Index Jurídico

Ciências jurídicas e temas correlatos

Receitas e despesas públicas e respectivas classificações

A análise das receitas e despesas é imprescindível para qualquer empreendimento público ou privado que vise à manutenção de uma atividade econômica sustentável e responsável. No caso do setor público, há o manuseio das entradas financeiras derivadas de tributos e outras aplicações para a persecução dos seus fins constitucionais, que usualmente são acompanhados de intensos ônus financeiros (investimentos em saúde, educação, segurança, defesa etc.).

 

Receitas públicas

As receitas públicas são constituídas pelo recebimento definitivo de dinheiro nos cofres públicos. A doutrina ressalta que se trata de uma entrada sem reservas ou condições (daí sua característica de definitividade, e não de temporariedade ou transitoriedade) (BALEEIRO, 1984). Existindo condições e reservas sobre esse dinheiro, estaremos diante de ingresso público, e não de receita. Um bom exemplo:

[…] quando há uma licitação pública e o edital prevê a necessidade de os interessados depositarem uma caução, esse valor depositado não poderá ser utilizado pela Administração para fazer face às despesas públicas, logo, não é receita pública no sentido de disponibilização para o interesse público. Aludido valor é apenas um ingresso público, ou seja, um valor que foi lançado contabilmente, mas que não poderá ser convertido em bens ou serviços (LEITE, 2016, p. 184).

Em relação à origem, usualmente fala-se em:

Receitas originárias: são aquelas decorrentes da atuação tipicamente privada do Estado, decorrentes do manuseio de seu patrimônio, sem a presença do seu poder impositivo e de sua posição privilegiada nas relações jurídicas. São as quantias derivadas de contratos firmados em situação de paridade na iniciativa privada, decorrentes de investimentos, de indenizações, de doações recebidas ou até mesmo preços públicos ou tarifas (que não são tributos). Sobre preços públicos, note que:

O preço público, de outra parte, não é tributo. Constitui-se em uma receita originária e facultativa decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço, em que está presente a voluntariedade, não havendo obrigatoriedade do consumo (WILGES, 2006, p. 152).

Receitas derivadas, por outro lado, são entradas decorrentes do manuseio da atuação subordinante e imperativa do poder público, possibilitando a exigência de quantia do devedor por simples poder legal, seja por meio do pagamento de tributos ou outras sujeições, como multas. O acréscimo financeiro deriva de imposição em face de outro sujeito.

Receitas transferidas, por fim, são receitas decorrentes de transferências entre entes federativos, usualmente evidenciadas de repasses financeiros da União para Estados e Municípios.

Em relação à natureza da entrada, discutem-se:

Receitas correntes são aquelas decorrentes de atividades típicas dos entes públicos, como a tributação e aplicação de multas. Já as receitas de capital são valores derivados de atuação alheia à atividade típica de Estado, como as relativas a financiamentos e recepção de juros, usualmente originadas da exploração do próprio patrimônio dos entes públicos.

 

Despesas públicas

As despesas públicas são simplesmente os gastos efetuados pelos entes públicos de acordo com a lei, a qual determina as circunstâncias que permitem o uso do dinheiro público. Normas como a Lei Orçamentária Anual usualmente definem os parâmetros para o gasto dentro de certo exercício. Para não ocorrer um engessamento, situações urgentes e imprevistas, bem como a necessidade de reforços financeiros, permitem o uso de créditos adicionais.

As despesas podem ser correntes, quando são relativas à sustentação, manutenção e continuidade da atividade típica do Estado. Usualmente são despesas de custeio, por exatamente se referirem ao custeio da atuação pública e manutenção dos seus serviços, como o pagamento da folha de remuneração dos servidores. Podem também ser transferências correntes, quando a despesa não tem correspondente contraprestação direta (como ocorre com o pagamento de pensões, aposentadorias, subvenções e outros benefícios). A Lei nº 4.320/64 enumera as despesas correntes como despesas de custeio e transferências correntes.

DESPESAS CORRENTES
Despesas de Custeio
Pessoal Civil
Pessoal Militar
Material de Consumo
Serviços de Terceiros
Encargos Diversos
.
Transferências Correntes
Subvenções Sociais
Subvenções Econômicas
Inativos
Pensionistas
Salário Família e Abono Familiar
Juros da Dívida Pública
Contribuições de Previdência Social
Diversas Transferências Correntes.

Já as despesas de capital são investimentos e gastos que visam ao incremento da estrutura pública, indo além da mera preservação e manutenção de uma condição existente. São usualmente investimentos no crescimento do aparato estatal ou de áreas de interesse público. Nos moldes da Lei nº 4.320/64, as despesas de capital podem ser divididas em mais uma classificação:

§ 4º Classificam-se como investimentos as dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, bem como para os programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente e constituição ou aumento do capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou financeiro.

§ 5º Classificam-se como Inversões Financeiras as dotações destinadas a:
I – aquisição de imóveis, ou de bens de capital já em utilização;
II – aquisição de títulos representativos do capital de empresas ou entidades de qualquer espécie, já constituídas, quando a operação não importe aumento do capital;
III – constituição ou aumento do capital de entidades ou empresas que visem a objetivos comerciais ou financeiros, inclusive operações bancárias ou de seguros.

§ 6º São Transferências de Capital as dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou contribuições, segundo derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especialmente anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública.

Referências

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

LEITE, Harrison. Manual de direito financeiro. Salvador: JusPodivm, 2016.

WILGES, Ilmo José. Finanças públicas: orçamento e direito financeiro para cursos e concursos. Porto Alegre: AGE, 2006.

 

Questões

(FCC – TCE/SE – Analista de Controle Externo – 2011) Em Direito Financeiro, Tributo é receita:

a) originária instituída pelas entidades de direito público.
b) derivada instituída pelas entidades de direito público e privado, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da constituição e das leis vigentes em matéria financeira.
c) derivada, destinando-se seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas pelas entidades públicas e privadas.
d) derivada instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da constituição e das leis vigentes em matéria financeira.
e) derivada ou originária instituída pelas entidades de direito público ou privado, destinando-se seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades.

 

(MPE/SC – Técnico em Atividades Administrativas – 2014) As receitas tributárias, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em despesas correntes são denominadas:

a) Receitas correntes.
b) Receitas de capital.
c) Receitas originárias.
d) Receitas derivadas.
e) Receitas efetivas.

 

(MPE/RO – Analista – 2012) Com base no Artigo 11 da Lei n° 4.320 de 1964, a receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas:

a) Receitas Correntes e Receita Patrimonial.
b) Receitas Correntes e Receitas de Capital.
c) Receita Patrimonial e Receitas Tributárias.
d) Receitas de Capital e Receitas de Contribuições.
e) Receitas Tributárias e Receitas de Contribuições.

STF – Informativo nº 888 comentado

Plenário
Acordo de colaboração premiada e delegado de polícia
Embargos de declaração em embargos de declaração e efeitos infringentes – 3
Imunidade formal do Presidente da República e aplicabilidade a codenunciados
1ª Turma
Empresas Públicas e execução de débitos via precatório
Lei de Anistia e prescrição de crimes de lesa-humanidade – 2
Repercussão geral e reclamação: impossibilidade
2ª Turma
“Habeas corpus” e medida cautelar de afastamento de cargo público

Plenário

Acordo de colaboração premiada e delegado de polícia (ADI 5.508/DF)

Houve adiamento do julgamento.

A matéria discutida, vale frisar, diz respeito ao art. 4º, §§2º e 6º, da Lei nº 12.850/13 (organizações criminosas), que tratam da chamada colaboração premida (gênero do qual faz parte a delação premiada), especificamente sobre os poderes do Delegado neste contexto.

O art. 4º, §2º, da referida lei, dispõe que o Ministério Público, a qualquer momento, e o Delegado de Polícia, durante o curso do inquérito, poderão requerer ou representar ao Judiciário pela concessão dos benefícios legais ao indivíduo colaborador.

§2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

O parágrafo sexto, a seu turno, possibilita que o Delegado e membros do MP façam as negociações, na mesma esteira em que veda a atuação do julgador em tais atos:

§6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

 

Embargos de declaração em embargos de declaração e efeitos infringentes – 3 (AP 565 ED-ED/RO)

Neste julgado, o Plenário ratificou a tese segundo a qual o empate no julgamento de ação penal deve privilegiar a corrente mais favorável ao réu. É posicionamento que prestigia vetores e princípios interpretativos comezinhos ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, como a aplicação da norma mais favorável, favor rei e in dubio pro reo.

Neste mesmo julgamento, esteve em debate situação de dupla penalização do réu (bis in idem), circunstância também rechaçada pela Corte. Prevaleceu o voto do Ministro Dias Toffoli no sentido de que o manuseio de circunstâncias relativas à conduta social e personalidade em duplicidade (para incrementar a culpabilidade e impor majorante ao fato) seria vedado pelo ordenamento jurídico.

 

Imunidade formal do Presidente da República e aplicabilidade a codenunciados (Inq 4483 e Inq 4327)

O Plenário asseverou que:

A imunidade formal prevista no art. 51, I, e no art. 86, “caput”, da Constituição Federal (1) (2), tem por finalidade tutelar o exercício regular dos cargos de Presidente da República e de Ministro de Estado, razão pela qual não é extensível a codenunciados que não se encontram investidos em tais funções.

Esta imunidade, lembre-se, diz respeito à necessidade de a Câmara dos Deputados autorizar a instauração de processo contra o Presidente, seu vice e ministros. É uma condição de procedibilidade para o processo contra tais figuras republicanas. Trata-se, ademais, de uma decisão de cunho político-jurídico.

A decisão da Câmara favorável ao Presidente e Ministros envolvidos, entretanto, não beneficia terceiros que não se encontram investido nestes cargos. Nessa toada, o STF entendeu que o desmembramento da ação penal e continuidade do procedimento penal em face dos demais acusados pelos respectivos Juízos competentes é regular.

Primeira Turma

Empresas Públicas e execução de débitos via precatório (RE 851.711)

A Turma ratificou que as empresas públicas e sociedades de economia mista não têm direito à prerrogativa de execução via precatório. Ou seja, suas dívidas estão sujeitas aos mesmos métodos de cobrança disponíveis contra dívidas de qualquer outra empresa privada.

Trata-se de repercussão necessária da submissão ao regime jurídico de direito privado e da observância ao princípio da livre concorrência (art. 170, IV, da CF/88). No mais, é importante rememorar que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado é medida excepcional, decorrente de duas hipóteses: a) motivos de segurança nacional e b) existência de relevante interesse coletivo.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários

O entendimento permanece inclusive para as empresas que se focam na prestação de serviços públicos. Para estas, o mais adequado seria a adoção da forma autárquica.

 

Lei de Anistia e prescrição de crimes de lesa-humanidade – 2 (Ext 1270/DF)

A Turma definiu que o crime de sequestro, por ser permanente, não prescreve enquanto não for encontrada a pessoa ou o corpo, sendo este julgado interessante pelas suas repercussões sobre delitos ocorridos durante períodos ditatoriais porque passaram diversos países latino-americanos.

Este caso em específico trata de extradição solicitada pelo governo argentino contra indivíduo acusado de participar em crimes de sequestro, tortura e outros. O voto majoritário entendeu que não havia prescrição a ser declarada, razão pela qual os fatos ainda seriam puníveis.

 

Repercussão geral e reclamação: impossibilidade

O caso trata de terceirização no âmbito da Administração Pública, notadamente a responsabilidade do Estado por dívidas trabalhistas de empresas com que manteve contrato de prestação de serviços terceirizados.

A Primeira Turma entendeu que, em virtude do julgamento do RE 760.931, a ADC 16 não poderia ser parâmetro para o ajuizamento de reclamação, pois houve substituição da tese firmada nesta pela firmada naquela. O entendimento vigente, bem semelhante ao anterior, aprecia o tema nº 246 de Repercussão Geral e expõe que:

[…] o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.

A Turma também asseverou que a má aplicação da tese firmada há de ser combatida pelos recursos previstos na lei, tendo em vista que é inadmissível reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias, nos moldes do art. 988, §5º, II, do CPC. O dispositivo visa a frear o ajuizamento de reclamações e impedir a transformação da mesma em substituto recursal.

 

Segunda Turma

Habeas corpus e medida cautelar de afastamento de cargo público

Decidiu a Segunda Turma:

O “habeas corpus” pode ser empregado para impugnar medidas cautelares de natureza criminal diversas da prisão. Com base nessa orientação, ao concluir o julgamento conjunto de duas impetrações, a Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem para revogar a suspensão do exercício da função pública de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amapá e demais medidas cautelares pessoais impostas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para a maioria dos ministros integrantes, o remédio constitucional em questão pode ser utilizado quando interesses não patrimoniais diversos da liberdade locomotiva sejam afetados. A Turma também observou a duração prolongada e desproporcional da medida cautelar imposta.

Direito e justiça: o que é justiça?

A justiça é um complexo tema recorrentemente abordado pela Filosofia, pela Ética, pela Religião, pelo Direito e tantos outros ramos do conhecimento humano. As abordagens do objeto são inúmeras e passam por filósofos ocidentais e orientais antigos e contemporâneos. Uma resposta prefacial ao questionamento “o que é justiça?” é inviabilizada pela multiplicidade de visões lançadas sobre o objeto, mas admite um rico debate no que diz respeito à formulação e aplicação do Direito (ou seja, desde o nascedouro das normas até a decisão definitiva que consagra a aplicação delas).

Contos milenares, como a história de Antígona, representam bem como a noção de justiça atormenta os homens. Na prosa do grego Sófocles, entram em embate as normas postas pelo homem contra os costumes e normas religiosas (entendidas superiores e, consequentemente, a verdadeira justiça, por Antígona). A narrativa passeia pelo conflito e pelas noções de justiça dos seus atores, contrapondo manifestações primordiais do positivismo e do jusnaturalismo.

Estudiosos como Perelman e Kelsen abordaram o tema dentro da ciência jurídica, chegando à conclusão que a noção de justiça aplicada em concreto é deveras relativa, dependente das culturas em que se inserem os indivíduos, das peculiaridades de suas sociedades e histórias e da forma de pensamento. Por isso, para o primeiro seria mais interesse resolver o conflito social por meio da razoabilidade da argumentação jurídica. Já o segundo busca uma fundação da ciência jurídica independentemente de valores externos, alcançando um sistema normativo puro, passível de universalização e funcionamento alheio a subjetivismos.

A discussão é atual e serve para a contraposição entre a atuação formal dos participantes políticos (legisladores e governantes) e não políticos (juízes, advogados, defensores etc.) da vida jurídica de uma sociedade e a finalidade última dos procedimentos de edição e aplicação das normas. Para Bittar (2016, p. 596), poder-se-ia falar da Justiça como preenchimento semântico do Direito (que seria mera forma posta, enquanto a Justiça seria conteúdo, significado).

A conclusão de Bittar (2016) é valiosa e expressa bem o multifacetado papel que a Justiça deveria operar no Direito na contemporaneidade:

A justiça funciona, enquanto valor que norteia a construção histórico-dialética dos direitos, como fim e como fundamento para expectativas sociais em torno do Direito. Apesar de a justiça ser valor de difícil contorno conceitual, ainda assim pode ser dita um valor essencialmente humano e profundamente necessário para as realizações do convívio humano, pois nela mora a semente da igualdade. (BITTAR, 2016, p. 597).

Kelsen, em seus ensaios, também já abordou o tema e, após anunciar seu fracasso no que diz respeito a uma formulação universal e absoluta de Justiça, argumenta que a Justiça, na sua visão pessoal, se revelaria na ordem social na qual a busca pela verdade poderia prosperar, na qual prevaleceria a liberdade e a paz: uma justiça da democracia, uma justiça da tolerância. (KELSEN, 1971).

 

Referências

BITTAR, Eduardo Garcia Bianca. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2015.
KELSEN, Hans. What is justice?: Justice, Law, and Politics in the mirror of science. London: University of California Press, 1971.

Lançamento tributário e suas modalidades

No direito tributário, o lançamento é o ato (ou procedimento, conforme parte da doutrina) que formaliza a constituição do crédito tributário. Uma definição legal é trazida pelo art. 142, do CTN:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Obs: é válido ressaltar que o crédito tributário é a formalização da obrigação tributária (dever legal de pagar os tributos) já existente. Uma gradação cronológica seria a de que o fato gerador ocorre, vindo a surgir uma obrigação tributária, que será formalizada em crédito por meio do lançamento.

O lançamento funciona, assim, como mecanismo vinculado (obrigatório) que confere certeza e liquidez ao crédito fazendário, viabilizando sua cobrança. Sua natureza é disputada entre os estudiosos, mas admite-se em geral a visão de que o mesmo declara a obrigação e constitui formalmente o exigível crédito.

[…] podemos dizer que o lançamento tem eficácia dúplice: é declaratório da obrigação e constitutivo do crédito que dela decorre. (MACHADO SEGUNDO, 2017, e-book).

Por possuir uma íntima relação com a situação de fato pertinente (o correlato fato gerador, como a circulação de mercadoria ou a transmissão de bens causa mortis), o lançamento segue como regra geral os parâmetros da lei vigente no momento da concretização de tais fatos geradores (sujeitos, alíquotas, base de cálculo etc.). É o que expõe o art. 144, do CTN:

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
§1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido.

Como denota o parágrafo primeiro, aspectos meramente procedimentais (critérios de apuração, poderes de investigação, novos mecanismos e procedimentos de fiscalização etc.) não se sujeitam aos parâmetros existentes à época do fato gerador.

O art. 146, do CTN, complementa essa visão, determinando que modificações nos critérios de apuração de tributos (sejam efetuadas de ofício ou por decisão administrativa ou judicial) só serão aplicadas aos fatos geradores posteriores à definição da nova postura.

Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

Como a finalidade precípua do lançamento é a constituição e definição da exigibilidade do crédito tributário em face do sujeito passivo, este precisa ser regularmente notificado para que aquele seja considerado aperfeiçoado. Com a regular notificação do contribuinte, o lançamento se aperfeiçoa e sua alteração só ocorrerá nas hipóteses previstas na lei:

Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
II – recurso de ofício;
III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.

Obs: antes da notificação, a alteração prescinde de maiores formalidades.

Súmula nº 397, do STJ: O contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu endereço. (DJe 07/10/2009)

A notificação, ademais, marca o término do prazo decadencial concedido à Fazenda para exercer seu direito. Explica a doutrina:

Como até a ocorrência da notificação ao sujeito passivo o lançamento não se considera efetuado, o prazo de decadência do direito de lançar, seja ele o do art. 150, §4º, seja ele o do art. 173, do CTN, flui até a data dessa notificação, que deve ocorrer antes de consumada a extinção do direito da Fazenda. O início de um procedimento de fiscalização não configura a feitura do lançamento, não representa ainda o exercício do direito de lançar, e por isso mesmo não tem qualquer repercussão no sentido de fazer cessar o curso do prazo de caducidade. (MACHADO SEGUNDO, 2017, e-book).

 

Modalidades de lançamento

Três espécies de lançamento são previstas no ordenamento jurídico brasileiro: a) de ofício (direto); b) por declaração (misto); e c) por homologação (“autolançamento”).

No lançamento de ofício, todos os atos pertinentes ao lançamento (verificação do fato gerador, cálculo do montante devido, definição das alíquotas e base de cálculo, determinação do sujeito passivo etc.) são realizados pelas autoridades administrativas. Isso pode ocorrer naturalmente, após a verificação de inadequação de declarações do contribuinte, após a percepção da inércia deste em declarar e pagar e em outras situações previstas em lei.

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I – quando a lei assim o determine;
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.

O IPTU, a COSIP (contribuições de iluminação pública) e as taxas são os tributos comumente relacionados com o lançamento de ofício, pois as autoridades fiscais já possuem todos os dados necessários para o lançamento, sendo desnecessária qualquer participação do contribuinte. De fato, o contribuinte apenas recebe a fatura de energia com o valor devido da contribuição de iluminação pública, por exemplo.

Já o lançamento por declaração ou misto é o que é efetuado, pela autoridade, com base em declaração do sujeito passivo. Há uma participação nodal do contribuinte no fornecimento de informações que serão efetivamente utilizadas pela Fazenda para aperfeiçoar o lançamento. Expõe o art. 147, do CTN:

Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.
§ 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento.
§ 2º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela.

Na verdade, nem sempre a Administração disporá de dados suficientes para proceder ao lançamento, suprindo tal deficiência de informação com a declaração prestada pelo particular, em pleno cumprimento de uma obrigação acessória ou colateral (art. 113, §2, CTN). Portanto, o sujeito passivo informa ao Fisco “matéria de fato” na declaração prestada, e, como supedâneo nesta, a entidade tributante calcula o gravame e o notifica para pagar a exação tributária. (SABBAG, 2016, e-book).

É o caso do ITBI, onde o contribuinte informa o valor das transferências imobiliárias realizadas, informação imprescindível para o cálculo do tributo.

Como o próprio contribuinte declara, a alteração de sua declaração, com repercussão financeiramente favorável ao mesmo, depende de comprovação do erro e tem que ser realizada antes da notificação do lançamento.

O lançamento por homologação (chamado também de “autolançamento”, mas com críticas de parte da doutrina) tem traços distintos. Nesta modalidade, o próprio contribuinte ou responsável observa o fato gerador, promove o cálculo do tributo e o recolhe, sem participação prévia da autoridade fiscal. Esta atua posteriormente, verificando a regularidade da conduta do agente passivo. Inexistindo vício, a autoridade realiza a homologação expressa ou tacitamente. No caso de irregularidade, a retificação será promovida pela Administração, nos moldes do art. 142, do CTN, estudado no introito.

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Essa modalidade se verifica em vários tributos, como o imposto de renda (onde a pessoa declara anualmente pelo software da SRFB e já recebe em seguida as guias de pagamento), no ICMS de vários Estados (o empresário faz a operação comercial, inserindo as informações da transação, e já se determina o valor do tributo a ser pago), ou no imposto de importação (o importador declara o valor do bem e sua classificação nas tabelas alfandegárias do Mercosul, vindo a encontrar o valor do tributo que pagará).

Em todas estas modalidades de lançamento, se emergir a necessidade de estimar valores de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, seja por omissão da informação do contribuinte ou carência de fé de tais informações, a autoridade administrativa poderá arbitrar tais montantes em processo regular:

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

 

Decadência do crédito tributário em suas modalidades

Como visto acima, o prazo decadencial para lançar o tributo é de 5 anos. A contagem deste prazo merece atenção.

A regra geral de contagem e definição do dia inicial de tal prazo se encontra no art. 173, I, do CTN, aplicável ao lançamento de ofício:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

Sabendo que o lançamento pode ocorrer a partir do advento do fato gerador e que o exercício tributário corresponde com o ano civil, tem-se que, ocorrendo o fato gerador no ano 2018, o prazo decadencial para lançar o tributo se inicia em 1/1/2019.

No caso do lançamento por declaração, a lógica é a mesma, mas, no lugar do fato gerador, o momento central é o esgotamento do prazo de prestar declarações. Então, se o contribuinte tinha até 2018 para prestar declarações, o prazo decadencial para lançar o tributo se inicia em 1/1/2019.

No caso do lançamento por homologação, a situação é peculiar, conforme define o art. 150, §4º, do CTN:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Nos casos de lançamento por homologação, duas situações devem ser observadas: o caso de pagamento e o caso de inadimplência (e, consequentemente, falta integral de declaração), conforme explana Paulsen (2012):

Havendo o pagamento (mesmo que inferior ao devido), aplica-se o art. 150, §4º, do CTN, regularmente.

Por exemplo: o contribuinte paga o imposto de importação em 2018, ano em que ocorreu também a entrada do bem (fato gerador). É a partir deste fato gerador que se inicia o prazo de homologação de cinco anos (e não a partir do exercício seguinte ao fato gerador). Passado esse prazo, entende-se homologado tacitamente o pagamento. Se a autoridade entender que houve pagamento inferior ao devido, lançará a diferença por ofício.

Havendo inadimplência (ou seja, o contribuinte ignora seu dever de apurar e pagar) ou outro vício (dolo, fraude, simulação), duas correntes doutrinárias se verificam: a) o prazo se inicia no exercício seguinte ao em que ocorreu o fato gerador; ou b) o prazo se inicia no exercício seguinte ao ano em que se venceu a obrigação. Jurisprudencialmente, a primeira visão é consagrada pelo STJ. A Primeira e Segunda Turmas do STJ (as que tratam de direito público e integram a Primeira Seção da corte, enquanto a T3 e T4 tratam de direito privado e a T5 e a T6 tratam de direito penal) têm decisões recentes sobre o tema:

[…]
4. Em relação à ocorrência da decadência, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, na hipótese de ausência de pagamento de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo decadencial para lançamento do crédito segue a regra do art. 173, I, do CTN. Entretanto, no caso de pagamento antecipado, mesmo que a menor, e não havendo dolo ou fraude, a regra legal aplicável para decadência é a do art. 150, § 4º, do CTN. (STJ – REsp 1691302 / PE. RECURSO ESPECIAL 2017/0199126-0. Relator(a): Ministro HERMAN BENJAMIN. Órgão Julgador: T2 – SEGUNDA TURMA. Data da Publicação/Fonte: DJe 16/10/2017).

[…]
III – Este Tribunal firmou posicionamento, em sede de recurso repetitivo, segundo o qual o prazo decadencial do tributo sujeito a lançamento por homologação, inexistindo a declaração prévia do débito, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento de ofício poderia ter sido realizado. (STJ – AgInt no REsp 1657137 / SP. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2017/0008585-6. Relator(a): Ministra REGINA HELENA COSTA. Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA. Data da Publicação/Fonte: DJe 27/09/2017).

 

A Súmula nº 555, do STJ, também ressalta esse entendimento:

Súmula nº 555, do STJ: Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa. (DJe 15/12/2015).

Obs: é interesse observar, ademais, a situação em que há correta declaração, mas inadimplência. Para Machado Segundo (2017), é o caso de mera inscrição e cobrança da dívida ativa, tendo em vista que não há retificação a ser feita na obrigação, dispensando novo lançamento em relação à dívida que foi corretamente declarada pelo contribuinte.

Ainda sobre a decadência, é necessário observar o teor do art. 173, II, do CTN, que trata de contagem nos casos em que há modificação do lançamento em virtude de nulidade por vício formal. A contagem do novo prazo decadencial se dá a partir da decisão definitiva que reconheceu esta nulidade.

Vale frisar que estamos falando de vício formal (irregularidades do auto de infração, violação de direitos no processo administrativo etc.) que gere nulidade conhecível em processo judicial ou administrativo. Se for o caso de vício material (como relativo ao montante do tributo, abrangência da incidência tributária, isenções etc.), não há reabertura de qualquer prazo, valendo o iniciado anteriormente.

 

Antecipação do termo inicial

Nos moldes do art. 173, parágrafo único, do CTN, temos uma antecipação do termo inicial do prazo decadencial ao momento em que é notificado o sujeito passivo de medidas preparatórias indispensáveis ao lançamento.

Art. 173, parágrafo único: O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

O prazo inicial do art. 173, I (início do exercício seguinte), é antecipado para o momento da notificação sobre as medidas adotadas ainda no exercício anterior pela Fazenda.

 

Referências

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Código tributário nacional. São Paulo: Atlas, 2017.
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2016.

Ação rescisória no novo CPC: objeto, cabimento e características

De forma geral, temos na decisão de mérito revestida pelo manto da coisa julgada uma sensação de segurança jurídica e pacificação do conflito judicializado. Em tese, isso deriva do desfecho de um processo judicial contraditório, garantidor de ampla defesa e guiado por um órgão julgador imparcial e previamente definido. Em certas ocasiões, entretanto, é possível reavivar a discussão após o esgotamento do procedimento e de seus recursos.

Uma das formas típicas de realizar tal proeza é o manejo da ação rescisória, a qual se debruça sobre vícios ou erros que acometem o processo original para rescindir a decisão ali prolatada e alcançar uma nova decisão, adequada aos corretos parâmetros jurídicos e fáticos. Relativizam-se, consequentemente, os festejados efeitos da coisa julgada, desconstituindo uma decisão viciada para prestigiar uma idônea.

No eterno conflito entre dois essenciais valores de nosso sistema processual, o legislador, ao prever, ainda que de forma excepcional, a ação rescisória, dá uma derradeira chance à justiça em detrimento da segurança jurídica (NEVES, 2016, p. 1565).

A ação rescisória é uma demanda autônoma (não é um recurso ou incidente, sendo comumente definida como de sucedâneo recursal) de natureza desconstitutiva (ou constitutiva negativa), com curso em autos próprios, que busca desconstituir a decisão de mérito transitada em julgado com base em certos vícios ou circunstâncias taxativamente previstos na legislação. Entretanto, não é qualquer vício que possibilita a propositura da demanda:

Quando o vício é daqueles que desaparecem quando o processo se encerra, não cabe a ação rescisória. Ela exige que a nulidade seja absoluta, que se prolongue para além do processo (GONÇALVES, 2016, tópico nº 5.3.1)

Objeto da ação rescisória: regra e exceções

Como regra geral, vislumbra-se que o objeto central da ação rescisória é a decisão de mérito transitada em julgado. Assim, não é cabível a propositura em face de decisões que não apreciam o mérito (o aspecto material, o tema de fundo) da demanda, como as que, por exemplo, extinguem o processo por falta de algum pressuposto ou que meramente declaram extinta a execução.

Na sistemática do CPC/2015, decisões interlocutórias de mérito também transitam em julgado autonomamente (vide o julgamento antecipado parcial), possibilitando a apresentação da ação rescisória em relação a tais partes da demanda.

Por outro lado, há decisões que não são de mérito (pelo menos tecnicamente), mas que impedem a repropositura da ação. Em tais situações, a ação rescisória é viável. É o caso do reconhecimento da prescrição e da decadência (casos em que não se analisa propriamente a questão de fundo, mas que são de mérito por força legal, nos termos do art. 487, do CPC), da coisa julgada ou do não conhecimento de recurso. Nestas hipóteses, o vício deve se encontrar nestas decisões, e não necessariamente nas decisões anteriores. A doutrina explica:

Assim, se, por exemplo, o Tribunal recursou conhecer de recurso mediante decisão interlocutória que violou disposição literal de lei, não se pode negar à parte prejudicada o direito de propor a rescisória, sob pena de aprovar-se flagrante violação da ordem jurídica. É certo que a decisão do Tribunal não enfrentou o mérito da causa, mas foi por meio dela que se operou o trânsito me julgado da sentença que decidiu a lide e que deveria ser revista pelo Tribunal por força da apelação não conhecida (THEODORO JR., 2016, n.p. item 650).

Também é valioso observar que é desnecessária a ação rescisória em face de decisões inexistentes, como a prolatada por órgão sem jurisdição ou a que carece de dispositivo.

A própria lei, por vezes, também impede a ação rescisória, como nos casos de decisão proferida no controle concentrado de constitucionalidade ou nos juizados especiais (art. 59, da Lei nº 9.099).

Por fim, vale atentar para o fato de que a ação pode se insurgir contra partes da decisão (uma consequência comum da possibilidade de cumulação de pedidos), conforme expõe o art. 966, §3º, do CPC:

§3o A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.

código de processo civil

Juízo rescindente e rescisório

O trâmite da ação rescisória apresenta dois momentos marcantes: a) a rescisão da decisão anterior (juízo rescindente); e b) o novo julgamento (juízo rescisório).

Feita a desconstituição da decisão anterior, o juízo rescisório pode se revestir de qualquer caráter decisório, como condenatório, declaratório ou constitutivo.

Prazo decadencial

Em face da ruptura do manto da coisa julgada, gerando o afastamento de um dos princípios mais básicos do processo e quebra de expectativas dos litigantes e da sociedade, o CPC traz um limite temporal ao direito de buscar a rescisão.

De acordo com o art. 975, do CPC:

Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
§1º Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.
§2º Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
§3º Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Trata-se de prazo decadencial, por fulminar o próprio direito à referida ação, e não o mero acesso aos mecanismos jurídicos hábeis a intentá-la (que seria uma hipótese de prescrição). O prazo é prorrogável, caso se encerre no curso de férias forenses, recessos e feriados, e, dependendo do vício, se inicia com a aquisição de ciência sobre este. Na situação de descoberta de nova prova, o prazo se elastece para até 5 anos (ou seja, a descoberta tem que ocorrer até 5 anos após a última decisão de mérito).

A legislação extravagante também apresenta prazos diferenciados.

Art. 8°-C. É de oito anos, contados do trânsito em julgado da decisão, o prazo para ajuizamento de ação rescisória relativa a processos que digam respeito a transferência de terras públicas rurais

Lei n° 6.739/79

Hipóteses de rescindibilidade

O art. 966, do CPC, arrola taxativamente as hipóteses em que é viável a rescisão de decisão de mérito transitada em julgado. O dispositivo faz uso da expressão “decisão” no lugar de “sentença”, o que ratifica a visão de que também podem ser objetos de impugnação decisões interlocutórias, decisões monocráticas ou acórdãos.

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I – se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II – for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III – resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV – ofender a coisa julgada;
V – violar manifestamente norma jurídica;
VI – for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII – obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII – for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Sobre estas hipóteses, alguns apontamentos são importantes.

No caso do item I (prevaricação, concussão ou corrupção), aponta a doutrina que a condenação prévia em Juízo criminal é desnecessária e que a prova destes vícios pode ser feito no decurso da ação rescisória (THEODORO JR., 2016).

Sobre o item III (dolo, coação, colusão ou simulação para fraudar a lei), é interessante relembrar que a colusão (conluio) é a ilícita conjunção de interesses para fraudar a lei. As partes propõem demanda simulada, dando aparência de licitude, mas buscando interesse escuso. No caso do dolo ou coação, o vício tem origem unilateral no litigante vencedor.

No caso da hipótese do item V, fala-se em evidentes erros judicias não suportados por qualquer interpretação controvertida existentes ao momento da decisão. Havendo divergência contemporânea, a jurisprudência tende a afastar a possibilidade de rescindibilidade ulterior (há decisões contrárias entretanto). Nesse sentido, temos uma velha súmula do STF, que é aplicada até hoje:

STF – Súmula nº 343: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

STF

Com base nesta alínea, também é possível a rescisão quando for ignorada situação de distinguishing (ou seja, o órgão julgador, em caso de julgamento repetitivo ou aplicação de súmula, ignora elementos fáticos e jurídicos que se distinguem da relação jurídica repetitiva ou alvo de súmula, aplicando a solução genérica indevidamente em caso particularizado/distinto):

§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.

§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

No caso de prova falsa (item VI), é desnecessário prévio processo criminal. No mais, a doutrina aponta que a existência de outros fundamentos (além da prova falsa) para manter a decisão podem impedir a rescisão:

A razão é óbvia, porque, havendo outros fundamentos aptos à manutenção da decisão, a eventual procedência da ação rescisória será inútil, não tendo condições concretas de desconstituir a decisão impugnada (NEVES, 2016, p. 1572).

Este mesmo raciocínio vale para a prova nova (item VII), que deve ser suficiente por si só para reverter o resultado do julgamento. Salvo contrário, a medida é inócua. No que se refere à prova nova, é necessário relembrar que hipóteses de preclusão da produção de prova (a parte não requereu tempestivamente o depoimento, a oitiva de testemunha ou a juntada de documento que possuía) impedem a propositura com base neste inciso.

Legitimidade

A legitimidade para propor a ação está delimitada no art. 967, do CPC:

Art. 967. Têm legitimidade para propor a ação rescisória:
I – quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular;
II – o terceiro juridicamente interessado;
III – o Ministério Público:
a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção;
b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei;
c) em outros casos em que se imponha sua atuação;
IV – aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção.
Parágrafo único. Nas hipóteses do art. 178, o Ministério Público será intimado para intervir como fiscal da ordem jurídica quando não for parte.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A legitimidade passiva abrange a parte e terceiros beneficiados pela decisão rescidenda.

Competência

A competência para julgar a ação rescisória é de tribunais.

As decisões de primeiro grau são julgadas pelos tribunais a que são vinculados, enquanto as decisões dos tribunais em geral são julgadas pelos próprios.

Diante desse “rejulgamento” pelo próprio órgão, busca-se preferencialmente uma relatoria distinta:

Art. 971, parágrafo único: A escolha de relator recairá, sempre que possível, em juiz que não haja participado do julgamento rescindendo.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Nos casos em que a decisão de primeiro grau é atacável por recurso ordinário para instância extraordinária (como o julgamento de demanda entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e município ou pessoa domiciliada ou residente no Brasil, julgado pela Justiça Federal em primeiro grau e com recurso para o STJ), há doutrinadores que afirmam que o Juízo competente para a rescisão é o do julgamento do recurso ordinário não interposto.

A questão é interessante, porque, quando transita em julgado a sentença (e não o acórdão), a rescisória é cabível perante o tribunal ao qual o juiz está vinculado (geralmente, o juiz federal está vinculado ao respectivo TRF). Só que, nesses casos, ele está vinculado ao STJ. Por outro lado, o art. 105, I, e, da Constituição Federal dispõe que compete ao STJ processar e julgar as rescisórias de seus julgados. Não há previsão constitucional para o STJ julgar ação rescisória contra sentença de primeira instância. Estando, contudo, o juiz a ele vinculado, deve a rescisória ser proposta no STJ. Noutros termos, a rescisória ataca a sentença, mas será proposta no STJ, em razão da vinculação do juiz, em causas desse tipo, àquele tribunal superior (DIDIER JR., 2016, p. 454).

Outras peculiaridades

A ação rescisória não impede a execução do julgado combatido, salvo se o relator conceder tutela provisória.

Art. 969.  A propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O prazo de resposta (contestação), definido pelo Relator, será de 15 a 30 dias (art. 970, do CPC).

A produção probatória na ação pode ser delegada ao órgão de primeiro grau originário.

A improcedência do pedido implica a perda do depósito inicial em favor do réu (art. 974, parágrafo único, do CPC).

Referências

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 3. Salvador: JusPodivm, 2016.
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Curso de direito processual civil esquematizado. São Paulo : Saraiva, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. Salvador: JusPodivm, 2016.
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v 2. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

Ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)

A ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) é um dos instrumentos integrantes do sistema de controle concentrado de constitucionalidade estabelecido pela Constituição Federal de 1988, funcionando na praxe judiciária como um complemento às demais ferramentas de controle abstrato, pois alcança violações que estão além do escopo de atuação das demais ações deste sistema. A previsão provém do texto original da Constituição:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

Nota: ressalte-se que a norma em questão possuía, na origem, eficácia limitada, pois não seria possível sua aplicação sem o devido complemento normativo. Esse complemento foi fornecido pela Lei nº 9.882/99, e a primeira ADPF proposta foi autuada em janeiro de 2000. Esta, entretanto, teve seu seguimento negado por impossibilidade jurídica do pedido.

Duas situações possibilitam a propositura da ADPF: a) evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; e b) quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

Como se percebe, a ADPF busca complementar o controle abstrato, passando a abranger, como principais exemplos, o controle de normas municipais, atos normativos infralegais e de normas anteriores à Constituição de 1988 (inatacáveis por ADI).

Esta ação coloca-se ao lado das demais do controle concentrado, tendo o objetivo de suprir as necessidades de controle abstrato de constitucionalidade. Assim, por exemplo, possui relevante função diante do direito pré-constitucional e do direito municipal, uma vez que, no primeiro caso, a ação direta de inconstitucionalidade não é admitida pelo STF em vista da ideia de ser contraditório declarar inconstitucional norma que não foi recepcionado por incompatibilidade com o novo texto constitucional, e, no segundo, a inconstitucionalidade tem como parâmetro de controle somente a Constituição Estadual (art. 125, §2º, da CF). (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2015, tópico nº 8.71).

 

Legitimidade ativa e objeto

A legitimidade ativa é a mesma da ADI (art. 2º, da Lei nº 9.882/99, e art. 103, da CF/88:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Nota: relembre-se que o Presidente, as Mesas do Senado e Câmara, o PGR, o CFOAB e os partidos com representantes eleitos têm legitimidade ampla, não lhes sendo exigida a pertinência temática com suas finalidades ou coerência com sua esfera delimitada. Por exemplo, o governador de um Estado não pode propor ADPF em face de legislação de um outro Estado ou sobre tema que não tenha repercussão em sua esfera jurídico-política de atuação. Igualmente, uma Confederação Sindical de uma categoria não pode propor ADPF contra atos e normas que não tenham pertinência com sua atividade profissional ou econômica ou suas finalidades institucionais.

Um exemplo concreto:

[…]
1. A jurisprudência do STF exige, para a caracterização da legitimidade ativa das entidades de classe e das confederações sindicais para as ações de controle concentrado, a existência de correlação entre o objeto do pedido de declaração de inconstitucionalidade e os objetivos institucionais da associação. (STF – ADPF 385-AgR/SE – DJe-244 DIVULG 24-10-2017 PUBLIC 25-10-2017).

O objeto da ADPF (ou seja, a coisa que se impugna) pode ser o ato do poder público ou lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição envoltos em controvérsia constitucional.

 

Petição inicial e subsidiariedade

A petição inicial da ADPF, além dos elementos básicos, deve conter (art. 3º, da Lei nº 9.882/99):

I – a indicação do preceito fundamental que se considera violado;
II – a indicação do ato questionado;
III – a prova da violação do preceito fundamental;
IV – o pedido, com suas especificações;
V – se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.

A falta destes requisitos implica inépcia do petitório, justificando seu indeferimento liminar pelo relator no STF (art. 4º, da Lei nº 9.882/99). Esta decisão é agravável para o Plenário em cinco dias.

Este mesmo dispositivo revela o caráter subsidiário da ADPF em relação aos demais mecanismos de controle abstrato. De fato, existindo outro meio eficaz de neutralizar a lesividade da controvérsia, o mesmo há de ser utilizado em detrimento da ADPF (art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.882/99:

§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

Naturalmente, é como tem julgado o STF:

[…]
1. O cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental será viável desde que haja a observância do princípio da subsidiariedade, que exige o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais, ou a verificação, ab initio, de sua inutilidade para a preservação do preceito. Precedentes desta CORTE. […] (STF – ADPF AgR 224/DF – DJe 8/11/2017).

 

A noção de preceito fundamental

Como se percebe, a ADPF pode ser usada, quando inexistir outro meio hábil, para sanar violação a preceito fundamental. Trata-se de conceito jurídico indeterminado (lembre-se que estes são normas cujo teor não é preciso, mas que tem repercussões jurídicas precisas) cuja definição é disputada na praxe judiciária e na doutrina, mas que usualmente refere-se a certas previsões relevantes da Constituição, como os princípios fundamentais da República, os direitos e garantias fundamentais, os princípios sensíveis etc. São exemplos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[…]

Art. 60, § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.

Tais preceitos fundamentais são parâmetros de controle no processo abstrato de constitucionalidade, servindo como o espelho de comparação para verificação a constitucionalidade e compatibilidade com a Constituição de 1988.

 

Decisão na ADPF

De início, a decisão na ADPF, tomada com a presença de ao menos 2/3 dos ministros, é irrecorrível e não sujeita à ação rescisória (art. 12, da Lei nº 9.882/99), apesar de poder sofrer modulação de seus efeitos (art. 11). Os efeitos, ademais, são vinculantes e oponíveis a todos (erga omnes), o que possibilita o manejo de reclamação em caso de descumprimento (art. 13).

Se o objeto da ADPF for norma anterior à Constituição, o resultado do julgamento é a declaração de não recepção.

Nota: de fato, o exame de em si constitucionalidade é sempre contemporâneo, de forma que uma lei anterior à CF/88 não pode ser declarada inconstitucional em relação a esta, mas pode ser declarada não recepcionada por não se adequar materialmente à nova realidade constitucional.

Nos demais casos, a decisão determina a nulidade ou inconstitucionalidade do ato, de sua aplicação ou até mesmo de alguma interpretação (art. 10, da Lei nº 9.882/99):

Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.
§ 1º O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

 

Medida liminar

À semelhança dos demais mecanismos de controle abstrato, há previsão da possibilidade de concessão de medida liminar, que pode consistir em suspensão de processos, dos efeitos de decisão ou qualquer outra medida compatível com a finalidade e natureza da ação.

Lei nº 9.882/99: Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.
§ 1º Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.
§ 2º O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.
§ 3º A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

 

Exemplos de ADPF

Na ADPF nº 273/MT, discutiu-se norma municipal que permitia o comércio de artigos de conveniência em farmácias. A ADPF buscava a inconstitucionalidade da norma, mas o STF entendeu que houve regular uso da competência legislativa suplementar do Município.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (CF, ART. 102, § 1º) – LEI Nº 2.774/2005 DO MUNICÍPIO DE VÁRZEA GRANDE/MT – DIPLOMA LEGISLATIVO QUE AUTORIZA E REGULAMENTA A VENDA DE ARTIGOS DE CONVENIÊNCIA EM FARMÁCIAS, EM DROGARIAS E EM ESTABELECIMENTOS CONGÊNERES – ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO FEDERAL PARA EDITAR NORMAS GERAIS SOBRE PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE (CF, ART. 24, INCISO XXII, §§ 1º E 2º) – INOCORRÊNCIA – NORMA ESTATAL CUJO CONTEÚDO MATERIAL, NA REALIDADE, ESTABELECE REGRAS SOBRE COMÉRCIO LOCAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS (CF, ART. 30, INCISO II) – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA IMPROCEDÊNCIA DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO – ADPF JULGADA IMPROCEDENTE. (STF – DJe-138 DIVULG 22-06-2017 PUBLIC 23-06-2017).

Na ADPF 291/DF, o STF entendeu não recepcionadas pela Constituição Federal a expressão “pederastia ou outro”, mencionada na rubrica enunciativa referente ao art. 235 do Código Penal Militar, e a expressão “homossexual ou não”, contida no referido dispositivo, mas manteve a recepção do tipo penal militar relativo a atos libidinosos praticados em ambientes sujeitos à administração militar.

2. Não se pode permitir que a lei faça uso de expressões pejorativas e discriminatórias, ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade existencial do indivíduo. Manifestação inadmissível de intolerância que atinge grupos tradicionalmente marginalizados. (STF – DJe-094 DIVULG 10-05-2016 PUBLIC 11-05-2016).

Na ADPF 156/DF, o STF entendeu não recepcionada a exigência prevista na CLT relativa à obrigação do depósito de multa para admissibilidade de recurso administrativo.

1. Incompatibilidade da exigência de depósito prévio do valor correspondente à multa como condição de admissibilidade de recurso administrativo interposto junto à autoridade trabalhista ( § 1o do art. 636, da Consolidação das Leis do Trabalho) com a Constituição de 1988. (STF – DJe-208 DIVULG 27-10-2011 PUBLIC 28-10-2011).

Na ADPF 54/DF o STF se debruçou sobre o Código Penal de 1940 e entendeu que seria inconstitucional a interpretação de que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do CP. (STF – DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013).

 

Referências

SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

Questões

(CESPE – TRF5 – Juiz Federal Substituto – 2015) No tocante às ações de controle concentrado, assinale a opção correta com base no entendimento do STF:

a) Cabe ao STF processar e julgar a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.
b) A despeito do caráter dúplice da ADI, o indeferimento de medida cautelar não dá margem à propositura de reclamação, visto que essa decisão não possui efeito vinculante.
c) A ADPF pode ser utilizada para o fim de rever ou cancelar súmula vinculante.
d) Dado o caráter subsidiário e complementar da ADPF, o município tem legitimidade para propô-la.
e) Não é cabível medida cautelar em ADI por omissão.

 

(FCC – TRT/MT – Analista Judiciário – Área Administrativa) A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental − ADPF, segundo o Supremo Tribunal Federal:

a) é um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
b) não pode ter natureza equivalente às ações declaratórias de inconstitucionalidade.
c) pode questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal, mas tal norma deve ser federal e posterior à Constituição vigente.
d) possui os mesmos legitimados para ajuizá-la que os da ação declaratória de inconstitucionalidade, salvo o Presidente da República.
e) é cabível, por ser autônoma, mesmo quando existir outro tipo de ação que possa ser proposta.

 

(TRT/RN – Juiz do Trabalho Substituto – 2015) Com base no regramento relativo ao processo e julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), é correto afirmar:

a) O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na ADPF, podendo essa consistir determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da matéria, independente da coisa julgada.
b) Caberá ADPF, exclusivamente, quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal ou estadual, incluídos os anteriores à Constituição.
c) Podem propor ADPF os legitimados para a Ação Declaratória de Constitucionalidade.
d) A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido formulado na ADPF será passível de Ação Rescisória, após o seu trânsito em julgado.
e) As entidades de classe de âmbito nacional detêm aptidão processual plena para propor ADPF, a exemplo do que dispõe a Constituição Federal.

 

(CESPE – TJ/DFT – Analista Judiciário – Judiciária – 2015) O STF pode admitir como ADPF ADI à qual tenha negado conhecimento, desde que presentes todos os requisitos para a sua admissibilidade.

Certo
Errado

STF – Informativo nº 887 comentado

Plenário
ADI e imunidade parlamentar
1ª Turma
Substituição de prisão preventiva por domiciliar e cuidados maternos
Repercussão geral e sobrestamento de processo-crime – 2
“Habeas corpus” e visita íntima
2ª Turma
Reclamação e índice de atualização de débitos trabalhistas -2
ICMS e lei estadual

Plenário

ADI e imunidade parlamentar

O julgamento foi suspenso para colher os votos dos ministros ausentes em assentada posterior.

 

1ª Turma

Substituição de prisão preventiva por domiciliar e cuidados maternos (HC 136.408/SP)

A Turma concedeu o habeas corpus para viabilizar a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, tendo em vista que a paciente tinha filho menor de 12 anos.

É caso de mera aplicação do art. 318, do Código de Processo Penal, que enuncia as hipóteses de substituição da medida cautelar encarceradora por outra mais adequada ao excepcional perfil subjetivo do agente.

CPP: Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I – maior de 80 (oitenta) anos;
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV – gestante;
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Esta conversão, ademais, foi inserida pela Lei nº 13.257/16, que trata de políticas públicas para a primeira infância. Este diploma, vale ressaltar, é derivação de um comando constitucional originário, presente no art. 227, da Constituição:

CF/88: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

Repercussão geral e sobrestamento de processo-crime – 2 (HC 127.834/MG)

Neste caso a Turma denegou a ordem de habeas corpus tendo em vista que o paciente buscava a suspensão de processo crime pela prática do delito previsto no art. 28, da Lei de Drogas:

Lei nº 11.363/06: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Como se percebe, o preceito secundário do crime em questão não possui pena de prisão.

Dessa forma, a Turma entendeu que o HC é via inadequada para o fim pretendido, visto que não há privação de liberdade:

O “habeas corpus” não é o meio adequado para discutir crime que não enseja pena privativa de liberdade. (HC 127.834/MG)

Relembre-se que, em se tratando do uso de drogas (art. 28, da Lei de Drogas), estamos diante de um fenômeno de descarcerização, e não descriminalização ou despenalização, pois a prática ainda é delituosa e possui penas.

 

“Habeas corpus” e visita íntima (HC 138.286)

A Turma entendeu que o habeas corpus não é o meio adequado para tutelar visita íntima, por não estar envolvido o direito de ir e vir.

 

2ª Turma

Reclamação e índice de atualização de débitos trabalhistas -2 (Rcl. 22.012/RS)

Este caso envolve reclamação constitucional ajuizada pela Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) contra acórdão do TST que determinou a alteração de índice de atualização de débitos trabalhistas, afastando a taxa referencial em prol do IPCA-E. Alguns aspectos processuais do julgamento merecem destaque.

Primeiro, temos o interesse de agir da federação.

A Turma entendeu inexistente interesse jurídico da mesma, visto que a federação não demonstrou como tal interesse teria sido violado pela decisão do TST.

Obs: relembre as hipóteses de cabimento da reclamação, segundo o novo CPC:

CPC: Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I – preservar a competência do tribunal;
II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;

No mérito, a Turma rechaçou a aplicação da tese da transcendência dos motivos determinantes. Esta teoria argumenta que os fundamentos que levam à decisão proferida em controle de constitucionalidade podem transcender ao caso concreto, passando a valer para outras situações congêneres mesmo que não tenham sido submetidas ao controle concentrado. Ou seja, não apenas o dispositivo  da decisão (efeito do controle), mas também seus fundamentos seriam vinculantes.

Nota: exemplo clássico disso ocorre quando uma lei de um Estado é julgada inconstitucional por um certo motivo e em outros âmbitos do Judiciário pede-se a inconstitucionalidade de outra lei de igual teor, mas de outro Estado, tendo em vista o aproveitamento ou transcendência dos motivos que determinaram a decisão precedente.

Se acatada a tese, os fundamentos vinculantes possibilitariam o manejo de reclamação (art. 988, III, do CPC), mas este não é o posicionamento majoritário no STF.

É muito importante ressaltar que a adoção da teoria da “transcendência dos fundamentos determinantes” nas decisões proferidas, no controle abstrato, pelo Supremo Tribunal Federal não se encontra pacificada no âmbito dessa Corte. […] Em face dessa realidade – a utilização da “transcendência dos fundamentos determinantes” estar em debate no Tribunal Maior -, a aplicação da teoria tem sido negada em julgados posteriores. (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 833).

Por fim, neste julgado a Turma ressaltou que não houve esgotamento das vias ordinárias antes do ajuizamento da reclamação (art. 988, §5º, II, do CPC), como determina a lei em casos em que a reclamação trata de RE com repercussão geral reconhecida ou RE ou REsp em regime de julgamento repetitivo. De fato, a reclamação não pode ser usada como sucedâneo de recurso. No caso, a decisão final no âmbito do TST admite a interposição de recurso extraordinário.

CF/88: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

CPC: Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
§ 5º É inadmissível a reclamação:
I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;
II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

ICMS e lei estadual (ARE 917.950/SP)

Definiu a turma que:

É válida lei estadual que dispõe acerca da incidência do ICMS sobre operações de importação editada após a vigência da EC 33/2001, mas antes da LC 114/2002, visto que é plena a competência legislativa estadual enquanto inexistir lei federal sobre norma geral, conforme art. 24, § 3º Constituição Federal.

Trata-se de aplicação do art. 24, §3º, da Constituição, o qual garante a competência plena dos Estados para legislarem sobre matéria de competência concorrente que ainda não seja alvo de regulação geral pela União.

CF/88: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Nesse caso, a discussão envolvia a tributação de veículo importado para uso próprio. O Estado de São Paulo legislou sobre a questão em 2001, mas em 2002 veio a LC nº 114/02, suspendendo a primeira no que fosse incompatível (§4º). Nesse meio tempo, entretanto, a legislação era plena e sua edição foi constitucional.

Estado de defesa e estado de sítio

Os estados de defesa e de sítio são duas condições fático-jurídicas cuja decretação cabe materialmente à União (art. 21, V), por meio de decisão privativa do Presidente da República (art. 84, IX) e pronunciamento meramente consultivo do Conselho da República (art. 90, I,) e do Conselho da Defesa Nacional (art. 91, §1º, II):

Art. 21. Compete à União: V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio;
Art. 90. Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre: I – intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio;
Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e dele participam como membros natos:
§ 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional: II – opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal;

Ambos os cenários representam situações de exceção, derivadas de circunstâncias extremas. A noção de exceção aqui trazida corresponde à visão de que a normalidade constitucional é rompida por certos eventos, justificando a adoção de medidas drásticas para o retorno de um estado saudável de vida constitucional.

É o chamado sistema constitucional das crises, consistente em um conjunto de normas constitucionais, que informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a mantença ou o restabelecimento da normalidade constitucional. (MORAES, 2016).

No âmbito da teoria do Direito e da ciência política, o estudo da exceção é objeto de fervorosos debates, tendo em vista que a mesma corresponde à inaplicabilidade do Direito mais reto. Sobre essa complicação, argumenta Giorgio Agamben:

[…] as medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal. (AGAMBEN, 2004, p. 11-12).

É diante desta situação de excepcionalidade que a Constituição de 1988 busca trazer limites e rédeas precisas aos estados de sítio e defesa. Exemplos maiores disso são a impossibilidade de reforma constitucional durante tais períodos (art. 60, §1º) e a manutenção das atividades parlamentares (arts. 85, II, e 138, §3º, da CF/88).

 

Estado de defesa

O estado de defesa pode ser estabelecido em locais restritos e determinados por tempo limitado quando se estiver diante de grave e iminente instabilidade institucional ou calamidades de grandes proporções na natureza.

CF/88: Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

Alguns destes critérios merecem destaque: a) a restrição geográfica de sua decretação, ou seja, as áreas atingidas devem ser especificadas expressamente; b) a sua delimitação cronológica, sendo necessária uma duração finita pré-definida.

No que diz respeito ao período da medida, define a Constituição:

CF/88: Art. 136, § 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.

Essa prorrogação, vale ressaltar, só é cabível uma vez no estado de defesa.

Diante da instituição pontual de uma situação excepcional na ordem jurídica, a Carta de 88 admite a restrição a direitos  e garantias previstos nela mesma, inclusive direitos fundamentais como o direito de reunião. Tais restrições hão de ser explicitadas no decreto emitido pelo Presidente, de forma a se evitar ao máximo a arbitrariedade e consolidação da exceção como regra.

CF/88: Art. 136, § 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I – restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

A decretação do estado de defesa é situação mais branca que a do estado de sítio, razão pela qual é desnecessária a autorização prévia do Congresso Nacional. Por outro lado, este será convocado para aprovar ulteriormente a medida.

 

Estado de sítio

A decretação do estado de sítio é medida mais gravosa que a do estado de defesa, razão pela qual o ato depende de autorização do Congresso Nacional, no exercício de sua competência exclusiva. A deliberação, se for necessário, ocorrerá por convocação extraordinária.

CF/88: Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
IV – aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;

Como se percebe, a participação do Congresso, como foco de representantes do povo e dos entes federados, é pressuposto de legitimação da extrema medida, em tese dando um suporte democrático à deliberação.

De fato, um caminho clássico à ditadura envolve a supressão do Poder Legislativo. A CF/88 busca manter incólume a função legislativa de forma a garantir a manutenção da ordem democrática. Isso se vislumbra em dispositivos já citados anteriormente e, especialmente, na manutenção das garantias dos parlamentares e na manutenção do funcionamento do Congresso:

CF/88: Art. 53, §8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.

CF/88: Art. 138, §3º O Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término das medidas coercitivas.

As hipóteses que permitem o pedido de estado de sítio pelo Presidente são a ineficácia de prévio estado de defesa e declaração de guerra ou agressão armada estrangeira:

 

Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

São os chamados estado de sítio repressivo (137, I) e o defensivo (137, II).

Vale frisar que, diferente do estado de defesa, a abrangência do estado de sítio pode ser local ou até mesmo nacional.

O pedido de instauração ou prorrogação feito pelo Presidente há de ser fundamentado e a decisão do Congresso depende de maioria absoluta de seus membros.

O decreto formalizado indicará a duração da medida, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas. Depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas. (art. 138, da CF/88).

De acordo com o fundamento de autorização, o estado de sítio admite limites diferentes.

No caso de ineficácia do estado de defesa prévio, a duração é de até 30 dias, mas é possível prorrogar por outras vezes por até tal período (não apenas uma vez, diferente do estado de defesa). No caso de guerra ou agressão, a duração pode envolver todo o período pertinente.

As medidas coercitivas justificadas pelo estado de sítio decretado em sucessão do estado de defesa ineficaz também são limitadas, apesar de já mais potentes que aquelas possíveis no decurso do simples estado de defesa:

CF/88: Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I – obrigação de permanência em localidade determinada;
II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV – suspensão da liberdade de reunião;
V – busca e apreensão em domicílio;
VI – intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII – requisição de bens.
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa.

 

A Constituição não traz delimitação das medidas cabíveis no estado de sítio decorrente de guerra ou agressão armada estrangeira, sendo eloquente este silêncio no sentido de que outras medidas adequadas ao estado de necessidade vivenciado. A doutrina comenta que:

Nessa espécie, toda e qualquer garantia constitucional pode ser suspensa. Não há limites. Enquanto perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira ele poderá ser decretado. (BULOS, 2014, p. 1447).

 

No que diz respeito à fiscalização, sindicância e responsabilização, a Constituição é clara ao definir que a Mesa do Congresso definirá comissão que acompanhará os eventos. Cessados tais estados excepcionais e seus efeitos, os ilícitos cometidos serão apurados e responsabilizados os infratores. No mais, o art. 141, parágrafo único, da CF/88, impõe o dever de transparência ao Presidente, que deverá prestar todos os esclarecimentos, justificações e descrição das medidas aplicadas e pessoas atingidas.

Já o controle jurisdicional é amplo, porque compete ao Poder Judiciário decidir, quando devidamente provocado, v. g., nas vias de mandado de segurança ou habeas corpus, sobre os abusos ou excessos cometidos pelos executores ou agentes do estado de sítio. (BULOS, 2014, p. 1448).

Referências

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2016.

 

 

Inconstitucionalidade por omissão e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

Em se tratando de inconstitucionalidade, ou seja, incompatibilidade contemporânea com a Constituição, é comum que o estudioso do Direito tenha em mente situações tipicamente comissivas (positivas), como a edição de uma lei ou ato normativo incompatível com a Constituição. A teoria constitucional contemporânea, entretanto, também estuda condutas omissivas (negativas, “non facere”) inconstitucionais, nas quais a inércia de um agente ou instituição é postura contrária à carta constitucional. Isso é possível porque diplomas normativos como a Constituição brasileira de 1988 se revestem de índole dirigente, razão pela qual comumente assumem compromissos e determinam a prática de condutas e edição de normas que visem à concretização dos objetivos fundamentais republicanos ou outros preceitos e valores dependentes de atuação infraconstitucional.

A manutenção de uma deliberada inércia para com compromissos constitucionais é situação prejudicial à ordem jurídica como um todo, podendo contribuir para a chamada síndrome de inefetividade da constituição:

Ora, o silêncio transgressor, a insinceridade normativa, a inércia legislativa, o programaticismo das cartas novecentistas, ou quaisquer outros nomes correlatos à omissão inconstitucional, devem ser repudiados, porquanto produzem a síndrome de inefetividade das constituições, responsável pela erosão da consciência constitucional. (BULOS, 2015, p. 151).

Essa inércia, entretanto, para se revestir do vício da inconstitucionalidade, há de ignorar diretamente um explícito mandamento constitucional. Nesta toada, a doutrina informa que omissões decorrentes da leitura sistemática ou de posições implícitas da Constituição não seriam omissões inconstitucionais:

Somente o descumprimento de um preceito ou princípio constitucional individualizado, concreto e explícito é capaz de ensejar a categoria. Por isso, a omissão inconstitucional não é obtida em face do sistema em bloco. […] Apenas se afigura na seara dos mandamentos específicos, expressos e cristalinos, cuja inexequibilidade, em concreto, frustra o cumprimento da constituição. (BULOS, 2015, p. 152-153).

Ainda, a inexistência de norma ou ato de edição obrigatória deve ser proposital, deliberada. Nestes termos, não se poderia reconhecer inconstitucionalidade na simples demora dos atores legislativos. Exemplo disso são temas que encontram infindáveis debates  e deliberações no Poder Legislativo, mas sem a concretização em lei.

No Brasil, as normas constitucionais de eficácia limitada (que pela classificação de José Afonso da Silva, são as que dependem da edição de norma infraconstitucional para surtirem seus efeitos positivos) são as típicas vítimas da inconstitucional inércia legislativa. Estas normas, quando carente da sua complementação infraconstitucionais, criam lacunas técnicas, insuperáveis pelos métodos comuns de integração do Direito, como a analogia e aplicação dos princípios gerais. Exemplos são comuns na CF/88, como as “condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos” (art. 199, §4º) ou a partilha federativa de recursos fiscais prevista no art. 91, do ADCT (ADO nº 25).

Detectada a omissão inconstitucional, é possível o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) diretamente no Supremo Tribunal Federal, nos moldes da Lei nº 9.868/99.

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é uma demanda objetiva integrante do sistema de controle concentrado de constitucionalidade (sem controvérsia ou litígio individualizado) instaurada perante o STF. Tal ação não serve para alcançar a solução de conflitos individuais ou de casos concretos. Seu objeto é a omissão inconstitucional abstratamente observada e sua previsão é inaugurada na Constituição de 1988:

CF/88: Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
§2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Essa omissão pode ocorrer teoricamente em âmbito federal ou estadual:

Resta evidente, assim, que o objeto da ADO poderá ser omissão legislativa federal ou estadual, ou ainda omissões administrativas que afetem a efetividade da Constituição. (MENDES; BRANCO, 2015, p. 1200).

Em conformidade com o texto constitucional, a praxe forense relativa à ADO revela que o provimento e finalidade precípua da ação é a cientificação do Poder ou órgão inerte, para que sejam adotadas as medidas cabíveis. No caso do Poder Legislativo, em comum respeito ao princípio da separação dos poderes, essa cientificação não tem qualquer efeito cogente. Sendo órgão administrativo, o provimento do STF seria vinculante e mandamental. Vê-se que é possível que a norma faltante pode ser lei em sentido estrito ou ato normativo secundário (como instruções normativas), desde que o mesmo seja imprescindível à satisfação do mandamento constitucional.

A legitimidade ativa para propositura é a mesma da ADI:

CF/88: Art. 103. […]
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

O procedimento a ser observado está previsto na Lei nº 9.868/99, com alterações pela Lei nº 12.063/09.

De início, a petição inicial há de: a) expor a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa; e b) fazer o pedido com suas especificações (art. 12-B). A peça deve ser acompanhada, naturalmente, de procuração e dos documentos comprobatórios da alegada omissão. Não supridas estas especificidades, o Relator irá indeferir a petição inicial, decisão que poderá ser alvo de agravo (art. 12-C, parágrafo único).

Proposta a ação, não se admitirá desistência, tendo em vista que a pretensão jurídica aqui é objetiva e potencialmente diz respeito a todos os cidadãos, visto que trata da efetividade da carta constitucional.

À semelhança do rito da ADI, aplicável à ADO de forma geral: a) o processo correrá com o pedido de informações ao Poder ou órgão envolvido; b) não se admitirá intervenção de terceiros, sendo possível a participação de amicus curiae; c) será possível a concessão de medida cautelar (cuja efetividade e utilidade, neste caso, é discutida pela doutrina); e d) será ouvido o Procurador-Geral da República, no caso de ele não ter proposto a ação.

No que se refere à medida cautelar, explica a Lei nº 9.868/99:

Art. 12-F.  Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 1o  A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal.

Diferentemente da ADI, entretanto, temos que a manifestação do Advogado Geral da União não é obrigatória (visto que não há ato normativo para defender). A manifestação do mesmo dependerá de posicionamento do relator do caso. 

 

Omissão parcial

Como se viu anteriormente, a omissão que pode ser alvejada pela ADO pode ser total (absoluta), situação em que o mandamento constitucional é ignorado em sua integralidade; ou parcial (relativa), ocasião em que há o parcial atendimento da obrigação normativa constitucional, gerando inconstitucionalidade por insuficiência ou por violação da igualdade (neste último caso, lembre-se de situações em que a lei, ferindo a igualdade, gera benefício para uma categoria, mas ignora outra que, em termos de isonomia, deveria ter tido o mesmo tratamento).

A abordagem processual da omissão parcial é tema tormentoso e discutido fervorosamente na doutrina.

O que se pode perceber é que, mesmo existindo uma insuficiência, há ato normativo existente (e viciado), o que, em tese, viabiliza a apresentação também da ADI. Há autores que vão entender pela fungibilidade entre ADI e ADO em tais situações, mesmo que existam precedentes no STF em sentido contrário.

A maior dificuldade dessa discussão reside na abordagem desse diploma viciado por inconstitucionalidade por omissão parcial, pois a decretação de nulidade (comum efeito do controle concentrado) seria situação ainda mais prejudicial do que a manutenção da lei ou ato na forma em que se encontra (algo como “melhor parte do que nada”).

Dado que no caso de uma omissão parcial existe uma conduta positiva, não há como deixar de reconhecer a admissibilidade, em princípio, da aferição da legitimidade do ato defeituoso ou incompleto no processo de controle de normas, ainda que abstra­to. Tem-se, pois, aqui, uma relativa, mas inequívoca fungibilidade entre a ação direta de inconstitucionalidade (da lei ou ato normativo) e o processo de controle abstrato da omissão, uma vez que os dois processos – o de controle de normas e o de controle da omissão – acabam por ter – formal e substancialmente – o mesmo objeto, isto é, a inconstitucionalidade da norma em razão de sua incompletude.
É certo que a declaração de nulidade não configura técnica adequada para a eliminação da situação inconstitucional nesses casos de omissão inconstitucional. Uma cas­sação aprofundaria o estado de inconstitucionalidade, tal como já admitido pela Corte Constitucional alemã em algumas decisões (MENDES; BRANCO, 2015, p. 1205).

A solução trazida por parte da doutrina, enquadrada dentro do limitado escopo prático da ADO, seria a simples declaração de inconstitucionalidade sem declaração de nulidade (ocasião em que o STF reconhece a inconstitucionalidade, mas não cassa ou nulifica a norma impugnada, que permanecerá no ordenamento), convocando-se novamente o Poder ou órgão omisso para tomar as providências adequadas.

 

Referências

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

Questões

(CREA-MG – Advogado – 2014) Assinale a alternativa correta acerca da ação direta de inconstitucionalidade por omissão:

a) Cabem embargos da decisão que indeferir a petição inicial.
b) Proposta a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, se admitirá desistência.
c) O relator deverá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da União, no prazo de 15 (quinze) dias.
d) O Procurador-Geral da República, nas ações em que não for autor, terá vista do processo, por 15 (quinze) dias, após o decurso do prazo para informações.

 

 

(FCC – TRT da 7ª Região – Oficial de Justiça – 2009) Na hipótese de o poder público se abster do dever de emitir um comando normativo, exigido pela Constituição Federal, é cabível a Ação Direta de inconstitucionalidade

a) obrigacional.
b) por omissão.
c) genérica.
d) interventiva.
e) mandamental.

 

 

(CESPE – PGE-AL – Procurador do Estado – 2009) Acerca da ADI por omissão e de temas correlatos, assinale a opção correta.

a) A omissão do poder público que justifica o ajuizamento da ADI por omissão é aquela relativa às normas constitucionais de eficácia contida de caráter impositivo, em que a CF investe o legislador na obrigação de expedir comandos normativos.
b) Desde a promulgação da CF, o STF entende que é cabível a concessão de medida liminar em sede de ADI por omissão.
c) É incabível a modulação dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade em sede de ADI por omissão.
d) Nos últimos dois anos, a jurisprudência do STF evoluiu quanto aos efeitos das decisões que reconhecem a omissão do legislador, seja em sede de ADI por omissão, seja em sede de mandado de injunção. De um caráter meramente declaratório e mandamental, passou a fixar prazo razoável para que o Congresso Nacional supra a omissão, chegando até a proferir sentenças de perfil aditivo.
e) Em se tratando de reconhecimento de omissão inconstitucional perpetrada por órgão administrativo, o STF, em sede de ADI por omissão, está livre para fixar o prazo para que o órgão adote as providências necessárias para sanar o vício, uma vez que a CF não prevê prazo específico.

STF – Informativo nº 886 comentado

Plenário
ADI: amianto e efeito vinculante de declaração incidental de inconstitucionalidade
Amianto e competência legislativa concorrente – 16
ADI e Programa Mais Médicos
1ª Turma
Cômputo do tempo de prisão provisória e reconhecimento da prescrição da pretensão executória
ED e juízo de admissibilidade de RE – 2
Súmula Vinculante 37: reajuste de 13,23% e Lei 13.317/2016 – 2
2ª Turma
Conselho Nacional de Justiça: processo disciplinar e competência autônoma

Plenário

ADI: amianto e efeito vinculante de declaração incidental de inconstitucionalidade (ADI 3.406 e 3.470)

Este julgamento trata da polêmica questão do uso econômico e extração do amianto/asbesto, espécie de mineral com reconhecidas capacidades cancerígenas.

O Plenário julgou improcedentes as ações diretas, que buscavam o reconhecimento de inconstitucionalidades diversas em diploma estadual que traz rigoroso tratamento ao manuseio do amianto no Rio de Janeiro.

O voto vencedor reforça de início que a competência legislativa dos Estados é suficiente para regular aspectos da exploração do amianto relacionados com a produção e consumo, proteção do meio ambiente e controle da poluição e proteção e defesa da saúde, desde que não confronte norma federal correlata.

Nestes termos, a Lei nº 9.055/95, de índole nacional, disciplinou o manuseio do amianto de forma geral, conforme determina a Constituição Federal. Funcionando como espécie de guia teleológico, a norma federal serviria como parâmetro mínimo para definir a proteção ao meio ambiente e da saúde pública, podendo os Estados reforçarem esta tutela.

Nota: frise-se que no âmbito da competência (legislativa) concorrente, o papel da União é o de estabelecer normas gerais.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
V – produção e consumo;
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

 

Amianto e competência legislativa concorrente – 16 (ADPF 109/SP)

Na esteira do julgado acima, a Corte julgou improcedentes pedidos semelhantes formulados em face de normas dos Estados do Rio Grande do Sul e Pernambuco e do Município de São Paulo. Novamente, ratificou-se a visão de que são constitucionais as normas que vedam o uso, a comercialização e a produção de produtos à base de amianto/asbesto.

A Corte também declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 9.055/95, que permite o uso do asbesto branco.

 

ADI e Programa Mais Médicos (ADI 5035/DF)

Trata-se de ação direta movida contra preceitos da MP nº 621/13, posteriormente convertida em Lei nº 12.871/13, que trata do programa “Mais Médicos”.
A Corte debruçou-se sobre o tema e rechaçou as suscitadas hipóteses de inconstitucionalidade, conforme se vislumbra no excerto abaixo transcrito:

Assinalou que a ocorrência de problemas na aplicação da lei não afeta a constitucionalidade do modelo, opção legítima para a maior preocupação da sociedade que é a saúde. A norma atacada pode não ter sido a melhor opção do ponto de vista técnico, mas foi opção de política pública válida para tentar minimizar a dificuldade de se fazer chegar a possibilidade de atendimento médico aos locais mais distantes. Com esteio nos arts. 3º, III (2); 170 (3) e 198 (4) da CF/1988, verificou-se forma para que se pudesse levar o serviço médico a todos os rincões.

Ao reconhecer a existência de uma opção política, o STF prezou pela harmonia dos poderes, reconhecendo a legitimação do Poder Executivo para definir os meios pelos quais quer buscar a proteção da saúde. O tribunal não vislumbrou violações constitucionais no que diz respeito às diretrizes do ensino e saúde, julgando improcedente o pedido.

 

Primeira turma

Cômputo do tempo de prisão provisória e reconhecimento da prescrição da pretensão executória

Neste caso a Turma julgou prejudicado o HC em virtude da superveniência de decisão na Vara de origem, que reconheceu a prescrição da pretensão executória do Estado.

 

ED e juízo de admissibilidade de RE -2 (ARE 688.776)

A situação subjacente a este julgado envolve a inadmissão, na origem, do Recurso Extraordinário interposto. Ou seja, contra decisão de Tribunal, a parte interpõe Recurso Extraordinário que, ao ser apreciado pelo Presidente ou Vice-Presidente da corte de origem, vem a ser denegado. É o caso narrado no art. 1.030, do CPC atual:

CPC: Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:
a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos;
b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou
c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação.

Em face do despacho denegatório, a parte apresenta embargos de declaração, buscando convencer o Presidente a reformar sua decisão.

O que a Primeira Turma do STF entende é que esses embargos não suspendem ou interrompem o prazo para interposição do recurso típico nesta situação: o agravo em recurso extraordinário (arts. 1.030 e 1.042, do CPC).

CPC: Art. 1.030, § 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042.
Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

Nota: nos casos de explícita inexistência de repercussão geral, compatibilidade com tese já firmada pelo STF em regime de repercussão geral ou recursos repetitivos, o denegamento do Presidente se dá por autorizativo diverso (art. 1.030, I, do CPC), sendo esta decisão combatida por outro agravo: o agravo interno, para julgamento pelo próprio Tribunal de origem (art. 1.021, do CPC).

Esta é solução ao julgamento iniciado à época do Informativo nº 700, em que já foi explicitado o voto vitorioso:

Destacou a jurisprudência da Corte segundo a qual os embargos de declaração opostos contra a decisão do Presidente do Tribunal de origem que não admitira o recurso extraordinário, por serem incabíveis, não suspenderiam o prazo para interposição de outro recurso. (Informativo 700 – ARE 688776/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 2.4.2013.

 

Súmula Vinculante 37: reajuste de 13,23% e Lei 13.317/2016 – 2

Na mesma esteira de diversos outros julgados, a Turma relembrou a jurisprudência pacífica no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.

Súmula Vinculante 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.

 

Segunda turma

Conselho Nacional de Justiça: processo disciplinar e competência autônoma (MS 34.685)

Neste julgado, a Segunda Turma definiu que a competência investigativa e disciplinar originária do Conselho Nacional de Justiça, ao contrário da revisional, não se sujeita ao parâmetro temporal previsto no art. 103-B, §4º, V, da Constituição Federal.
Com efeito, a revisão oficiosa ou provocada de processos disciplinares de membros do Poder Judiciário há de ocorrer em até um ano após o respectivo julgamento:

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: […]
§4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

Por outro lado, a atuação originária, não derivada de outro processo judicial ou procedimento administrativo, não esbarra neste óbice, razão pela qual a disciplina pode ser aplicada mesmo em casos em que já houve julgamento anterior há mais de um ano, desde que este não seja a razão de ser da ulterior atuação do CNJ. Eis excertos importantes do informativo:

A defesa alegou que um dos fatos que constitui objeto da denúncia já havia sido julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tendo o agravante sido eximido da responsabilidade por decisão de mérito. Sustentou também que, arquivado o processo, a revisão disciplinar só poderia ser instaurada a menos de um ano do julgamento, conforme o art. 103-B, § 4º, V da Constituição.
A Turma, entendeu que o CNJ tem preponderância sobre os dos demais órgãos do Poder Judiciário com exceção do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Colegiado compreendeu, ainda, que o processo administrativo disciplinar instaurado pelo CNJ se deu em virtude de reclamação disciplinar autônoma, não estando relacionado à decisão do TSE. Ademais, asseverou não haver evidências de ilegalidade ou abuso de poder na atuação do CNJ, que apresenta capacidade correicional e autônoma para apreciar o atendimento, pelo magistrado, dos deveres jurídicos da magistratura.

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