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Art. 25 – Da legítima defesa real e putativa

Legítima defesa
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

A legítima defesa é a segunda causa de justificação prevista no Código. Por ela, a reação a uma agressão injusta considera-se lícita, mesmo que se ajuste ao tipo criminal.

Os elementos da causa excludente são os seguintes:

  • Uso moderado dos meios necessários: a reação da vítima da agressão deve ser moderada e deve se valer dos meios necessários para repelir a agressão.

Esse requisito é relativamente casuístico. Se a vítima tem a seu dispor vários meios para repelir a agressão, deve escolher o meio suficientemente necessário (mínima lesividade, mas eficiente) e usá-lo moderadamente.

Então, se a vítima tem a seu dispor um canhão, um revólver e uma espada para repelir a agressão injusta consistente em disparos, a escolha do revólver seria o meio mais adequado para repelir o ataque, pois o canhão seria desproporcionalmente exagerado e a espada poderia ser insuficiente para tanto.

Por outro lado, se o único meio ao dispor da vítima for desproporcional, ela poderá usá-lo com a moderação possível, pois é o único meio necessário disponível (no lugar de dez tiros de canhão, usa apenas um).

Se a vítima reage com excesso, seja pelo uso do meio desnecessariamente desproporcional ou uso imoderado do meio necessário, nasce para o agressor a possibilidade de legítima defesa sucessiva, pois a reação da vítima passa a ser uma agressão injusta.

O excesso pode ser doloso ou culposo, submetendo o agente às respectivas punições.

O excesso, ainda, pode ser intensivo (relativo ao uso de meios desproporcionais) (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978) ou extensivo (o que se estende para além da atualidade da agressão). O tema não é unânime na doutrina, mas Bitencourt (2017) afirma que o excesso extensivo nada mais é do que um ato criminoso subsequente, visto que a janela cronológica da legítima defesa real não mais subsiste.

  • Agressão injusta (aggressio injusta) atual ou iminente: a agressão a ser repelida deve ser injusta, ou seja, deve ser fruto de uma atuação ilícita promovida por terceiro. Ela deve ser, ademais, atual (está ocorrendo no mesmo momento) ou iminente (está prestes a ocorrer) e deve ser concreta, e não puramente fictícia ou hipotética. Não se admite uma reação a uma ação passada (isso seria vingança, e não defesa).

A injustiça da ação faz com que atos da natureza, um ataque aleatório de um animal (diferente de um ataque ordenado) ou a agressão de um inimputável não sejam passíveis de reação por legítima defesa.

A doutrina não é unânime, mas, de forma geral, admite-se o estado de necessidade para estas circunstâncias.

Ora, a possível fuga diante da agressão de um inimputável nada tem de deprimente: não é um ato de poltronaria, mas uma conduta sensata e louvável. Assim, no caso de tal agressão, o que se deve reconhecer é o “estado de necessidade”, que, diversamente da legítima defesa, fica excluído pela possibilidade de retirada do periclitante.

hungria; fragoso, 1978, p. 296.

A injustiça da agressão também pode decorrer de ato culposo, visto que a conduta culposa é ilícita e, portanto, injusta.

  • Direito seu ou de outrem: a legítima defesa pode se operar para proteger direito próprio ou alheio. A noção de direito aqui é ampla, abrangendo direitos e bens jurídicos morais e patrimoniais tuteláveis do indivíduo.

O Código, mantendo a posição da sua redação original, não exige a inevitabilidade do confronto. Isso significa que o agente não é obrigado a fugir ou prevenir inteiramente a agressão (commodus discessus).

Não há indagar se a agressão podia ser prevenida ou evitada sem perigo ou sem desonra. A lei penal não pode exigir que, sob a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos animais de sangue frio.

[…]

Nem mesmo há ressalvar o chamado commodus discessus, isto é, o afastamento discreto, fácil, não indecoroso.

HUNGRIA; fragoso, 1978, p. 288-289, 292.

A doutrina admite, ainda, a figura da legítima defesa putativa, que decorre da equivocada representação da situação fática vivida pelo agente, que imagina estar sofrendo ou prestes a sofrer um agressão injusta, e assim reage. Como modalidade erro de tipo, aplica-se a lógica do art. 20: se o erro for perdoável, exclui-se o dolo e o crime; se for imperdoável, responde-se a título de culpa.

Contra a legítima defesa putativa, é possível uma legítima defesa real, mas contra uma legítima defesa real não é possível outra legítima defesa real (a chamada legítima defesa recíproca), pois neste caso há reação lícita, inexistindo injustiça a ser objeto de reação. A doutrina também admite duas posturas de legítima defesa putativa.

Por fim, é interessante observar a existência dos ofendículos, que são mecanismos preordenados para a defesa da propriedade (cercas elétricas, cacos de vidro em muros etc.). A doutrian disputa a natureza desses instrumentos, mas é dominante a visão de que sua colocação é um ato de exercício regular de direito, e sua ativação prática um exercício de legítima defesa da propriedade (ESTEFAM, 2018).

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2017.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Legítima defesa

O Código Penal expõe:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Trata-se de causa excludente de ilicitude referente ao repelimento moderado de injusta agressão (deve ser portanto, uma direta ou indireta agressão humana) que está acontecendo (atual) ou prestes a acontecer (iminente) para proteger direito seu ou de outrem (finalidade almejada pelo agente).

São suas características precípuas, além da imersão psicológica do agredido na situação justificante:

Uma injusta agressão: é conduta contrária ao direito (ação ou omissão) que ameaça bens jurídicos de alguém. Há divergência sobre a conduta do inimputável.

Alerta a doutrina que a injustiça da agressão independe da consciência do agressor. Inimputáveis, por exemplo, podem cometer agressões injustas (por eles não compreendidas), autorizando o agredido invocar legítima defesa. (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). Salvador: JusPodivm, 2016, p. 265)

Atual ou iminente: não podendo ser futura. Deve corresponder à noção de reação.

A ação exercida após cessado o perigo caracteriza vingança, que é penalmente reprimida. Igual sorte tem o perigo futuro, que possibilita a utilização de outros meios, inclusive a busca de socorro da autoridade pública. (JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014, recurso digital.).

Uso moderado dos meios necessários: de acordo com as circunstâncias e meios disponíveis, exige-se que a reação seja razoável, proporcional e moderada, suficiente para impedir a agressão. O excesso impõe a responsabilidade a título culposo ou doloso.

Trata-se daquele menos lesivo que se encontra à disposição do agente, porém hábil a repelir a agressão. Havendo mais de um recurso capaz de obstar o ataque ao alcance do sujeito, deve ele optar pelo menos agressivo. (ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016, recurso digital).

É importante relembrar o que informa o art. 23, parágrafo único, do CP, aplicável a todas as espécies de excludentes:

Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

A configuração do excesso é subsequente à reação justificada e pode decorrer de dolo ou culpa. Exemplo clássico disso é a “reação” que continua após o cessar da agressão inicial, como no caso em que o agressor já encontra-se submetido.

Excesso: É a intensificação desnecessária de uma ação inicialmente justificada. Presente o excesso, os requisitos das descriminantes deixam de existir, devendo o agente responder pelas desnecessárias lesões causadas ao bem jurídico ofendido (cf. art. 23, parágrafo único). (CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2013, recurso digital).

A doutrina ainda se debruça sobre vertente do excesso doloso decorrente de erro de proibição indireto. Neste caso, a pessoa que reage excede-se dolosamente por erro sobre os limites objetivos da legítima defesa (ex. a pessoa pensa que a legítima defesa abrange atos posteriores ao efetivo repelimento da agressão).

Neste último exemplo, embora a conduta praticada em excesso tenha sido dolosa, ela foi derivada de erro sobre os limites de uma causa de justificação, e nesse caso, como em qualquer modalidade de erro, devemos aferir se era evitável ou inevitável. Se inevitável, o agente, embora atuando em excesso, será considerado isento de pena; se evitável o erro, embora o fato por ele praticado seja típico, ilícito e culpável, verá sua pena reduzida entre os limites de um sexto a um terço, nos termos da parte final do art. 21 do Código Penal. (GRECO, Rogério. p. Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 463).

O excesso doloso (intencional, consciente, voluntário), excetuadas as situações de erro se transforma em ilícito próprio, respondendo a pessoa a título doloso.

O excesso culposo (inconsciente, involuntário ou não intencional) angaria discussões mais complexas na doutrina sobre a efetiva natureza da conduta, mas, sob a luz do Código Penal, é admitida em termos gerais como situação de erro. Assim, investiga-se se estamos diante de erro invencível (inevitável, desculpável, escusável), situação em que o agente não responderá; ou se o erro é vencível (evitável, indesculpável, inescusável), ocasião em que haverá responsabilidade a título de culpa.

Outro tópico discutido sem muita homogeneidade doutrinária é o excesso intensivo e extensivo.

O excesso extensivo se dá quando a defesa se prolonga durante mais tempo do que dura a atualidade da agressão. O excesso intensivo pressupõe, ao contrário, que a agressão seja atual mas que a defesa poderia e deveria adotar uma intensidade lesiva menor. O excesso extensivo é, pois, um excesso na duração da defesa, enquanto que o excesso intensivo é um excesso em sua virtualidade lesiva. (MIR PUIG, Santiago. Derecho penal: parte general, p. 434, apud GRECO, Rogério. op. cit., p. 465).

Legítima defesa real vs legítima defesa putativa

A doutrina não admite a concomitância de legítimas defesas reais, pois é necessário que exista uma agressão injusta, e a reação legítima é, por natureza, justificada. Isso não é empecilho para um embate entre legítima defesa real e putativa (imaginária, decorrente de erro, má representação da realidade vivenciada), pois a ação putativa, firmada em erro sobre o contexto fático, é injusta, permitindo que ocorra a reação legítima.

O caso clássico exposto pela doutrina é a do encontro entre inimigos capitais. Um, pensando que o outro se aproxima com intuito vil (quando na verdade vem buscar conciliação), efetua disparo preventivamente, supondo encontrar-se prestes a ser alvejado. O outro, diante da agressão, reage.

Outro caso é o de legítima defesa sucessiva:

É possível, no entanto, que uma pessoa aja inicialmente em legítima defesa e, após, intensifique desnecessariamente sua conduta, permitindo que o agressor, agora, defenda-se contra esse excesso (legítima defesa sucessiva — isto é “a reação contra o excesso”). (ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016, recurso digital).

Commodus discessus

A possibilidade de evitar integralmente a situação que ensejará a necessidade do uso da legítima defesa, fugindo inteiramente da ocasião em vias inflamatórias, chama-se “commodus discessus”, ou “saída cômoda”. A doutrina não observa empecilho ao reconhecimento da causa excludente caso a pessoa agredida não tenha aproveitado a oportunidade de se evadir do conflito. Em outras palavras, a agressão não precisa ser inevitável para se viabilizar a legítima defesa.

Ofendículos

São mecanismos e instrumentos empregados para a defesa de bens jurídicos (ex. cercas elétricas, material cortante em muros).

Embora haja dissenso doutrinário a respeito da natureza jurídica dos ofendículos (legítima defesa ou exercício regular de um direito), prevalece o entendimento de que sua preparação configura exercício regular de um direito, e sua efetiva utilização diante de um caso concreto, legítima defesa preordenada. (ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016, recurso digital).

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