No âmbito de estudos da teoria da constituição, tópico recorrente diz respeito às concepções da constituição. Essa abordagem visa a compreender visões doutrinárias lançadas sobre o objeto de estudo (as constituições), pois cada uma dessas visões emana luz e enfoque distinto sobre as ideias subjacentes, a origem, a natureza, o papel e essência do fenômeno constitucionalizante.

Além da contemporânea noção básica de que a constituição é a norma jurídica máxima que organiza e estrutura do Estado e exercício do Poder e determina direitos, garantias e deveres fundamentais das pessoas submetidas ao soberano, a doutrina enumera uma multiplicidade de outras visões (ou concepções), sendo praticamente unânime a percepção de que não há na prática uma acepção definitiva e única de constituição.

As concepções (ou sentidos) de constituição mais estudados são os seguintes:

Política: é teorizada pelo jurista alemão Carl Schmitt, o qual desenvolveu profícuos estudos relacionados com o exercício do poder e manteve controverso relacionamento com o regime nazista. A concepção política é decisionista. Isso quer dizer que a constituição é fruto de uma decisão política fundamental que visa a formar uma unidade política. A constituição em si, portanto, seria esse complexo normativo que diz respeito às questões mais essenciais da vida jurídica, como direitos e garantias individuais e organização do poder. Fora desta essência, teríamos apelas meras “leis constitucionais”. A visão política assim se denomina por dialogar mais intensamente com o objeto da ciência política, que é a conformação do Estado e do poder (ambos íntimos tópicos do processo constituinte originário).

Complementa a doutrina:

Ele admitia que só seria possível uma noção de constituição quando se distinguisse consti­tuição de lei constitucional.
Para os adeptos desse pensamento, constituição é o conjunto de normas que dizem respeito a uma decisão política fundamental, ou seja, aos direitos individuais, à vida democrática, aos órgãos do Estado e à organização do poder.

Lei constitucional, por outro lado, é o que sobra, isto é, que não contém matéria correlata àquela decisão política fundamental. (BULOS, 2014, p. 104).

Sociológica: é a concepção atribuída ao polaco Ferdinand Lassalle. Para o mesmo, a constituição só se configura efetivamente como tal quando representa os fatores reais do poder (termo essencial de sua teoria). O termo, simplificadamente, diz respeito à representação (nas normas) das fontes de poder na sociedade, ou seja, na realidade, na vida concreta em sociedade. Relembre que a Sociologia é uma disciplina voltada ao estudo científico de fenômenos sociais, ou seja, de sociedades em seu estado concreto e real, daí a razão pela qual a visão sociológica da constituição voltar especial atenção à realidade do exercício do poder e dos agentes que o exercitam. Consequência desta visão é a ausência de natureza constitucional ao simples “texto constitucional” cujo teor não corresponde aos fatores reais do poder.

De acordo com a doutrina:

Para Lassale, o docu­mento escrito com o nome de Constituição, se não espelhar fielmente esse paralelogra­mo de forças opostas e eficazes, não será de serventia alguma, não passando de um pe­daço de papel. Bem se vê que essa concepção carece de toda perspectiva normativa, não convindo às especulações do Direito Constitucional. (MENDES, 2015, p. 55).

Jurídica (ou lógico-jurídica): trata-se de concepção atribuída ao austríaco Hans Kelsen (o “mestre de Viena”), para o qual a constituição seria a norma hipotética fundamental (não positivada, mas que fundamenta o ato legislativo central) de um sistema, com superioridade no ordenamento e pureza jurídica, sem fundamento social ou político. É uma visão lógico-jurídica, com enfoque nítido na hierarquia do ordenamento jurídico. Tal concepção é jurídica porque foca-se exatamente na lógica hierárquica das normas, sem especial preocupação filosófica, política ou sociológica, o que não quer dizer que Kelsen ignorava tais perspectivas, mas apenas que sua teorização científica as abstraía.

Segundo a doutrina:

Kelsen vê as Constituições apenas no sentido jurídico; Constituição é, então, considerada norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretensão a fundamentação sociológica, política ou filosófica. (PIMENTA, 2007, p. 64).

Mas Kelsen, ao analisar a estrutura hierárquica da ordem jurídica, também distinguiu os sentidos formal e material de uma constituição.
Sentenciou que a constituição em sentido formal é certo documento solene, traduzido num conjunto de normas jurídicas que só podem ser modificadas mediante a observância de prescri­ções especiais, que têm por objetivo dificultar o processo reformador.
Já a constituição em sentido material é constituída por preceitos que regulam a criação de normas jurídicas gerais. (BULOS, 2014, p. 103).

Complementação

Outras concepções contemporâneas são relevantes:

Constituições biomédicas, constituições biológicas ou, simplesmente, bioconstituições são aque­las que consagram normas assecuratórias da identidade genética do ser humano, visando reger o processo de criação, desenvolvimento e utilização de novas tecnologias científicas. Visam assegu­rar a dignidade humana, salvaguardando biodireitos e biobens. (BULOS, 2014, p. 106).

Constituição dirigente: no dizer de J. J. Gomes Canotilho, são as constituições com pretensão de direcionamento da atividade estatal, determinando uma direção sócio-política de atuação e desenvolvimento pautada nos valores insertos na carta.

Constituição como processo público: Defensor dessa concepção: Peter Haberle. Procura compreender o texto constitucional como documento de uma sociedade pluralista e aberta, como obra de vários partícipes, como uma ordem jurídica fundamental do Estado e da sociedade. (BULOS, 2014, p. 111).

Referências

BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustvao Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.
PIMENTA, Marcelo V. A. Teoria da constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

Questões

VUNESP – TJ-MS – Juiz Substituto (2015) Considerando os diferentes conceitos de Constituição, abordados sob a ótica peculiar de diversos doutrinadores, analise as seguintes manifestações sobre o tema:
I. Constituição é a soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação.
II. Constituição é a decisão política fundamental sem a qual não se organiza ou funda um Estado.
Assim, é correto afirmar que os conceitos I e II podem ser atribuídos, respectivamente, a:

a) Ferdinand Lassale e Hans Kelsen.

D

b) Hans Kelsen e Konrad Hesse.

D

c) Konrad Hesse e Carl Schimitt.

D

d) Ferdinand Lassale e Carl Schimitt.

Exato

e) J.J. Canotilho e Hans Kelsen.

D

 

INSTITUTO CIDADES – DPE-AM – Defensor Público (2011) A respeito do conceito e da classificação da Constituição, é correto afirmar que:

a) A Constituição, na clássica definição de Lassalle, é a decisão política fundamental de um povo, insculpida em um texto normativo que goza de superioridade jurídica frente às demais normas constitucionais.

C. Schmitt

b) Para Carl Schimit, a Constituição é a norma jurídica fundamental do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade para as demais normas jurídicas.

H. Kelsen

c) No entendimento de Hans Kelsen, a Constituição é resultado das forças reais de poder, buscando o seu fundamento de validade em uma norma jurídica epistemológica

F. Lassalle

d) Para Carl Schmit, não há razão para se fazer distinção entre normas constitucionais em sentido formal e em sentido material, pois tudo o que está na Constituição tem o mesmo status constitucional.

Há divisão entre constituição e leis constitucionais.

e) No sentido ontológico (Karl Loewenstein), a Constituição pode ser classificada em semântica, nominal e normativa. A Constituição Federal de 1988 é um exemplo de Constituição normativa

A frase final é controversa, mas o restante é correto. Para Loewenstein, a classificação normativa implica constituição que efetivamente rege o processo político na sociedade. A classificação nominal seria das constituições que pretendem reger os processos políticos, mas que ainda não alcançou realmente tal pretensão.

 

CS-UFG – Prefeitura de Goiânia – Procurador do Município (2015) A teoria da Constituição, segundo a doutrina constitucionalista, é o conjunto de categorias dogmático-científicas que possibilitam o estudo dos aparelhos conceituais e dos métodos de conhecimento da lei fundamental do Estado. No que tange ao conceito de constituição, considerando a sua pluralidade de acepções, depreende-se que:

a) Constituição Sociológica – é que se irmanara com os fatores reais de poder, que regem a sociedade, e equivalem à força ativa de todas as leis da sociedade, entendimento esse atribuído primordialmente a Konrad Hesse.

F. Lassale. Konrad Hesse é o pai da teoria da força normativa da constituição.

b) Constituição como ordem material e aberta da comunidade – serviria para delinear os fundamentos e os princípios que norteiam o funcionamento do Estado, tendo como meta resolver conflitos da comunidade, disciplinando as relações sociais em constante evolução, sentido empregado por Ferdinand Lassalle.

Essa visão plural é de Peter Haberle

c) Constituição Plástica – é aquela que apresenta uma mobilidade, projetando a sua força normativa na realidade social, política, econômica e cultural do Estado, conforme a perspectiva defendida por Raul Machado Horta.

Correto. A noção de plasticidade diz respeito à maleabilidade da constituição para se adaptar às situações fáticas e circunstâncias concretas.

d) Constituição Política – é o conjunto de normas que dizem respeito a uma decisão política fundamental, ou seja, aos direitos individuais, à vida democrática, aos órgãos do Estado e à organização do poder, tendo como seu principal defensor Hans Kelsen.

C. Schmitt