Introdução

A emenda constitucional nº 103 foi promulgada pelas mesas do Congresso Nacional em 12 de novembro de 2019, trazendo mudanças ao sistema de previdência social e estabelecendo regras de transição e disposições transitórias.

Tais alterações serão analisadas nos tópicos seguintes.

1 Inatividade e pensão de policias militares e bombeiros

A primeira modificação introduzida altera o art. 22, XXI, da Constituição (competência privativa da União. Com a alteração, a União adquire a competência privativa para editar normas sobre inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares.

A redação original abrangia apenas “normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização” dessas forças policiais e bombeiros militares.

2 Alterações do art. 37, CF/88

A emenda inclui três parágrafos ao art. 37, da Constituição (regras da Administração Pública).

O §13 permite a readaptação do servidor público para outro cargo compatível com sua habilitação e condição, mantida a remuneração de origem:

§ 13. O servidor público titular de cargo efetivo poderá ser readaptado para exercício de cargo cujas atribuições e responsabilidades sejam compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, enquanto permanecer nesta condição, desde que possua a habilitação e o nível de escolaridade exigidos para o cargo de destino, mantida a remuneração do cargo de origem.

Em tese, portanto, estabelece-se uma relativização do princípio do concurso público para acesso a determinado cargo, visto que o indivíduo readaptado pode exercer outro cargo para o qual originalmente não prestou concurso.

O §14 trata de rompimento de vínculo decorrente do uso de tempo de contribuição público:

§ 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.

Em suma, o dispositivo determina que o funcionário público que venha a se aposentar utilizando em parte o tempo de contribuição da função pública será desligado da função pública. Essa situação é muito comum com empregados públicos (que contribuem para o INSS, mas que, usualmente, se aposentam pelo RGPS e continuam trabalhando na empresa pública). O artigo não explicita a que título se dá esse desligamento.

O §15 trata da vedação de complementação de aposentadoria dos servidores públicos e pensionistas:

§ 15. É vedada a complementação de aposentadorias de servidores públicos e de pensões por morte a seus dependentes que não seja decorrente do disposto nos §§ 14 a 16 do art. 40 ou que não seja prevista em lei que extinga regime próprio de previdência social.

A exceção apresentada pelo dispositivo envolve os sistemas de previdência complementar ou previsão legal específica em lei que extinga o regime próprio.

3 Servidor público em exercício de mandato eletivo

A emenda modifica um inciso do art. 38, da Constituição.

Diz a emenda que o servidor público com regime próprio em exercício de mandato eletivo permanecerá vinculado a tal regime. A atual redação sobrepõe a anterior, que falava que o valor do benefício previdenciário seria determinado como se no exercício da função estivesse o servidor afastado.

Em suma, portanto, o servidor eleito continua vinculado ao regime seu próprio, vertendo contribuições ao mesmo e fruindo os respectivos benefícios.

4 Servidores públicos e regime próprio

A emenda traz alterações aos arts. 39 e 40, da Constituição.

De início, ela adiciona um parágrafo ao art. 39, que traz uma conformação geral da atuação do servidor público. Diz o inédito §9 que:

§9 É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

Já o art. 40 passa por uma grande reformulação.

O próprio caput é alterado:

Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Maior parte da alteração é textual, mantendo o significado. Permanece a contribuição de ativos e inativos, a natureza contributiva e solidária e a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial. Contudo, a redação anterior assegurava um regime próprio para os servidores efetivos de todos os entes federativos e respectivas fundações públicas e autarquias, algo que é suprimido na atual redação.

Com a nova redação, não há mais garantia constitucional de um regime próprio.

O parágrafo inaugural obtém nova redação e altera-se o nome da aposentadoria por “invalidez permanente” para “incapacidade permanente para o trabalho”:

§ 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:
I – por incapacidade permanente para o trabalho, no cargo em que estiver investido, quando insuscetível de readaptação, hipótese em que será obrigatória a realização de avaliações periódicas para verificação da continuidade das condições que ensejaram a concessão da aposentadoria, na forma de lei do respectivo ente federativo; 

Diferente da redação anterior, não se menciona mais a proporcionalidade dos proventos com o tempo de contribuição e agora dá-se ênfase à inviabilidade de readaptação e à mandatória verificação periódica da incapacidade.

A aposentadoria compulsória é mantida em seu patamar prévio (70 anos em regra, mas possível a extensão para 75 nos moldes de lei complementar, que já existe).

Já a aposentadoria por tempo de contribuição e idade tem seus números acrescidos, definindo-se a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Municípios, Estados e DF passarão a observar tal patamar com a emenda às respectivas constituições e leis orgânicas. A fixação do tempo de contribuição é relegado a lei complementar do ente federativo.

III – no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.

O §2º é alterado para definir que os proventos não podem ser inferiores a uma salário mínimo ou superiores ao teto do RGPS. A redação anterior desse dispositivo afirmava apenas que os proventos não poderiam ser superiores à remuneração da atividade.

O §3º agora afirma que: “As regras para cálculo de proventos de aposentadoria serão disciplinadas em lei do respectivo ente federativo.”. O texto anterior afirmava que os proventos seriam baseados nas contribuições vertidas ao RGPS e ao RPPS. Há lacuna sobre o aproveitamento, pelo servidor aposentado, de contribuições vertidas previamente ao RGPS.

O art. 4º (exceções e categorias privilegiadas) também é reformulado:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º.

§ 4º-A. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

§ 4º-B. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo ou de policial dos órgãos de que tratam o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a IV do caput do art. 144.

§ 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. 

Dessa forma, determina-se a aposentadoria em condições mais favoráveis especificamente às categorias acima, não mais se utilizando o critério da periculosidade como anteriormente.

A maior modificação se dá no §4º-B, que deixa de falar em atividades perigosas e passa a incluir explicitamente certas categorias específicas, como os agentes penitenciários, agentes socioeducativos, policiais e a polícia legislativa. Assim, outras atividades perigosas que não sejam as especificamente agraciadas pela reforma deixam de obter o benefício constitucional.

Vale frisar que, na jurisprudência do STF (vide MI 7076), a análise de periculosidade deveria ser feita concretamente. Com a nova norma, forças policias, agentes penitenciários e policias das casas legislativos são privilegiados pela norma, que passa a presumir a periculosidade.

O §5º mantém a redução da idade mínima para professores (ensino infantil, fundamental e médio) em 5 (cinco) anos, mas também sujeita a questão a lei complementar do ente federado.

O §6º continua vedando a acumulação de aposentadorias pelo RPPS, ressalvadas as acumulações lícitas de cargos. Como inovação, o dispositivo exige a aplicação das outras vedações, regras e condições para a acumulação de benefícios previdenciários estabelecidas no RGPS.

A pensão por morte do servidor público permanece com os valores previstos na EC nº 41/2003, mas o caput do §7º é alterado para mencionar o valor mínimo do benefício em um salário mínimo, no caso de dependente cujo única fonte de renda seja a pensão (art. 201, §2º, CF/88) e para permitir a adoção de critérios privilegiados no caso de morte de policias, agentes penitenciários, agentes socioeducativos e agentes da polícia legislativa (§4º-B) decorrente de agressão em serviço ou em razão da função.

No §9º, adiciona-se a menção ao tempo de contribuição em serviço distrital (não mencionado na redação anterior) e faz referência ao cômputo recíproco e do tempo de contribuição e compensação financeira.

O §12 tem alteração de redação que mantém seu intuito: a observância no regime próprio, no que couber, dos requisitos e critérios fixados para o RGPS.

Para os funcionários sem vínculo efetivo, o §13 passa explicita e expande o seu teor anterior, esclarecendo hipóteses onde o funcionário estará vinculado ao RGPS:

§ 13. Aplica-se ao agente público ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, de outro cargo temporário, inclusive mandato eletivo, ou de emprego público, o Regime Geral de Previdência Social. 

O tema da previdência complementar continua envolvendo o §14, mas, desta vez, diferente da faculdade prevista no seu teor prévio, torna-se obrigatória a instituição, por lei de iniciativa do Executivo, de regime de previdência complementar ao próprio, observando os limites dos benefícios do RGPS para os benefícios do RPPS.

Em suma, o regime próprio passa a ter proventos limitados ao teto do RGPS, existindo para o servidor efetivo a possibilidade de se valer de regime complementar, cuja instituição passa a ser obrigatória a todos os entes federativos.

O regime de previdência complementar oferecerá plano de benefícios somente na modalidade contribuição definida e será efetivado por intermédio de entidade fechada de previdência complementar ou de entidade aberta de previdência complementar. A sujeição ao novo regime depende de expressa opção dos servidores já ativos antes da entrada em vigor da lei do regime complementar.

O abono de permanência é mantido, no valor máximo da contribuição previdenciária (§19).

O §20 veda a multiplicidade de regimes próprios dentro do mesmo ente federativo, não mais exceptuando o as forças armadas.

A reforma também revoga benesse conferida aos aposentados e pensionistas que tenham doenças incapacitantes (§21). Sob a regra anterior, estes indivíduos pagavam contribuição apenas sobre proventos e pensões superiores dobro do teto do RGPS. Agora, aplica-se a regra geral: contribuição sobre o que for superior ao teto do RGPS.

No mais, a emenda acrescenta o §22, que trata a vedação de novos regimes próprios e critérios para seu gerenciamento, funcionamento e extinção, conforme lei complementar federal:

§ 22. Vedada a instituição de novos regimes próprios de previdência social, lei complementar federal estabelecerá, para os que já existam, normas gerais de organização, de funcionamento e de responsabilidade em sua gestão, dispondo, entre outros aspectos, sobre:

I – requisitos para sua extinção e consequente migração para o Regime Geral de Previdência Social;

II – modelo de arrecadação, de aplicação e de utilização dos recursos;

III – fiscalização pela União e controle externo e social;

IV – definição de equilíbrio financeiro e atuarial;

V – condições para instituição do fundo com finalidade previdenciária de que trata o art. 249 e para vinculação a ele dos recursos provenientes de contribuições e dos bens, direitos e ativos de qualquer natureza;

VI – mecanismos de equacionamento do deficit atuarial;

VII – estruturação do órgão ou entidade gestora do regime, observados os princípios relacionados com governança, controle interno e transparência;

VIII – condições e hipóteses para responsabilização daqueles que desempenhem atribuições relacionadas, direta ou indiretamente, com a gestão do regime;

IX – condições para adesão a consórcio público;

X – parâmetros para apuração da base de cálculo e definição de alíquota de contribuições ordinárias e extraordinárias.