A transação penal é instituto jurídico típico dos juizados especiais criminais (Lei nº 9.099/95) e corresponde à aplicação imediata de de pena restritiva de direitos ou multas ao acusado de praticar delito de menor potencial ofensivo. O infrator que se submete à transação penal não sofre os efeitos da reincidência pelo delito cometido e não é prejudicado em termos de antecedentes criminais. A aceitação do benefício, ademais, não traz repercussão na esfera cível. É uma medida que se verifica na fase preliminar do processo, antes de iniciada efetivamente a ação penal.

Nota: lembre-se que a transação penal só se aplica ao microssistema processual dos juizados especiais criminais, de forma que apenas os praticantes de infrações de pequeno potencial ofensivo podem se beneficiar do instituto. Também é imperioso ressaltar que delitos sujeitos à Lei Maria da Penha não se beneficiam da medida, nos moldes da Súmula nº 536, do STJ.

Art. 61, da Lei nº 9.099/95: Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

STJ – Súmula nº 536: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.

A ideia da transação, seguindo a principiologia dos juizados (economia processual, simplicidade, conciliação etc.), é a de se buscar uma solução ao litígio penal de forma rápida e econômica, prescindindo da onerosa movimentação da máquina jurisdicional. Isso leva em conta o fato de que os delitos pertinentes em tais situações são de menor lesividade, sendo mais adequada a rápida aplicação de penas alternativas. Dessa forma, o Ministério Público (ou o querelante) oferece o acordo ao infrator, que, se aceitar, se submete imediatamente às condições postas, mas não precisa sujeitar-se à ação penal.

Nota: existe aí uma peculiar relativização do princípio da obrigatoriedade (de apresentação da denúncia pelo MP), justificada, como política criminal legislativa, pela menor lesividade social da conduta e reprovabilidade do agente).

A previsão legal é a seguinte:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

A doutrina majoritariamente entende que o órgão acusatório há de oferecer a proposta (postura vinculada, obrigatória), caso estejam presentes os requisitos legais. O fato de a ação penal ser de índole privada não impede o oferecimento do benefício:

Admitida a possibilidade de transação penal e de suspensão condicional do processo em crimes de ação penal de iniciativa privada, há necessidade de se analisar a legitimidade para a formulação da proposta. Há entendimento segundo o qual a proposta de transação penal deve ser feita pelo Ministério Público, desde que não haja discordância da vítima ou de seu representante legal. Aliás, é exatamente nesse sentido o teor do enunciado n° 112, aprovado no XXVII FONAJE- Fórum Nacional de Juizados Especiais-, realizado em Palmas/TO: “Na ação penal de iniciativa privada, cabem transação penal e a suspensão condicional do processo, mediante proposta do Ministério Público”. (LIMA, 2016, p. 231).

A transação, cuja legalidade será apreciada pelo Juízo antes de homologação, apesar de subtrair do acusado a possibilidade de defesa e eventual absolvição em um potencial processo criminal, traz seus benefícios, como relembra a doutrina:

Essa decisão que homologa a transação penal não gera reincidência, reconhecimento de culpabilidade, nem tampouco efeitos civis ou administrativos, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de 5 (cinco) anos (art. 76, § 6°). Aliás, como já decidiu o próprio STJ, eventual anotação de transação penal, isoladamente considerada, não pode ser usada contra o autor do fato nem mesmo para fins de valoração negativa em concursos públicos. (LIMA, 2016, p. 233).

Caso a oferta seja negada, a parte interessada há de apresentar a respectiva denúncia ou queixa, possibilitando o desenrolar da demanda criminal.

O descumprimento das condições transacionadas retorna o feito ao seu estado anterior, possibilitando o prosseguimento da ação penal. De fato, a homologação do acordo não faz coisa julgada material, como bem explica a Súmula Vinculante nº 35, de forma que não há conversão em pena privativa de liberdade, nem preclusão da acusação:

STF – Súmula Vinculante nº 35: A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.

Complementos

Diferenças com a suspensão condicional do processo

A suspensão condicional do processo também é instituto afeito aos delitos de penas reduzidas e aos princípios de simplificação e economia processual, mas difere da transação penal em seus efeitos, amplitude e requisitos. Em termos gerais, é benefício que implica a estagnação do processo por prazo determinado (2 a 4 anos), no qual o acusado há de se submeter a certas condições. Ao fim deste prazo, sem que tenha ocorrido revogação do benefício, será declarada extinta a punibilidade.

Com efeito, a suspensão condicional é mais ampla por ter aplicação além do rito procedimental previsto na Lei nº 9.099/95, abrangendo delitos que não se encaixam no substrato de menor potencial ofensivo (permanece inaplicável a delitos sujeitos à Lei Maria da Penha). De fato, o requisito objetivo para aplicação da suspensão é a pena mínima igual ou inferior a 1 (um) ano. Não há restrição em relação à pena máxima. Assim, crimes como o dano qualificado e o abandono de incapaz (6 meses a 3 anos), que não são crimes de menor potencial ofensivo, ainda podem sujeitar-se à suspensão.

 

Diferenças com a suspensão condicional da pena (sursis)

A sursis é instituto previsto no Código Penal que difere substancialmente da transação penal. Com efeito, inicia-se a comparação com o fato de a suspensão da pena dar-se na prévia da execução da efetiva condenação do acusado. Aqui já temos um indivíduo condenado e sujeito a todos os efeitos condenatórios, mas que poderá deixar de sofrer os efeitos físicos da pena (o efetivo encarceramento) caso satisfaça a certas condições legais em um período de prova. Ao fim deste período, caso não ocorra a revogação do benefício, a pena será considerada extinta, mas os seus efeitos permanecem, diferente do que ocorre na transação penal, pois sequer há condenação ou processo findo.

Referências

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: JusPodivm, 2016.

Questões

(MPEPR – Promotor Substituto – 2017) Sobre a transação penal proposta pelo Ministério Público, assinale a alternativa incorreta:

a) Não gera ao autor do fato a obrigação de indenizar.
b) Em delito de ação penal pública, seja incondicionada ou condicionada, acaso descumprida a transação, pode o Ministério Público requerer a intimação do autor do fato para apresentar justificativa.
c) A homologação do acordo civil em audiência preliminar é óbice para a proposta de transação em crime de ação penal pública, seja ela condicionada ou incondicionada.
d) Cumprida as condições da transação, decreta-se a extinção da punibilidade.
e) Tratando-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, esta é imprescindível para que a proposta seja feita.

 

(CESPE – TJPR – Juiz Substituto – 2017): Acerca da transação penal no juizado especial, assinale a opção correta.

a) O descumprimento de transação penal homologada não impede a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva.
b) Haverá óbice à proposta de transação de pena restritiva de direitos quando o tipo em abstrato só comportar pena de multa.
c) A proposta de transação penal pelo MP exige o comparecimento da vítima à audiência preliminar.
d) A proposta de transação penal por carta precatória fere o princípio da oralidade.

 

(VUNESP – TJSP – Juiz Substituto – 2015): A sentença de transação penal, nos termos do artigo 76, parágrafo 5º , da Lei nº 9.099/95, tem as seguintes características:

a) tem natureza homologatória e não faz coisa julgada material.
b) tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada apenas material.
c) possui natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada formal e material.
d) possui natureza absolutória e não faz coisa julgada formal e material.

 

(FCC – Assembleia Legislativa do MS – Consultor de Processo Legislativo – 2016) À luz da Lei n° 9.099/95, presentes os demais requisitos legais necessários, poderá ser beneficiado com a transação penal:

a) Ricardo, que cometeu crime de sequestro e cárcere privado, com pena prevista de 1 a 3 anos de reclusão.
b) Moisés, que cometeu crime de contrabando, com pena prevista de 2 a 5 anos de reclusão.
c) Talita, que cometeu crime de estelionato, com pena prevista de 1 a 5 anos de reclusão.
d) Manoel, que cometeu crime de resistência, com pena prevista de 6 meses a 2 anos de detenção.
e) Paulo, que cometeu crime de ordenação de despesa não autorizada, com pena prevista de 1 a 4 anos de reclusão.