O “amigo da corte”, ou amicus curiae, é sujeito processual que visa à ampliação do debate sobre determinado assunto e atingimento de uma decisão mais democrática ou plural. Outra preocupação jurisdicional que envolve o papel deste terceiro é a necessidade de o julgador compreender aspectos relevantes da lide que podem ser melhor expostos por tais terceiros, em face de sua excepcional representatividade e conhecimento.
Dessa forma, é possível a presença de mais de um destes terceiros, defendendo inclusive interesses contrapostos, de forma a auxiliar a Justiça a atingir uma decisão devidamente orientada e ciente de todas as circunstâncias relevantes.
É uma figura que muito dialoga, em âmbito constitucional, com a ideia de “sociedade aberta dos intérpretes” de Peter Häberle. Para este estudioso, a interpretação da Constituição não deve se resumir aos entendimentos das Cortes Supremas, devendo existir caminhos para que a sociedade como um todo dê sua contribuição para a interpretação e aplicação da Constituição que lhe guia jurídica e politicamente. Para Häberle, portanto, é necessária uma interpretação inclusiva plural das Constituições, não limitado a um fechado e restrito círculo de intérpretes.
Por força de lei, processos que envolvem objeto de atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já apresentavam a necessidade de intervenção destas autarquias, tendo em vista a especificidade de tais demandas e a potencial contribuição dessas entidades. De forma mais genérica, a Lei nº 9.868/99 já possuía previsão da contribuição do amicus curiae nos processos de controle concentrado de constitucionalidade:
Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.
§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
O instrumento foi ampliado na ótica do Código de Processo Civil de 2015 e é cabível em praticamente todos os procedimentos (como os Juizados Especiais) e fases processuais, mas deve ser observada a posição do STF e STJ no sentido de que tal ingresso deve ocorrer antes da inclusão em pauta de julgamento (analogamente, seria a conclusão em primeiro grau). É necessário aguardar o amadurecimento da aplicação do novo CPC a fim de averiguar se esta direção mantém-se forte:
Por esse potencial de pluralização do debate processual, a propósito, é que o Novo Código tornou possível a intervenção de amicus curiae toda vez que a sua participação posso contribuir para uma melhor solução para a causa e eventualmente para a formação de precedente a respeito da matéria (art. 138). (MARINONI, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, recurso digital).
Trata-se de intervenção voluntária de terceiros (podendo ser espontânea, por própria iniciativa do interessado, ou simplesmente voluntária, após convocação pelo juiz ou partes) com os seguintes parâmetros ditados pelo CPC:
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.
§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
O amicus curiae, portanto, pode ser pessoa física ou jurídica, contanto que tenha representatividade adequada. Ou seja, deve possuir alguma relação com o tema discutido, conhecimento suficiente para colaborar com uma decisão mais adequada.
Uma associação científica possui representatividade adequada para a discussão de temas relacionados à atividade científica que patrocina; um antropólogo renomado pode colaborar, por exemplo, com questões relacionadas aos povos indígenas; uma entidade de classe podeajudar na solução de questão que diga respeito à atividade profissional que ela representa etc. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 530).
A admissão ou solicitação de intervenção do amicus curiae é irrecorrível. A decisão de inadmissão, a seu turno, encontra divergência doutrinária. Didier Jr. (2016) e Donizetti (2016) entendem ser recorrível, em face da literalidade do texto legal. Essa posição parece majoritária e também é ratificada pela importância do papel do amicus curiae na perspectiva instrumental e colaborativa do processo. Wambier e Talamini (2016) entendem ser decisão irrecorrível.
Também é notável que não há deslocamento de competência ocasionada pela inserção deste terceiro (§1º). Assim, mesmo que este tenha natureza federal, não emerge necessidade de deslocamento da lide para a Justiça Federal.
Como se observa, o amicus curiae ingressa no feito com poderes reduzidos, notadamente na seara recursal. Ainda assim, é permitida a oposição de embargos de declaração de forma geral e interposição de recurso nos casos de incidente de resolução de demandas repetitivas.
É interessante, ademais, observar a visão lançada por Donizetti sobre um valioso papel do amicus curiae na legitimação dos precedentes judiciais, diante da tendência de fortalecimento da jurisprudência no novo CPC. Com efeito, com esta nova perspectiva lançada sobre a força da jurisprudência e incremento das hipóteses de vinculação dos Juízos submetidos, é importante que a decisão proferida tenha legitimidade:
Por tais razões é que a intervenção do amicus curiae se tornou uma forma de legitimação dos procedentes judiciais, pois viabiliza uma interpretação pluralista e democrática, permitindo que a decisão proferida em determinado caso concreto seja adotada como regra geral para casos idênticos. (DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2016, recurso digital).