Os estados de defesa e de sítio são duas condições fático-jurídicas cuja decretação cabe materialmente à União (art. 21, V), por meio de decisão privativa do Presidente da República (art. 84, IX) e pronunciamento meramente consultivo do Conselho da República (art. 90, I,) e do Conselho da Defesa Nacional (art. 91, §1º, II):
Art. 21. Compete à União: V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio;
Art. 90. Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre: I – intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio;
Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e dele participam como membros natos:
§ 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional: II – opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal;
Ambos os cenários representam situações de exceção, derivadas de circunstâncias extremas. A noção de exceção aqui trazida corresponde à visão de que a normalidade constitucional é rompida por certos eventos, justificando a adoção de medidas drásticas para o retorno de um estado saudável de vida constitucional.
É o chamado sistema constitucional das crises, consistente em um conjunto de normas constitucionais, que informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a mantença ou o restabelecimento da normalidade constitucional. (MORAES, 2016).
No âmbito da teoria do Direito e da ciência política, o estudo da exceção é objeto de fervorosos debates, tendo em vista que a mesma corresponde à inaplicabilidade do Direito mais reto. Sobre essa complicação, argumenta Giorgio Agamben:
[…] as medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal. (AGAMBEN, 2004, p. 11-12).
É diante desta situação de excepcionalidade que a Constituição de 1988 busca trazer limites e rédeas precisas aos estados de sítio e defesa. Exemplos maiores disso são a impossibilidade de reforma constitucional durante tais períodos (art. 60, §1º) e a manutenção das atividades parlamentares (arts. 85, II, e 138, §3º, da CF/88).
Estado de defesa
O estado de defesa pode ser estabelecido em locais restritos e determinados por tempo limitado quando se estiver diante de grave e iminente instabilidade institucional ou calamidades de grandes proporções na natureza.
CF/88: Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
Alguns destes critérios merecem destaque: a) a restrição geográfica de sua decretação, ou seja, as áreas atingidas devem ser especificadas expressamente; b) a sua delimitação cronológica, sendo necessária uma duração finita pré-definida.
No que diz respeito ao período da medida, define a Constituição:
CF/88: Art. 136, § 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
Essa prorrogação, vale ressaltar, só é cabível uma vez no estado de defesa.
Diante da instituição pontual de uma situação excepcional na ordem jurídica, a Carta de 88 admite a restrição a direitos e garantias previstos nela mesma, inclusive direitos fundamentais como o direito de reunião. Tais restrições hão de ser explicitadas no decreto emitido pelo Presidente, de forma a se evitar ao máximo a arbitrariedade e consolidação da exceção como regra.
CF/88: Art. 136, § 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I – restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
A decretação do estado de defesa é situação mais branca que a do estado de sítio, razão pela qual é desnecessária a autorização prévia do Congresso Nacional. Por outro lado, este será convocado para aprovar ulteriormente a medida.
Estado de sítio
A decretação do estado de sítio é medida mais gravosa que a do estado de defesa, razão pela qual o ato depende de autorização do Congresso Nacional, no exercício de sua competência exclusiva. A deliberação, se for necessário, ocorrerá por convocação extraordinária.
CF/88: Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
IV – aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;
Como se percebe, a participação do Congresso, como foco de representantes do povo e dos entes federados, é pressuposto de legitimação da extrema medida, em tese dando um suporte democrático à deliberação.
De fato, um caminho clássico à ditadura envolve a supressão do Poder Legislativo. A CF/88 busca manter incólume a função legislativa de forma a garantir a manutenção da ordem democrática. Isso se vislumbra em dispositivos já citados anteriormente e, especialmente, na manutenção das garantias dos parlamentares e na manutenção do funcionamento do Congresso:
CF/88: Art. 53, §8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.
CF/88: Art. 138, §3º O Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término das medidas coercitivas.
As hipóteses que permitem o pedido de estado de sítio pelo Presidente são a ineficácia de prévio estado de defesa e declaração de guerra ou agressão armada estrangeira:
Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
São os chamados estado de sítio repressivo (137, I) e o defensivo (137, II).
Vale frisar que, diferente do estado de defesa, a abrangência do estado de sítio pode ser local ou até mesmo nacional.
O pedido de instauração ou prorrogação feito pelo Presidente há de ser fundamentado e a decisão do Congresso depende de maioria absoluta de seus membros.
O decreto formalizado indicará a duração da medida, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas. Depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas. (art. 138, da CF/88).
De acordo com o fundamento de autorização, o estado de sítio admite limites diferentes.
No caso de ineficácia do estado de defesa prévio, a duração é de até 30 dias, mas é possível prorrogar por outras vezes por até tal período (não apenas uma vez, diferente do estado de defesa). No caso de guerra ou agressão, a duração pode envolver todo o período pertinente.
As medidas coercitivas justificadas pelo estado de sítio decretado em sucessão do estado de defesa ineficaz também são limitadas, apesar de já mais potentes que aquelas possíveis no decurso do simples estado de defesa:
CF/88: Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I – obrigação de permanência em localidade determinada;
II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV – suspensão da liberdade de reunião;
V – busca e apreensão em domicílio;
VI – intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII – requisição de bens.
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa.
A Constituição não traz delimitação das medidas cabíveis no estado de sítio decorrente de guerra ou agressão armada estrangeira, sendo eloquente este silêncio no sentido de que outras medidas adequadas ao estado de necessidade vivenciado. A doutrina comenta que:
Nessa espécie, toda e qualquer garantia constitucional pode ser suspensa. Não há limites. Enquanto perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira ele poderá ser decretado. (BULOS, 2014, p. 1447).
No que diz respeito à fiscalização, sindicância e responsabilização, a Constituição é clara ao definir que a Mesa do Congresso definirá comissão que acompanhará os eventos. Cessados tais estados excepcionais e seus efeitos, os ilícitos cometidos serão apurados e responsabilizados os infratores. No mais, o art. 141, parágrafo único, da CF/88, impõe o dever de transparência ao Presidente, que deverá prestar todos os esclarecimentos, justificações e descrição das medidas aplicadas e pessoas atingidas.
Já o controle jurisdicional é amplo, porque compete ao Poder Judiciário decidir, quando devidamente provocado, v. g., nas vias de mandado de segurança ou habeas corpus, sobre os abusos ou excessos cometidos pelos executores ou agentes do estado de sítio. (BULOS, 2014, p. 1448).
Referências
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2016.