviço público específico e divisível ou o exercício do poder de polícia. No primeiro caso (prestação de um serviço público divisível), também pode-se falar em remuneração por meio de preço público.

O preço público (ou tarifa) se insere dentro do regime privado negocial, onde há voluntariedade contratual. Nesse contexto, é comum que a cobrança seja feita inclusive por pessoas jurídicas de direito privado. Assim como as taxas de serviço, aqui também se vislumbra uma contraprestação da atividade de índole pública, mas é necessário apontar que, enquanto as taxas impõem o pagamento inclusive por serviços potencialmente prestáveis, os preços públicos necessitam de efetiva prestação.

Esse pagamento, entretanto, implica em receitas de natureza diversa, tendo em vista a submissão de preços públicos e taxas a regimes jurídicos distintos (privado e público, respectivamente):

Como receita decorrente de uma exação cobrada em regime de direito público, o produto da arrecadação da taxa é receita derivada; enquanto que a receita oriunda de preço público é originária, decorrendo da exploração do patrimônio do próprio Estado. (ALEXANDRE, 2017, p. 74).

Não possuindo natureza tributária, o preço público não é compulsório, mas também não se sujeita às típicas limitações impostas à tributação em geral, como a submissão às regras de anterioridade e legalidade.

Enquanto os tributos têm como fonte exclusiva a lei e se caracterizam pela compulsoriedade, os preços públicos constituem receita originária decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço numa relação de cunho negocial em que está presente a voluntariedade (não há obrigatoriedade do consumo). A obrigação de prestar, em se tratando de preço público, decorre da vontade do contratante de lançar mão do bem ou serviço oferecido. Por isso, a fixação do preço público independe de lei; não sendo tributo, não está sujeito às limitações do poder de tributar. (PAULSEN, 2017, e-book).

 

O preço público pode derivar de uma delegação de um serviço público, onde o Estado delega o exercício de certas prestações públicas não essenciais a particulares, como o fornecimento de energia ou gás, e estes prestadores são remunerados pelo respectivo preço público.

 

Referências

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. Salvador: JusPodivm, 2017.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2017.

 

Questões

(Câmara Municipal do Rio de Janeiro – Analista Legislativo – 2014) Entre as classificações mais utilizadas das receitas, está a que contrapõe as receitas originárias às derivadas. Nesse sentido, caracterizam-se como receitas originárias:

a) as multas
b) os impostos
c) os preços públicos
d) as taxas

 

(CESPE – BACEN – Procurador – 2014) Assinale a opção correta em relação a taxas e preços públicos:

a) As taxas, diferentemente dos preços públicos, são compulsórias e condicionam-se ao princípio da anterioridade.
b) O valor que remunera a contraprestação de um serviço público essencial de forma compulsória é tratado como preço público.
c) As taxas podem ser instituídas por normas administrativas, ao passo que os preços devem ser fixados por lei.
d) Os preços públicos são considerados receitas derivadas, havendo, portanto, discricionariedade em seu pagamento.
e) As taxas remuneram serviços públicos e, portanto, são consideradas receitas originárias.

STF – Informativo nº 892 comentado

Plenário
Código Florestal e constitucionalidade – 3
Transgêneros e direito a alteração no registro civil
Correção monetária e planos econômicos – 3
Repercussão Geral
Causa de inelegibilidade e trânsito em julgado – 4
1ª Turma
Prazo decadencial e direito de representação – 2
2ª Turma
Recurso extraordinário e acordão proferido em processo administrativo
Decisão judicial transitada em julgado e “habeas corpus”

Plenário

Código Florestal e constitucionalidade – 3

Trata-se do julgamento da constitucionalidade de diversos dispositivos do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), motivada pelo ajuizamento de múltiplas ações diretas de inconstitucionalidade.

O parâmetro geral que orientou o julgamento foi o art. 225, da Constituição, que nos apresenta o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem jurídico de índole difusa que deve ser protegido para as presentes e futuras gerações.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Ressaltou a Corte o caráter dúplice do dispositivo, o qual define como direito o meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas que também impõe o dever de defendê-lo também à coletividade.

Entretanto, o direito em questão, em um contexto amplo e sistemático, há de se conciliar com “outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores, como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos etc.”, no dizer do Tribunal.

Em suma, o que quer dizer o STF é que o parâmetro ambiental não é absoluto ou final para a definição da constitucionalidade de uma norma ou postura, existindo outros fatores que também hão de ser levados em consideração para tal apreciação. Expôs a Corte:

Não se deve desprezar que a mesma Constituição que protege o meio ambiente também exorta o Estado brasileiro a garantir a livre iniciativa (CF, artigos 1º, IV, e 170) e o desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II), a erradicar a pobreza e a marginalização, e a reduzir as desigualdades sociais e regionais (CF, artigos 3º, III, e 170, VII), a proteger a propriedade (CF, artigos 5º, “caput” e XXII, e 170, II), a buscar o pleno emprego (CF, artigos 170, VIII, e 6º) e a defender o consumidor (CF, artigos 5º, XXXII, e 170, V).

 

Entendeu o Supremo que o antagonismo normativo entre meio ambiente e desenvolvimento é apenas aparente, sendo inevitável que a atuação do homem tenha impactos no ambiente em que se insere, até mesmo por fazer parte de tal realidade. No mais, reforçou que a definição de políticas sobre o sensível assunto é questão que deve ser abordada nos adequados meios democráticos, e não de forma unilateral pela Justiça, mesmo que por juízes bem intencionados:

Meio ambiente e desenvolvimento econômico encerram conflito normativo aparente, a envolver diversas nuances, em especial a justiça intergeracional, demandando escolhas trágicas a serem realizadas pelas instâncias democráticas, e não pela convicção de juízes, por mais bem-intencionados que sejam.
Ademais, o princípio da vedação ao retrocesso não se sobrepõe ao princípio democrático, no afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e Executivo, e nem justifica afastar arranjos legais mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo, na linha do que decidido no RE 586.224/SP.

Esta nota final ratifica a visão de separação harmônica das funções (poderes) republicanas (art. 2º, da CF) e privilegia a visão de que os órgãos legislativos e executivos são os legitimados e mais hábeis à condução e à definição de políticas públicas relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento econômico.

 

Transgêneros e direito a alteração no registro civil

Com fundamento no direito fundamental à igualdade, na dignidade da pessoa humana, na inviolabilidade da intimidade e em outros preceitos, definiu o Plenário que “o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero.”. Na mesma esteira, entendeu que a identidade de gênero é questão íntima a pessoa, não cabendo ao Estado impô-la aos indivíduos.

Nesse contexto, a ação direta ajuizada foi julgada procedente para conferir interpretação conforme a Constituição do art. 58 da Lei nº 6.015/73 (lei de registros públicos), permitindo-se aos transgêneros, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à alteração de prenome e gênero diretamente no registro civil.

O entendimento majoritário não trouxe outros empecilhos, de forma que se dispensa idade mínima, a apresentação de laudos médicos ou ajuizamento de demanda judicial.

 

Correção monetária e planos econômicos – 3

Trata-se da controvérsia judicial sobre diferenças pecuniárias decorrentes de efeitos financeiros de planos econômicos (Bresser, Verão, Collor I, etc.) sobre a correção monetária de investimentos da caderneta de poupança (expurgos inflacionários).

Foi realizado um acordo bilionário, ora homologado pelo STF:

Os termos do acordo preveem o pagamento de mais de 12 bilhões de reais aos poupadores, que serão inscritos em plataforma digital preparada pelo CNJ. Os bancos irão analisar os requerimentos dos interessados, que terão direito de recorrer a nova análise.

 

A curiosidade do caso é a realização de acordo dentro de um procedimento objetivo (ADPF). Nesta situação, o STF não aborda as teses jurídicas trazidas.

 

Causa de inelegibilidade e trânsito em julgado – 4

Neste julgado, o STF abordou a possibilidade de aplicação de hipóteses de inelegibilidade inseridas no ordenamento em 2010 (Lei da ficha limpa) a ilícitos perpetrados anteriormente à mudança legislativa.

O Tribunal fixou a seguinte tese de repercussão geral:

A condenação por abuso do poder econômico ou político em ação de investigação judicial eleitoral, transitada em julgado, “ex vi” do artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar 64/90, em sua redação primitiva (2), é apta a atrair a incidência da inelegibilidade do artigo 1º, inciso I, alínea “d”, na redação dada pela Lei Complementar 135/2010, aplicando-se a todos os processos de registros de candidatura em trâmite.

Dessa forma, as condenações transitadas em julgado antes da Lei Complementar nº 135/2010 também se sujeitam à regulação trazida por esta, tornando inelegíveis por 8 anos os respectivos candidatos condenados.

 

Primeira Turma

Prazo decadencial e direito de representação – 2

Neste habeas corpus, o STF entendeu que permanece aplicável a Súmula nº 608, da própria Corte, após as mudanças legislativas que se operaram sobre os crimes contra a dignidade sexual (Título VI, do Código Penal).

O caso de fundo envolve a suposta prática de atentado violento ao pudor (hoje se enquadra em estupro). O acusado buscou a extinção precoce da ação penal sob a alegação de que houve decadência do prazo de representação da vítima.

CP: Art. 103. Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

CP: Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

 

Os Ministros da Primeira Turma, entretanto, observaram que as instâncias inferiores concluíram que o crime foi praticado mediante violência real, o que motivaria a aplicação da Súmula nº 608, do STF, e consequente manutenção da persecução penal, tendo em vista a inexistência de decadência ou prescrição.

Súmula nº 608, STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

 

Segunda Turma

Recurso extraordinário e acordão proferido em processo administrativo

A Segunda Turma entendeu que não é viável a interposição de recurso extraordinário contra acórdão do TST no bojo de procedimento administrativo-disciplinar, visto que não se trata de demanda judicial.

 

Decisão judicial transitada em julgado e “habeas corpus”

A Turma entendeu que é cabível a impetração de habeas corpus contra decisão transitada em julgado quando o argumento for a nulidade manifesta do processo.

CPP: Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
VI – quando o processo for manifestamente nulo;

Entretanto, os Ministros não se convenceram da alegada nulidade, tendo em vista a fundamentação lacônica e a falta de demonstração da conexão entre os pontos de interesse do paciente.

 

Extrafiscalidade e efeito de confisco

A extrafiscalidade é uma característica imbuída em alguns tributos. As exações tributárias que possuem tal natureza não encerram seus interesses na mera arrecadação de recursos para o Estado (natureza típica fiscal, como o imposto de renda), sendo de interesse precípuo também a fiscalização e regulação de certas atividades econômicas. Nestas situações, explica a doutrina que a tributação é usada como “instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada” (BECKER, 2010, p. 629).

Estas finalidades, consequentemente, implicam um tratamento diferenciado aos tributos extrafiscais, na medida em que, em regra, estes não se sujeitam a certos limites do poder de tributar, possuindo maleável manuseio. São tributos como o imposto de importação, que apresentam alíquotas elevadas (exatamente para frear a importação e fomentar o mercado interno) e majorações aplicáveis de imediato, sem necessidade de se aguardar o prazo de noventa dias ou o início do exercício financeiro seguinte (hipóteses de anterioridade).

Essa condição diferenciada pode levar a uma situação de abuso e confisco, situações em que a propriedade do contribuinte é desarrazoadamente tolhida.

CF/88: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;

Para Aliomar Baleeiro, tributos confiscatórios seriam aqueles que “absorvem parte considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício de atividade lícita e moral” (1977, p. 262).

A extrafiscalidade, com efeito, não é refúgio para que se ignorem direitos fundamentais do contribuinte. Sobre a questão, afirma Goldschmidt (2007, p. 195):

A tributação extrafiscal é admitida em certas circunstâncias pela Carta, mas, como ensinou Casanova, tal fato não excepciona o princípio do não-confisco, que incide quando se fizerem presentes seus pressupostos. Admite-se uma elevação da tributação por conta da extrafiscalidade (quando a mesma esteja permitida, evidentemente), mas essa elevação não pode chegar à medida da destruição, da penalização, ou da aniquilação de outros direitos do contribuinte, mesmo porque o constituinte não excepcionou a observância do art. 150, IV, nas hipóteses em que permitiu o uso extrafiscal da tributação. Ou seja, o princípio do não-confisco não só é plenamente aplicável à extrafiscalidade, como igualmente não sofre qualquer restrição no que concerne aos seus contornos qualitativos (salvo casos expressos).

 

Referências

BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar.Rio de Janeiro: Forense, 1977.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010.

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O princípio do Não-Confisco no Direito Tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

STF – Informativo nº 891 comentado

Plenário
Código Florestal e constitucionalidade – 2
1ª Turma
Inexigibilidade de licitação e tipicidade da conduta
2ª Turma
Execução provisória da pena e trânsito em julgado
Gestantes e mães presas preventivamente e “habeas corpus” coletivo

Plenário

Código Florestal e constitucionalidade – 2 (ADC 42/DF e outros)

Julgamento suspenso.

 

Primeira Turma

Inexigibilidade de licitação e tipicidade da conduta (Inq. 3962/DF)

Neste caso, a Turma rejeitou denúncia apresentada em desfavor de parlamentar federal pela suposta prática da conduta prevista no art. 89, da Lei nº 8.666/93:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

 

A Turma rejeitou a denúncia oferecida, tendo em vista que não se convenceu da existência de materialidade criminosa. Argumentou que a mera existência de irregularidades não seria o suficiente para configurar o crime, que necessita da existência de violação a princípios cardeais da Administração Pública.

O delito em questão exige, além do dolo genérico — representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir licitação com descumprimento das formalidades —, a configuração do especial fim de agir, que consiste no dolo específico de causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa.

Para reforçar esse entendimento, suscitou a existência de elementos que corroboram a tese defensiva, como a existência de pareceres favoráveis.

 

Segunda Turma

Execução provisória da pena e trânsito em julgado

A Segunda Turma afetou ao Plenário o julgamento de habeas corpus em que se discute a possibilidade de execução provisória da pena após o julgamento de recurso em segundo grau de jurisdição.

 

Gestantes e mães presas preventivamente e “habeas corpus” coletivo (HC 143641/SP)

A Segunda Turma concedeu a ordem em habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas (condição pós-parto) ou de mães de crianças sob sua responsabilidade, permitindo a prisão domiciliar de tais pacientes, sem prejuízo de outras medidas:

CPP: Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX – monitoração eletrônica.

Entretanto, como exceção, entendeu a Segunda Turma que a ordem não beneficia acusadas por crimes praticados mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

A decisão em questão privilegia a visão de excepcionalidade da prisão como medida cautelar e a proteção constitucional e legal da infância (art. 227, da CF/88, e ECA).

CF/88: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Noções sobre a regra matriz de incidência tributária

No âmbito da ciência tributária, a chamada regra matriz de incidência tributária é uma ferramenta didática que nos revela critérios que identificam e individualizam a exação. Trata-se de um útil desenho do tributo, contribuindo para a verificação da fenomenologia da subsunção do fato à norma, e permitindo a visualização dos efeitos jurídicos pertinentes à incidência tributária. Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 316) faz uma explanação:

O objeto sobre o qual converge o nosso interesse é a fenomenologia da incidência da norma tributária em sentido estreito ou regra-matriz de incidência tributária. Nesse caso, diremos que houve a subsunção, quando o fato (fato jurídico tributário constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese tributária). Ao ganhar concretude o fato, instala-se automática e infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker, o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se o titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la.

Na conformação da regra matriz, encontramos dois momentos: antecedente e consequente. No primeiro, temos um enunciado hipotético pelo qual se determinam três parâmetros que individualizam o fato jurídico tributário: material, espacial e temporal. No conseqüente, encontramos a regulação prescritiva, a determinação das obrigações decorrentes da concretização dos critérios antecedentes. Neste momento temos dois parâmetros: pessoal e quantitativo.

Alfredo Augusto Becker (2010, p. 350), ainda, resume essa sistematização à ideia de núcleo e de elementos adjetivos, guiados por certas “coordenadas”:

A dissecação de toda e qualquer hipótese de incidência mostrará que ela se compõe de um único núcleo e de um ou mais elementos adjetivos e que ela somente poderá se realizar na época e no espaço que foram previstos pelas coordenadas de tempo e lugar.

 

O antecedente da regra matriz

O critério material, que se insere no antecedente da regra matriz de incidência tributária, descreve uma atividade, uma atuação, um comportamento rodeado por circunstâncias temporais e espaciais. É normalmente avistado através de um verbo. Sobre esta anotação específica, Carvalho (2011, p. 326) adverte:

Regressando ao tópico da transcendente importância do verbo, para a definição do antecedente da norma-padrão do tributo, quadra advertir que não se pode utilizar os da classe dos impessoais (como haver), ou aqueles sem sujeito (como chover), porque comprometeriam a operatividade dos desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu alcance. Isso concerne ao sujeito, que pratica a ação, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que, impreterivelmente, há de existir. Descabe falar-se, portanto, de verbos de sentido completo, que se expliquem por si mesmos. É forçoso que se trate de verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento.

O critério espacial descreve o local onde se aperfeiçoa o critério material.

 

O critério temporal, por sua vez, determina quando, em uma linha cronológica, a hipótese se aperfeiçoa e revela-se apta a gerar efeitos jurídicos.

Nota: é válido ressaltar a importância de se saber com precisão o momento em que o fato descrito na norma tributária ocorre. Com efeito, aperfeiçoada a hipótese, gerando suas consequências típicas, surge um liame obrigacional entre ente tributante e contribuinte. A partir deste momento, há obrigação tributária, e este marco é de grande importância para aferição, por exemplo, da decadência do direito de lançar o tributo.

 

O consequente da regra matriz

No consequente da regra matriz de incidência tributária, estamos diante de uma efetiva incidência, mas que pode ser visualizada e estudada abstratamente.

Neste momento, temos as características básicas da obrigação que nasce entre contribuinte/responsável e Fisco. Podemos, portanto, analisar os dois critérios que compõem o consequente da regra matriz: critério pessoal e critério quantitativo. Becker traduz esse consequente como a irradiação da incidência da regra jurídica sobre a hipótese de incidência. Diz o autor que:

[…] a irradiação da relação jurídica é um efeito (consequência) jurídico da incidência da regra jurídica. (BECKER, 2010, p. 361).

Pelo critério pessoal, buscamos os sujeitos da relação proveniente da materialização da hipótese de incidência. Trata-se dos sujeitos ativo e passivo.

Quanto ao critério quantitativo, temos a dimensão pecuniária da prestação tributária. Trata-se da verificação da base de cálculo e da alíquota do tributo. Com efeito:

[…] é no critério quantitativo que encontraremos referências às grandezas mediante as quais o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, para efeito de definir a quantia a ser paga pelo sujeito passivo, a título de tributo.” (CARVALHO, 2011, p. 353).

A base de cálculo é uma dimensão monetária do objeto tributável sobre a qual incide uma operação matemática (alíquota), a fim de se determinar a quantia devida do tributo.

As alíquotas são as referidas operações matemáticas, podendo ser específicas, quando determinam uma relação de quantia de tributo a ser pago por unidade de medida prevista em lei, daquele objeto tributável, seja por peso, tamanho etc.; também podem ser ad valorem, isto é, determina-se uma percentagem que deve recair sobre o valor do produto ou operação.Podem, ainda, ser mistas, fazendo uso dos dois sistemas anteriores.

A análise do antecedente e consequente da regra matriz de incidência tributária permite uma compreensão teórica e prática do tributo, pois se desenha um esqueleto de sua existência normativa e aplicação.

 

Referências

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.

STF – Informativo nº 890 comentado

Plenário
Planos de saúde e direito do consumidor
Lei estadual e requisição de pequeno valor
Planos e seguros privados de assistência à saúde
Planos e seguros privados de assistência à saúde e ressarcimento ao SUS
Responsabilidade subsidiária da Administração Pública por débitos trabalhistas – 2
Comunidade dos quilombos e decreto autônomo – 10
1ª Turma
Prescrição da pretensão punitiva e execução imediata da pena
2ª Turma
Quebra de sigilo telefônico e telemático
Progressividade das alíquotas de ITR e Território Rural

Plenário

Planos de saúde e direito do consumidor (ADI 4512/MS)

O Plenário apreciou ação direta que discutia a criação de obrigação aos planos de saúde por meio de lei estadual. Para a Corte, o Estado do MS agiu dentro de sua competência constitucional (proteção do consumidor e acesso à informação) ao determinar que os planos de saúde fornecessem comprovante e informações pertinentes a eventuais recusas em face dos beneficiários.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V – defesa do consumidor;

Para o STF, a competência privativa relacionada com planos e seguros de assistência à saúde abrange apenas as questões contratuais e securitárias gerais, sob atuação centralizada da União.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

 

Lei estadual e requisição de pequeno valor

O STF entendeu que é lícito aos entes federados fixar o valor máximo para enquadramento no pagamento por meio de requisição de pequeno valor (RPV), desde que se obedeça ao princípio constitucional da proporcionalidade.

No caso, o Estado de Rondônia fixou como parâmetro para enquadramento o valor de dez salários mínimos. O STF, considerando o IDH da referida unidade federativa, não vislumbrou violação ao princípio da proporcionalidade.

Obs: quando não há previsão legislativa local sobre o patamar máximo de dívidas públicas para pagamento por meio de RPV, aplica-se o que prevê o art. 87, do ADCT: I – quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II – trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.

 

Planos e seguros privados de assistência à saúde (ADI 1931/DF)

O Plenário se debruçou sobre dispositivos da Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros privados de saúde, e entendeu que certas modificações trazidas pela MP nº 2.177-44/01 seria inconstitucionais por violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição.

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

As novas regras não poderiam afetar contratos aperfeiçoados anteriormente, como pretendia a nova legislação, sob pena de ferimento de tais preceitos constitucionais.

Em relação a outros dispositivos impugnados, o STF rechaçou a existência de inconstitucionalidade com base em diversos parâmetros constitucionais, como a defesa e auxílio dos idosos (art. 230, da CF), a defesa do consumidor (art. 170, da CF) e a promoção da saúde (art. 196, da CF).

A Corte também se pronunciou sobre disposição que determina o ressarcimento dos cofres públicos quando o agente privado de saúde se beneficiar do atendimento público gratuito prestado pelo Estado, mesmo possuindo a obrigação contratual de prestar tal atendimento. 

A escolha do agente privado de atuar na prestação de relevantes serviços à saúde, de forma concorrente com o Estado, pressupõe a responsabilidade de arcar integralmente com as obrigações assumidas. A norma impede o enriquecimento ilícito das empresas e a perpetuação de modelo no qual o mercado de serviços de saúde submeta-se unicamente à lógica do lucro, ainda que às custas do erário. Entendimento em sentido contrário resultaria em situação em que os planos de saúde recebem pagamentos mensais dos segurados, mas os serviços continuam a ser fornecidos pelo Estado, sem contrapartida.

 

Planos e seguros privados de assistência à saúde e ressarcimento ao SUS

Na mesma toada do julgamento acima, neste RE o STF decidiu que o ressarcimento previsto no art. 32, da Lei nº 9.656/98.

Art. 32.  Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.

 

Responsabilidade subsidiária da Administração Pública por débitos trabalhistas – 2

O STF entendeu que houve perda superveniente do objeto das reclamações.

 

Comunidade dos quilombos e decreto autônomo – 10

A demanda em questão aborda decreto que demarca e desapropria terras em prol de comunidades quilombolas.

Assim, ao determinar que fossem levados em consideração, na medição e na marcação da terra, os critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades quilombolas, longe de submeter o procedimento demarcatório ao arbítrio dos próprios interessados, a norma positivaria o devido processo legal, na garantia de que as comunidades envolvidas tivessem voz e fossem ouvidas. Portanto, não haveria vício de inconstitucionalidade no procedimento de desapropriação previsto no Decreto 4.887/2003.

Obs: é importante perceber que decretos usualmente são atos normativos secundários, inaptos a serem objetos de ação direta. No caso, entretanto, a maioria dos Ministros entendeu que o Decreto 4.887/2003 teria abstração e generalidade normativa suficiente para se submeter ao controle. “A aferição de constitucionalidade dos decretos, na via da ação direta, só seria vedada quando estes se adstringissem ao papel secundário de regulamentar normas legais, cuja inobservância ensejasse apenas conflito resolúvel no campo da legalidade.”.

 

Primeira Turma

Prescrição da pretensão punitiva e execução imediata da pena

Trata-se de curiosa situação de apreciação de Recurso Especial pelo STF. Isso só é possível em virtude da investidura em cargo com foro privilegiado na fase recursal. No caso, a autoridade municipal foi condenada e, posteriormente, apresentou recurso especial. Em seguida, tomou posse em cargo de deputado federal, atraindo a competência do STF para julgar o recurso.

No julgamento em si, o STF desproveu o apelo, entendendo que se pretendia revolvimento de matéria fático-probatória, medida inviável na esfera dos recursos extraordinários.

 

Segunda Turma

Quebra de sigilo telefônico e telemático

Neste recurso ordinário em habeas corpus, a Segunda Turma entendeu que a interceptação telefônica pode ser decretada com fundamento em denúncia (notícia de crime) que ao menos indique sua autoria. Nestas circunstâncias, não estar-se-ia diante de uma denúncia propriamente anônima.

Nota: o recurso ordinário para o STF neste caso deriva do art. 102, II, “a”, da CF/88, que se refere ao habeas corpus denegado no âmbito dos tribunais superiores em julgamento originário (casos com foro privilegiado).

Também argumentou que outros elementos preliminares reforçaram os fundamentos necessários para adoção das medidas investigativas e para a evidência de materialidade e autoria, como a existência de informações provenientes do Ministério da Justiça e da Controladoria-Geral da União.

No que diz respeito ao sigilo de correspondência, entendeu a Turma que a exceção alcança inclusive as comunicações telemáticas (como e-mails), razão pela qual não existe vício nesta interceptação.

 

Progressividade das alíquotas de ITR e Território Rural

A Segunda Turma, reconhecendo o caráter extrafiscal do imposto sobre propriedade territorial rural (ITR), de competência da União.

Nota: a extrafiscalidade é uma característica de certos tributos que denota uma função além da mera captação de recursos pelo Estado (caráter fiscal, como o imposto de renda). No caso do ITR, a Constituição revela que o mesmo busca forçar o uso produtivo da terra rural, beneficiando especialmente pequenas glebas.

Alguns dispositivos constitucionais são relevantes:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: VI – propriedade territorial rural;
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas;
II – não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel;
III – será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.

Para a Turma, não há inconstitucionalidade na progressividade de alíquotas em razão do tamanho da propriedade, tendo em vista que este é um parâmetro que funciona em conjunto com a percepção do grau de utilização da terra para definir aspectos de produtividade.

 

Neutralidade de rede no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14)

Um dos temas recorrentes no que diz respeito ao estudo do acesso à Internet é a proteção da neutralidade de rede. Em poucas palavras, a neutralidade de rede é o atributo que impede a discriminação dos dados acessados pelos usuários. Ou seja: a pessoa paga um preço definido por ter acesso à Internet e este acesso terá que ser livre e indiscriminado, independentemente dos dados que sejam consumidos.

A neutralidade repercute em face de agentes públicos e privados. No primeiro caso, a preocupação é em evitar a censura, tal como ocorre em diversos países do mundo, onde é proibido o acesso a conteúdos indesejados pelo poder dominante. No segundo caso, a neutralidade impede a discriminação geral de dados com base no uso (redução ou degradação da qualidade – velocidade ou latência – do acesso a vídeos e jogos ou redução ou degradação de velocidade para acessar o serviço do concorrente, por exemplo).

A neutralidade da rede visa à garantia de que o usuário, que contrata pacotes de dados para acesso à Internet, seja tratado de forma igual, sem discriminação pelo teor do conteúdo acessado ou pela forma de utilização do sinal contratado. Dessa forma, não haverá distinção de tratamento pelo conteúdo acessado, seja este de cunho político, religioso, ou mesmo relacionado a qualquer gênero, assim, o pressuposto é de que não haverá discriminação por qualquer tipo de material visualizado na rede, salvo aqueles considerados como crimes previstos no Estatuto da Criança e Adolescente (BRANT, 2014, p. 175).

Nos Estados Unidos da América, hoje existe uma situação cinzenta no que diz respeito à garantia, mas no Brasil (por enquanto) há uma definição e proteção legal suficiente, como se pode ver no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14):

Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de:
I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e
II – priorização de serviços de emergência.
§ 2º Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1º, o responsável mencionado no caput deve:
I – abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil;
II – agir com proporcionalidade, transparência e isonomia;
III – informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e
IV – oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais.
§ 3º Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo.

Entretanto, como qualquer direito, o acesso neutro à Internet não é absoluto, admitindo restrições legais excepcionalmente. Como se vê, são previstas hipóteses razoáveis, relacionadas com serviços de emergência ou com motivos técnicos, sempre guardados os interesses dos usuários e imposta transparência e publicidade.

Referências

BRANT, Cássio Augusto Barros. Marco civil da Internet: comentários sobre a Lei 12.965/2014. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014.

STF – Informativo nº 889 comentado

Plenário
Agências reguladoras e função normativa

Agências reguladoras e função normativa

Na ADI nº 4874/DF, o Supremo julgou improcedente o pedido formulado em face de dispositivo da Lei nº 9.782/99 e, sucessivamente, da Resolução nº 14/2012 da Anvisa. A questão de fundo diz respeito à regulação da indústria do tabaco e envolve a atuação normativa da Anvisa na definição de aspectos técnicos da produção e comercialização da referida droga.

Nota: lembre-se que, tecnicamente, o pedido sucessivo impróprio, ou subsidiário, é aquele que é apreciado apenas se o pedido principal cair em improcedência. Em se tratando de pedido sucessivo próprio, a rejeição do principal implica a do subsidiário. Neste caso, o pedido sucessivo próprio apenas é apreciado se o principal for procedente.

O objeto legal em questão é o seguinte:

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:
III – estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;
XV – proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

Para o autor da ação, tais dispositivos estariam conferindo amplos poderes normativos à Anvisa, razão pela qual seria necessária a interpretação conforme a Constituição para reduzir tais prerrogativas. Como resultado desse entendimento, apenas deveria ser possível a interpretação de que tais competências da Anvisa servem para regular situações concretamente, e não abstratamente.

Nota: a interpretação conforme a constituição, sem redução de texto, é uma técnica de julgamento em controle de constitucionalidade por meio da qual se reconhece a inconstitucionalidade de possíveis interpretações do texto normativo, mantendo íntegro o texto discutido, mas orientando o aplicador na direção da interpretação compatível com a Constituição. Para que a medida faça sentido, é necessário que o objeto da ação admita mais de uma interpretação (seja, portanto, polissêmico).

O STF, em decisão apertada, discordou da tese autoral, argumentando que os dispositivos legais não são polissêmicos. Entendeu que admitem, portanto, apenas uma interpretação, que seria constitucional no ver da Corte. Essa interpretação revolve em torno do fato de que a competência da Anvisa é executiva e guiada pelas políticas públicas aprovadas em conjunto pelo Executivo e Legislativo, sempre em estrita observância do disposto na lei, mesmo que a autarquia apresente poderes normativos para uma melhor regulação de questões técnicas. A agência não teria os poderes normativos originários amplos suscitados na ação e não teria extrapolado de seu devido nicho operativo.

A função normativa das agências reguladoras, no entanto, notadamente quando atinge direitos e deveres dos administrados ligados ao Estado tão somente por vínculo de sujeição geral, subordina-se necessariamente ao que disposto em lei. Assim, embora dotadas de considerável autonomia, a medida da competência normativa em que são investidas as agências reguladoras será aquela perfeitamente especificada nas leis pelas quais são criadas (ADI 4874).

Em comentários paralelos (obiter dictum), o STF expôs aspectos relevantes do papel das agências reguladoras na conformação atual da Administração Pública:

O Plenário registrou que o advento das agências reguladoras setoriais representa inegável aperfeiçoamento da arquitetura institucional do Estado de Direito contemporâneo no sentido do oferecimento de uma resposta da Administração Pública para fazer frente à complexidade das relações sociais verificadas na modernidade. A exigência de agilidade e flexibilidade cada vez maiores do Estado diante das ininterruptas demandas econômicas e sociais que lhe são direcionadas levou à emergência de estruturas administrativas relativamente autônomas e independentes — as chamadas agências — dotadas de mecanismos aptos e eficazes para a regulação de setores específicos, o que inclui a competência para editar atos qualificados como normativos. Nesse contexto, o escopo do modelo regulatório adotado no Brasil não se reduz à regulação concorrencial, não se limitando à correção das chamadas “falhas de mercado”. Pelo contrário, incorpora também instrumentos necessários para o atingimento de objetivos gerais de interesse público: regulação social, e não apenas econômica (ADI 4874).

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