A prescrição é o fenômeno jurídico de índole material que desencadeia a fulminação da pretensão jurídica punitiva ou executória do Estado (o jus puniendi). Em outras palavras, finda a possibilidade de processamento e punição de um indivíduo pelo ente soberano, que detém exclusividade na aplicação da sanção criminal, tendo em vista o decurso de lapso temporal significativo para tornar indesejada, aos olhos do ordenamento jurídico, a punição.
Cesare Beccaria é um dos expoentes da visão de que o crime há de ser seguido de perto pelo seu castigo legal. O atraso demasiado da punição implica injustiça e verdadeira vingança. A prescrição, portanto, desabona a morosidade dos processos persecutórios e serve de garantia para o acusado, buscando aproximar o máximo possível delito e punição.
QUANDO o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar-se, se lhe for possível; é preciso, porém, que esse tempo seja bastante curto para não retardar demais o castigo que deve seguir de perto o crime, se se quiser que o mesmo seja um freio útil contra os celerados. (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Domínio público, recurso digital).
No Código Penal brasileiro, a matéria é tratada como circunstância extintiva de punibilidade.
Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: IV – pela prescrição, decadência ou perempção;
Utiliza-se, no ordenamento pátrio, o índice do art. 109, do CP, para estipular os lapsos prescricionais dos crimes, seja para a aferição com base na pena abstrata ou concretamente imposta. Atenção aos destaques é essencial:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
Restruturando com mais clareza:
Pena | Prescrição | |
---|---|---|
– de 1 ano | 3 anos | Novo patamar mínimo decorrente da Lei nº 12.234/10. Não retroage para crimes anteriores. |
+ ou = 1 ano – ou = 2 anos |
4 anos | Único substrato onde há duas igualdades aritméticas. Os demais tem apenas uma ou nenhuma igualdade. |
+ de 2 anos e – ou = 4 anos |
8 anos | Observe-se que os prazos prescricionais crescem de 4 em 4 anos a partir do substrato anterior. |
+ de 4 anos e – ou = 8 anos |
12 anos | |
+ de 8 anos e – ou = 12 anos |
16 anos | |
+ de 12 anos | 20 anos |
Pretensões punitiva e executória
No mais, o ordenamento prevê dois gêneros de prescrição: a da pretensão punitiva e a da pretensão executória.
A prescrição da pretensão punitiva ocorre antes do trânsito em julgado da decisão final, extinguindo qualquer consequência do crime. A seu turno, a prescrição da pretensão executória se dá posteriormente ao trânsito em julgado, com a inércia estatal em aplicar de fato a sanção definida. Neste caso, consequências acessórias da punição permanecem, como a reincidência, sendo apenas a pena em si extinta.
Cômputo em concreto e em abstrato
Somado a esses dois critérios, ainda note-se que a prescrição pode ser computada de duas formas: pela pena cominada em abstrato ou em concreto.
O cômputo pela pena in abstracto leva em consideração a pena máxima que o indivíduo pode receber e usualmente é reconhecida antes da condenação (visto que, até então, não há pena concreta cominada para se definir outro critério). A lógica é simples, pois havendo lapso de tempo correspondente ao prazo de prescrição máximo para certo delito, inevitavelmente teremos prescrição, pois já estamos considerando a pior das hipóteses para o réu em termos de pena. Exemplo simples: o homicídio simples (art. 120, caput, do CP) tem pena máxima de 20 anos. Sendo duração maior que 12 anos, aplica-se a regra do art. 109, I, do CP, que indica a prescrição desse crime em 20 anos. Se, entre o dia da consumação (art.
111, I, do CP) e a apresentação da denúncia existir lapso temporal superior a 20 anos, a pretensão punitiva estará prescrita.
O cômputo pela pena in concreto difere:
Ao fim do processo, havendo condenação e imputação de determinada pena, esta passa a ser o critério para apuração do respectivo prazo prescricional, em correlação com a lista do art. 109, do CP.
Termo inicial e marcos interruptivos
A prescrição funciona pelo cômputo do decurso temporal. Para realizar esse procedimento cronológico, é necessário entender quais os momentos em que se inicia tal contagem e as circunstâncias que interrompem a mesma, reiniciando-a.
É o que se descobre nos arts. 111 e 117, do CP:
Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
I – do dia em que o crime se consumou;
II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;
III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;
IV – nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.
V – nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:
I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;
II – pela pronúncia;
III – pela decisão confirmatória da pronúncia;
IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;
V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena;
VI – pela reincidência.
Obs: note-se que a “publicação” da sentença ocorre com a entrega em mãos ao escrivão, que lavrará termo nos autos e registrará em livro próprio, conforme art. 389, do CPP. Também é interessante perceber que “acórdão condenatório” é o que condena após absolvição em primeiro grau ou o que altera substancialmente a condenação pré-existente. A simples confirmação pelo Tribunal não interrompe a prescrição.
Espécies de prescrição da pretensão punitiva
O já exposto nos traz algumas possibilidades:
Prescrição da pretensão punitiva em abstrato: Antes da cominação de pena e do trânsito em julgado. Utiliza-se a pena máxima cominável no tipo penal (considerando qualificadoras, que usualmente determinam diferentes penas, e majorantes e minorantes, que podem ir além ou aquém dos limites do preceito secundário (pena prevista). Pode incidir entre quaisquer das causas interruptivas do art. 117, do CP.
Como já mencionado, no caso da prescrição em abstrato, admite-se sempre a pior hipótese fática cabível, para fins de cômputo do prazo.
Tome-se o roubo majorado como exemplo. O roubo em si (art. 157, caput) tem pena máxima de dez anos (prescrição em 16 anos), mas se houver emprego de arma (art. 157, §2º, I), pode incidir majorante de um terço até metade. Para fins de prescrição, será necessário cogitar o incremento máximo sobre a pena máxima, o que revela uma pena de quinze anos, com prazo de prescrição em 20 anos.
Por outro lado, com base na pena cominada concretamente, com trânsito em julgado para a acusação (impedindo majoração da pena ulteriormente), temos outras hipóteses de prescrição da pretensão punitiva, abaixo descritas.
É possível também tais hipóteses de prescrição, conforme explica Masson, nas hipóteses em que há recurso acusatório, mas que este não é capaz de alterar o prazo prescritivo pertinente, como nos casos em que se pede majoração da pena de 1 para 2 anos. (MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral. São Paulo: Método, 2017, p. 1066).
STF – Súmula 146: A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.
Prescrição da pretensão punitiva retroativa: Após cominação de pena nos termos acima, surge nova oportunidade de cálculo da prescrição com base na pena imposta, com relação aos períodos passados do processo, anteriores à publicação da sentença. Os marcos iniciais são os existentes a partir do recebimento da denúncia. Tal hipótese é ratificada pelo art. 110, §1º, do CP:
§1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.
É importante observar que as alterações legislativas de 2010 reduziram o escopo da prescrição retroativa, pois não se admite termo inicial anterior à denúncia ou à queixa.
A Lei 12.234/2010, ao dar nova redação ao art. 110, §1º, do Código Penal, não aboliu a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, fundada na pena aplicada na sentença. Apenas vedou, quanto aos crimes praticados na sua vigência, seu reconhecimento entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou da queixa. (STF – HC 122694, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento em 10.12.2014, DJe 19.2.2015)
Exemplo: Um indivíduo recepta um certo bem (art. 180), estando sujeito à pena de um a quatro anos. Entre a consumação e o recebimento da denúncia, há mora de quatro anos (não ocorre prescrição, pois nesta faixa só é possível a prescrição em abstrato, que depende de oito anos neste caso). Entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória, há lapso de cinco anos. Entretanto, a condenação é de apenas um ano de reclusão e não há recurso da acusação. Considerando que essa pena em concreto tem como prazo prescricional correspondente o período de 4 anos (art. 109, VI), percebe-se que o lapso temporal anterior (portanto, retroativo) é superior (5 anos), possibilitando o reconhecimento da prescrição retroativa.
Prescrição da pretensão punitiva superveniente ou intercorrente: com base no mesmo art. 110, §1º, do CP, temos prescrição com base na pena aplicada, mas com pensamento para o futuro do processo, notadamente a demora para julgamento dos recursos de defesa (lapso temporal entre a publicação da sentença e publicação do acórdão).
Exemplo: um indivíduo pratica estelionato (art. 171), sendo condenado a um ano de reclusão. Só a defesa recorre. Contando a partir da publicação da sentença (marco interruptivo e também termo inicial neste caso), a pretensão punitiva prescreverá em quatro anos (art. 109, V), se não for prolatado acórdão antes. Advindo publicação de acórdão neste prazo, a contagem se reinicia com o recurso da defesa, sendo necessária a decisão do STF/STJ no mesmo prazo, sob pena de advento da prescrição.
Prescrição da pretensão executória
Havendo trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação (havendo críticas sobre esta redação e posição de que o trânsito deve ser para ambas as partes) e verificando-se inércia executiva pelo prazo do art. 109, tendo como base a pena imputada definitivamente, ocorre prescrição da pretensão executória, mantidos os demais efeitos acessórios da condenação.
Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
Seu termo inicial é o trânsito em julgado da decisão para a acusação, nos termos da legislação.
Art. 112 – No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr:
I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;
II – do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.
Sobre a interpretação do primeiro inciso, aduz a doutrina:
Essa regra se afigura contraditória, mas é extremamente favorável ao réu. De fato, a prescrição da pretensão executória depende do trânsito em julgado para ambas as partes, mas, a partir do momento em que isso ocorre, seu termo inicial retroage ao trânsito em julgado para a acusação. É o que se infere do art. 112, I, 1ª parte, do Código Penal. (MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral. São Paulo: Método, 2017, p. 1074)
Complementação
A prescrição é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida a pedido ou de ofício pelo magistrado, em qualquer momento do processo, nunca precluindo.
Código de Processo Penal – Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.
Em regra, a pretensão punitiva é prescritível. No entanto, a Constituição Federal traz as únicas hipóteses de imprescritibilidade admitidas no ordenamento pátrio: o racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Constituição Federal – Art. 5º […]
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
A prescrição, sendo matéria de índole material-penal, tem repercussão no princípio da retroatividade em caso de mudanças. Se a alteração beneficiar o réu, a lei nova é aplicada aos casos anteriores. Caso contrário, só valerá para casos posteriores à sua vigência.
A prescrição da pretensão punitiva em perspectiva (ou antecipada ou virtual) é uma construção doutrinária e jurisprudencial, sem previsão normativa, que visa o reconhecimento antecipado da prescrição com base na provável pena concreta que irá ser cominada, antes mesmo do advento da condenação (réu primário, boas circunstâncias judiciais, menor de 21 anos na data do fato, instrução demorada etc.). O julgador, com base nas circunstâncias do caso concreto, observa que o autor provavelmente será condenado em pena cujo prazo prescritivo se encaixa nos marcos interruptivos da prescrição. Para evitar a inócua e ineficaz atividade jurisdicional e prezar pela celeridade e economia, o Juízo poderia reconhecer de pronto a prescrição antecipada ou virtual (pois se baseia em cogitação), evitando o desperdício de esforço e recursos públicos.
A prática, entretanto, é desabonada pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja entendimento sumulado expõe:
STJ – Súmula 438: É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.
Prescrição da pena de multa: aplica-se o art. 114, do CP:
Art. 114 – A prescrição da pena de multa ocorrerá:
I – em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada;
II – no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.
Redução dos prazos prescricionais: ocorre em conformidade com o art. 115, do CP:
Art. 115 – São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.
Suspensão da prescrição: ocorre conforme art. 116, do CP, em situações de prejudicialidade com outro processo (como no caso da resolução da bigamia em âmbito cível ou a verificação do estado civil do réu ou vítima). Existem outra hipóteses na legislação extravagante.
Art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:
I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;
II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.
Parágrafo único – Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
Questões
(FCC – PGE/SE – 2005 – Procurador) A prescrição:
Falso. As causas impeditivas do art. 116 são situações de suspensão.
Falso. Como regra de direito material, conta-se o dia de início, conforme art. 10, do CP. A exclusão do dia inicial é procedimento de direito processual.
Falso. Art. 119 – No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.
Usa-se a pena cominada concretamente. Apenas a prescrição da pretensão em abstrato usa a pena máxima.
Correto. A previsão do art. 117 fala em sentença ou acórdão condenatórios.
(FCC – TJ/RR – 2008 – Juiz) A prescrição:
Art. 119. Mesmo comentário acima.
Mesmo comentário acima. Art. 116
Mesmo comentário da questão anterior.
Mesmo comentário da questão anterior. Art. 10
Correto.
(FCC – TCE/RO – 2010 – Procurador) A prescrição é interrompida:
Pelo recebimento.
Pela sentença condenatória. A falta de previsão, inclusive, importaria em analogia contrária ao réu, proibida no Direito Penal.
Trata-se de marco interruptivo da pretensão executória. O concurso de crimes antes da execução impõe prescrição isolada de cada um.
Pela sentença condenatória. A falta de previsão, inclusive, importaria em analogia contrária ao réu, proibida no Direito Penal.
Correto. Art. 117.
(FCC – TJ/GO – 2015 – Juiz) A interrupção da prescrição:
Correto. Art. 117, §2º. A regra é que a prescrição retorne a partir do dia da interrupção, salvo no início ou continuação do cumprimento da pena.
Apenas recebimento.
É necessário que haja processamento no mesmo feito. Art. 117, §1º.
A regra é que produza, salvo na reincidência ou início e continuação do cumprimento de pena, pois a condição é personalíssima do agente.
Sentença ou acórdão condenatórios.