Ciências jurídicas e temas correlatos

Autor: Victor Augusto

Denunciação da lide

É a intervenção provocada (forçada) em face um terceiro com quem uma das partes (denunciante) possui demanda própria (regresso, reembolso, ressarcimento) vinculada à sucumbência no processo original. O réu permanece no feito, ladeado pelo denunciado. É um instrumento de celeridade e economia processual, pois reúne em um feito duas demandas, sendo uma delas eventual (a de regresso, que pode vir ou não a ser apreciada, dependendo do resultado do julgamento do pedido principal).

Obs: características reconhecidas pela doutrina: demanda incidental (ocorre dentro do mesmo processo, ampliando seu escopo subjetivo com uma nova pretensão), regressiva, de garantia (visando à garantia de ressarcimento em face de outra relação jurídica estabelecida) e antecipada (pois não aguarda a decisão no processo principal para se resguardar).
Obs: trata-se de um litisconsórcio unitário (pois a decisão é una para ambos os litisconsortes, compatibilizando as relações jurídicas).

O denunciante reputa que o denunciado está obrigado a ressarcir-lhe os prejuízos que sofrerá com eventual derrota no processo, e por isso formula uma “ação regressiva” contra ele, mediante a denunciação. Então, o denunciante provoca a intervenção do terceiro no processo, a fim de já obter, ali mesmo, um título executivo contra o denunciado (isso é, a condenação do denunciado), caso seja derrotado na ação principal. Além disso, ao ser trazido para dentro do processo, o denunciado poderá somar esforços com o denunciante na defesa de posição comum no litígio principal. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: Revista os Tribunais, 2016, recurso digital).

Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:
I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;
II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.
§ 1o O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.
§ 2o Admite-se uma única denunciação sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia dominial ou quem seja responsável por indenizá-lo, não podendo o denunciado sucessivo promover nova denunciação, hipótese em que eventual direito de regresso será exercido por ação autônoma.

Obs: a denunciação é uma faculdade da parte, não uma obrigação, ônus ou dever. Caso não faça uso do atalho, o sucumbente eventualmente pode dirigir-se à Justiça com lide própria contra o terceiro que poderia ter sido denunciado.
Obs: a denunciação sucessiva ocorre quando o denunciado denuncia um quarto sujeito. Só podem ocorrer duas denunciações no processo (a inicial e a sucessiva), sendo esta medida para evitar uma relação multitudinária (em que há uma multidão) ineficiente e moroso.
Obs: a denunciação por salto (per saltum): não é permitida, pois necessita-se de uma relação jurídica entre denunciante e denunciado. Não pode o denunciante, portanto, suscitar a inclusão de outra pessoa com quem não tenha relação, mas que esteja na mesma cadeia de potenciais interessados (ex. o remoto primeiro vendedor em uma cadeia de alienações).

A denunciação contra o alienante imediato (vendedor) decorre de situação em que foi alienada coisa não pertencente ao mesmo, oportunizando ação pelo devido proprietário, reivindicante ou possuidor (evictor) . O cenário jurídico é de evicção (perda do bem por decisão judicial em face de reconhecimento de vício alienatório) contra o adquirente.

Sendo o adquirente demandado por um terceiro, que afirma ser o proprietário do bem, deve providenciar a denunciação da lide do vendedor, para assegurar o recebimento do preço, a indenização dos frutos, das despesas do contrato, custas judiciais, honorários advocatícios e indenização decorrente dos prejuízos “que diretamente resultarem da evicção” (art. 450 do CC). (MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: de acordo com o novo CPC. São Paulo : Atlas, 2016, recurso digital).

A denunciação para fins de regresso é caso majoritário de manuseio do instituto. Ocorre quando o sucumbente mantém com o denunciado relação jurídica (legal ou convencional) que obriga o ressarcimento em regresso.

A doutrina evidencia embate entre uma corrente restritiva e uma corrente ampliativa. A primeira aduz que só é possível denunciação em caso de responsabilidade direta (garantia própria), quando houver a transferência imediata da responsabilidade do garante, sem necessidade de discussão de questão alheia à demanda principal (como culpa ou dolo do denunciado). A corrente ampliativa (majoritária) admite a denunciação com mais facilidade, incluindo a situação em que houver necessidade de instrução de matérias evitáveis no processo principal (por essa corrente, por exemplo, o Estado, que normalmente responde objetivamente, poderia denunciar o servidor, incluindo na demanda uma discussão sobre dolo ou culpa).

O procedimento específico é ditado pelos artigos subsequentes:

Art. 126. A citação do denunciado será requerida na petição inicial, se o denunciante for autor, ou na contestação, se o denunciante for réu, devendo ser realizada na forma e nos prazos previstos no art. 131.
Art. 127. Feita a denunciação pelo autor, o denunciado poderá assumir a posição de litisconsorte do denunciante e acrescentar novos argumentos à petição inicial, procedendo-se em seguida à citação do réu.
Art. 128. Feita a denunciação pelo réu:
I – se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado;
II – se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva;
III – se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a procedência da ação de regresso.
Parágrafo único. Procedente o pedido da ação principal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva.
Art. 131. A citação daqueles que devam figurar em litisconsórcio passivo será requerida pelo réu na contestação e deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento.
Parágrafo único. Se o chamado residir em outra comarca, seção ou subseção judiciárias, ou em lugar incerto, o prazo será de 2 (dois) meses.

A sentença que julga a relação primordial suscita algumas possibilidades. No caso de improcedência do pedido autoral, a relação secundária relativa à denunciação perde objeto, por ser acessória. Caso contrário, o Juiz passa ao julgamento da denunciação, regulando as obrigações subsequentes do denunciado e denunciante. Neste caso, ademais, o vencedor da demanda pode inclusive pleitear o cumprimento de sentença contra o denunciado, nos limites da responsabilidade reconhecida.

Art. 128. Feita a denunciação pelo réu:
I – se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado;
II – se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva;
III – se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a procedência da ação de regresso.
Parágrafo único. Procedente o pedido da ação principal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva.
Art. 129. Se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide.
Parágrafo único. Se o denunciante for vencedor, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado.

A denunciação do servidor público pelo Estado (art. 37, §6º, da CF/88) é tema controverso, tendo em vista que a responsabilidade do Estado (conforme posição majoritária) é objetiva, e a do servidor, subjetiva. Há decisões do STF que suscitam a noção de dupla garantia (vide abaixo), impedindo a denunciação. O STJ mantém posicionamento no sentido de que “não há obrigatoriedade” da denunciação, o que sugere a aplicação da regra geral hoje vigente (facultatividade).

Esse mesmo dispositivo constitucional [art. 37, §6, da CF/88] consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. (STF. 1ª Turma. RE 327.904/SP, Rel. Min. Carlos Britto, j. 15.08.2006, DJ 08.09.2006).

[…] 6. Esta Corte Superior possui entendimento consolidado no sentido de que, nas ações indenizatórias fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado, não é obrigatória a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano. Precedentes do STJ. (STJ – AgInt no AREsp 913.670/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2016, DJe 14/09/2016).

Mais claramente:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULDADE. Nas demandas em que se discute a responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano é facultativa, cabendo ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à economia e celeridade processuais. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp 139.358/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 04/12/2013)

O STJ também já admitiu a ação intentada diretamente contra o agente público:

QUARTA TURMA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DE AGENTE PÚBLICO PARA RESPONDER DIRETAMENTE POR ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO.
Na hipótese de dano causado a particular por agente público no exercício de sua função, há de se conceder ao lesado a possibilidade de ajuizar ação diretamente contra o agente, contra o Estado ou contra ambos. De fato, o art. 37, § 6º, da CF prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica, que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Nesse particular, a CF simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo. Contudo, não há previsão de que a demanda tenha curso forçado em face da administração pública, quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto; tampouco há imunidade do agente público de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de qualquer forma, em regresso, perante a Administração. Dessa forma, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o agente público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da Federação. Posto isso, o servidor público possui legitimidade passiva para responder, diretamente, pelo dano gerado por atos praticados no exercício de sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a própria existência de dano indenizável são questões meritórias. Precedente citado: REsp 731.746-SE, Quarta Turma, DJe 4/5/2009. REsp 1.325.862-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013. (STJ – INFORMATIVO 532/2013).

O que é assistência simples e litisconsorcial no Processo Civil?

A assistência simples é a situação em que o terceiro ingressa voluntariamente no processo para auxiliar e prover assistência a uma das partes, possuindo previsão nos arts. 119 e 120, do Código de Processo Civil.


Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la.
Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.


Art. 120. Não havendo impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, o pedido do assistente será deferido, salvo se for caso de rejeição liminar.
Parágrafo único. Se qualquer parte alegar que falta ao requerente interesse jurídico para intervir, o juiz decidirá o incidente, sem suspensão do processo.

cpc/2015

O interesse jurídico é pressuposto da intervenção. Não se autoriza a assistência quando o interesse for meramente econômico ou afetivo.

DIDIER JR, 2016, p. 488.

Assistência simples

Na assistência simples, o assistente tem interesses indiretos, reflexos com a demanda posta. A decisão desfavorável ao assistido pode repercutir nos interesses do assistente, mesmo que estes interesses não estejam em discussão imediatamente, como no caso de uma possível ação regressiva em segundo momento.

Observe que, se o interesse fosse direto, o terceiro deveria ser parte do processo.

Outro caso que pode ser lembrado é o do fiador, juridicamente interessado no resultado do processo em que o afiançado e o credor discutem a validade do contrato que gerou a obrigação assegurada pela fiança. Sendo o contrato de fiança (celebrado entre fiador e credor) acessório do contrato principal, gerador da obrigação afiançada, terá o fiador interesse jurídico em que a sentença seja favorável ao afiançado (afinal, inválido o contrato principal, inválida é, também, a fiança, nos termos do art. 184 do CC).

câmara, 2016.

O assistente simples detém capacidades instrutórias, podendo demandar a produção probatória (e arcando com os respectivos custos processuais) e assumir a defesa do interesse como substituto processual em caso de revelia. Diferente é o cenário de desistência, reconhecimento do pedido adverso ou renúncia pelo assistido:

Art. 121. O assistente simples atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido.
Parágrafo único. Sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu substituto processual.


Art. 122. A assistência simples não obsta a que a parte principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação, renuncie ao direito sobre o que se funda a ação ou transija sobre direitos controvertidos.

cpc/2015

Eficácia preclusiva e exceção de má-gestão processual

Em regra (art. 123, do CPC), o assistente não pode posteriormente discutir a justiça da decisão prolatada no processo do assistido (notadamente a fundamentação que diz respeito ao assistente).

Isso significa que a matéria discutida (ex. nulidade do contrato de locação) e já transitada em um processo em que o assistente (ex. sublocatário) participou plenamente não poderá ser arguida novamente por este em um segundo processo. Esta é a eficácia preclusiva da intervenção. O dispositivo traz exceções, como os casos em que o assistente comprova que o resultado do primeiro processo decorre de má gestão do assistido.

Art. 123. Transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e provar que:
I – pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença;
II – desconhecia a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu.

cpc/2015

Assistência litisconsorcial (qualificada)

Já a assistência litisconsorcial ocorre quando o interesse do assistente é imediato (o interesse jurídico é dele ou ele possui legitimidade extraordinária para persegui-lo). A doutrina aponta que, em regra, trata-se de intervenção que incrementa o polo ativo da demanda.

Em outras palavras, justifica-se seu ingresso no processo porque a demanda já ali formulada poderia ter sido proposta por ele mesmo, assistente litisconsorcial. Por isso, o art. 124 do CPC/2015 prevê que o interesse jurídico justificador da intervenção do assistente litisconsorcial consiste na perspectiva de “a sentença influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”.
Considerem-se os seguintes exemplos:
(i) A, B e C são condôminos do imóvel, que é invadido por R. A ajuíza ação em face de R (art. 1.314 do CC). B e C podem
intervir como assistentes litisconsorciais de A.
(ii) Outros acionistas da sociedade anônima podem assistir litisconsorcialmente aquele que promoveu ação de anulação
de assembleia geral da companhia.
(iii) Outro cidadão intervém na ação popular (art. 6.º, § 5.º, da Lei 4.717/1965), como assistente litisconsorcial do autor.
(iv) Outro legitimado ativo intervém na ação civil pública, como assistente litisconsorcial do autor (art. 5.º, § 2.º, da Lei
7.347/1985).

WAMBIER; TALAMINI, 2016.

A decisão sobre a admissão, assim como a rejeição liminar, é recorrível por meio de agravo de instrumento, sendo interessante relembrar que esta decisão, em se tratando de órgãos ou entidades federais, é de competência da Justiça Federal:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

cpc/2015

STJ – Súmula nº 150: Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.

No caso de recursos repetitivos, o STJ possui precedente informando que não cabe assistência simples quando o pretenso assistente é parte em outro processo submetido à tese. O entendimento tende a se manter, em face da semelhante redação do art. 1.038, I, do CPC, e art. 543-C, §4º, do CPC/73.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA SIMPLES EM PROCESSO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC.
Não configura interesse jurídico apto a justificar o ingresso de terceiro como assistente simples em processo submetido ao rito do art. 543-C do CPC o fato de o requerente ser parte em outro feito no qual se discute tese a ser firmada em recurso repetitivo. Isso porque, nessa situação, o interesse do terceiro que pretende ingressar como assistente no julgamento do recurso submetido à sistemática dos recursos repetitivos é meramente subjetivo, quando muito reflexo, de cunho meramente econômico, o que não justifica sua admissão como assistente simples. Outrossim, o requerente não se enquadra no rol do art. 543-C, § 4º, do CPC, sendo certo ainda que nem mesmo aqueles inseridos da referida lista podem ser admitidos como assistentes no procedimento de recursos representativos, não sendo possível, também, a interposição de recurso por eles para impugnar a decisão que vier a ser prolatada. Ademais, a admissão da tese sustentada pelo requerente abriria a possibilidade de manifestação de todos aqueles que figuram em feitos que tiveram a tramitação suspensa em vista da afetação, o que, evidentemente, inviabilizaria o julgamento de recursos repetitivos. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014.

STJ – Informativo nº 0540.

Art. 1.038. O relator poderá:
I – solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno;

cpc/2015

Referências

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2016, recurso digital.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. Salvador: Jus Podivm, 2016.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: Revista os Tribunais, 2016, recurso digital.

Intervenção de terceiros

O processo civil brasileiro é marcado por uma triangularização evidenciada nos seguintes atores processuais: julgador, autor e réu. O primeiro mantém uma posição de imparcialidade, de forma a alcançar o exercício idôneo da jurisdição. Autor e réu, entretanto, são parciais, compondo as partes na demanda.

O terceiro, a seu turno, é a pessoa alheia à atividade processual. É o que se alcança por exclusão a partir do conceito de parte. Apesar deste distanciamento inicial, o terceiro pode vir a integrar o processo, deixando sua condição externa e passando compor subjetivamente o processo, em um fenômeno processual chamado de intervenção. Esse fenômeno configura um incidente (pois ocorre dentro de um mesmo processo) e pode ser espontâneo, quando o terceiro suscita sua inclusão (ex. assistência), ou provocado (ou forçado), quando o mesmo é convocado a Juízo (ex. denunciação da lide). A doutrina majoritariamente reconhece que o terceiro passa a ser parte, mas há autores que aduzem que especificamente o assistente simples e o amicus curiae tornam-se apenas sujeitos secundários.

Obs: frise-se que há limitação às intervenções em outros diplomas legislativos (microssistemas processuais), como na Lei dos Juizados Especiais (art. 10) e a Lei nº 9.868/99 (Lei do controle concentrado de constitucionalidade). Em regra, as intervenções são direcionadas ao procedimento civil comum.

O aperfeiçoamento da intervenção demanda uma pertinência jurídica entre o terceiro e a lide instaurada:

É fundamental perceber, no entanto, que a correta compreensão das intervenções de terceiro passa, necessariamente, pela constatação de que haverá,  sempre, um vínculo entre o terceiro e o objeto litigioso do processo. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 485).

Como consequências do incidente, há uma modificação subjetiva (pois há mudança nos integrantes da lide) e, em certos casos, objetiva (com ampliação ou inserção de novas demandas e pedidos no processo, como o pedido relativo à responsabilidade em regresso do denunciado).

Estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito

O estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito são circunstâncias que justificam a conduta praticada, tornando-a compatível com o ordenamento e, consequentemente, impedindo o reconhecimento da prática delituosa.

Legítima defesa

O Código Penal expõe:

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Trata-se de causa excludente de ilicitude referente ao repelimento moderado de injusta agressão (deve ser portanto, uma direta ou indireta agressão humana) que está acontecendo (atual) ou prestes a acontecer (iminente) para proteger direito seu ou de outrem (finalidade almejada pelo agente).

São suas características precípuas, além da imersão psicológica do agredido na situação justificante:

Uma injusta agressão: é conduta contrária ao direito (ação ou omissão) que ameaça bens jurídicos de alguém. Há divergência sobre a conduta do inimputável.

Alerta a doutrina que a injustiça da agressão independe da consciência do agressor. Inimputáveis, por exemplo, podem cometer agressões injustas (por eles não compreendidas), autorizando o agredido invocar legítima defesa. (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). Salvador: JusPodivm, 2016, p. 265)

Atual ou iminente: não podendo ser futura. Deve corresponder à noção de reação.

A ação exercida após cessado o perigo caracteriza vingança, que é penalmente reprimida. Igual sorte tem o perigo futuro, que possibilita a utilização de outros meios, inclusive a busca de socorro da autoridade pública. (JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014, recurso digital.).

Uso moderado dos meios necessários: de acordo com as circunstâncias e meios disponíveis, exige-se que a reação seja razoável, proporcional e moderada, suficiente para impedir a agressão. O excesso impõe a responsabilidade a título culposo ou doloso.

Trata-se daquele menos lesivo que se encontra à disposição do agente, porém hábil a repelir a agressão. Havendo mais de um recurso capaz de obstar o ataque ao alcance do sujeito, deve ele optar pelo menos agressivo. (ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016, recurso digital).

É importante relembrar o que informa o art. 23, parágrafo único, do CP, aplicável a todas as espécies de excludentes:

Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

A configuração do excesso é subsequente à reação justificada e pode decorrer de dolo ou culpa. Exemplo clássico disso é a “reação” que continua após o cessar da agressão inicial, como no caso em que o agressor já encontra-se submetido.

Excesso: É a intensificação desnecessária de uma ação inicialmente justificada. Presente o excesso, os requisitos das descriminantes deixam de existir, devendo o agente responder pelas desnecessárias lesões causadas ao bem jurídico ofendido (cf. art. 23, parágrafo único). (CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2013, recurso digital).

A doutrina ainda se debruça sobre vertente do excesso doloso decorrente de erro de proibição indireto. Neste caso, a pessoa que reage excede-se dolosamente por erro sobre os limites objetivos da legítima defesa (ex. a pessoa pensa que a legítima defesa abrange atos posteriores ao efetivo repelimento da agressão).

Neste último exemplo, embora a conduta praticada em excesso tenha sido dolosa, ela foi derivada de erro sobre os limites de uma causa de justificação, e nesse caso, como em qualquer modalidade de erro, devemos aferir se era evitável ou inevitável. Se inevitável, o agente, embora atuando em excesso, será considerado isento de pena; se evitável o erro, embora o fato por ele praticado seja típico, ilícito e culpável, verá sua pena reduzida entre os limites de um sexto a um terço, nos termos da parte final do art. 21 do Código Penal. (GRECO, Rogério. p. Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 463).

O excesso doloso (intencional, consciente, voluntário), excetuadas as situações de erro se transforma em ilícito próprio, respondendo a pessoa a título doloso.

O excesso culposo (inconsciente, involuntário ou não intencional) angaria discussões mais complexas na doutrina sobre a efetiva natureza da conduta, mas, sob a luz do Código Penal, é admitida em termos gerais como situação de erro. Assim, investiga-se se estamos diante de erro invencível (inevitável, desculpável, escusável), situação em que o agente não responderá; ou se o erro é vencível (evitável, indesculpável, inescusável), ocasião em que haverá responsabilidade a título de culpa.

Outro tópico discutido sem muita homogeneidade doutrinária é o excesso intensivo e extensivo.

O excesso extensivo se dá quando a defesa se prolonga durante mais tempo do que dura a atualidade da agressão. O excesso intensivo pressupõe, ao contrário, que a agressão seja atual mas que a defesa poderia e deveria adotar uma intensidade lesiva menor. O excesso extensivo é, pois, um excesso na duração da defesa, enquanto que o excesso intensivo é um excesso em sua virtualidade lesiva. (MIR PUIG, Santiago. Derecho penal: parte general, p. 434, apud GRECO, Rogério. op. cit., p. 465).

Legítima defesa real vs legítima defesa putativa

A doutrina não admite a concomitância de legítimas defesas reais, pois é necessário que exista uma agressão injusta, e a reação legítima é, por natureza, justificada. Isso não é empecilho para um embate entre legítima defesa real e putativa (imaginária, decorrente de erro, má representação da realidade vivenciada), pois a ação putativa, firmada em erro sobre o contexto fático, é injusta, permitindo que ocorra a reação legítima.

O caso clássico exposto pela doutrina é a do encontro entre inimigos capitais. Um, pensando que o outro se aproxima com intuito vil (quando na verdade vem buscar conciliação), efetua disparo preventivamente, supondo encontrar-se prestes a ser alvejado. O outro, diante da agressão, reage.

Outro caso é o de legítima defesa sucessiva:

É possível, no entanto, que uma pessoa aja inicialmente em legítima defesa e, após, intensifique desnecessariamente sua conduta, permitindo que o agressor, agora, defenda-se contra esse excesso (legítima defesa sucessiva — isto é “a reação contra o excesso”). (ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016, recurso digital).

Commodus discessus

A possibilidade de evitar integralmente a situação que ensejará a necessidade do uso da legítima defesa, fugindo inteiramente da ocasião em vias inflamatórias, chama-se “commodus discessus”, ou “saída cômoda”. A doutrina não observa empecilho ao reconhecimento da causa excludente caso a pessoa agredida não tenha aproveitado a oportunidade de se evadir do conflito. Em outras palavras, a agressão não precisa ser inevitável para se viabilizar a legítima defesa.

Ofendículos

São mecanismos e instrumentos empregados para a defesa de bens jurídicos (ex. cercas elétricas, material cortante em muros).

Embora haja dissenso doutrinário a respeito da natureza jurídica dos ofendículos (legítima defesa ou exercício regular de um direito), prevalece o entendimento de que sua preparação configura exercício regular de um direito, e sua efetiva utilização diante de um caso concreto, legítima defesa preordenada. (ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016, recurso digital).

Estado de necessidade

O estado de necessidade possui o seguinte regramento no Código Penal:

Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

Em suma, o sacrifício de bem jurídico em situação de estado de necessidade é justificado, excluindo-se a ilicitude da conduta formalmente típica.

No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. Como o agente não criou a situação de ameaça, pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo. (CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2013, recurso digital).

São as características da causa excludente:

Perigo atual não voluntário: é a situação de periculosidade inevitável verificada com atualidade, não causada voluntariamente pelo próprio agente, existente no mesmo e imediato momento cronológico da ação necessitada. Não abarca um perigo iminente.

Salvaguarda de direito próprio ou alheio: o ato pode preservar direito (portanto há de ser posição jurídica reconhecida pelo ordenamento) próprio ou alheio cujo sacrifício não era razoavelmente exigível (o CP não difere os valores dos bens, mas determina a razoabilidade do sacrifício nas circunstâncias). Faltando com a razoabilidade, aplica-se ainda a minorante (causa de diminuição de pena) do §2º.

Ausência de dever legal e ciência da circunstância: o agente não pode ter dever legal de enfrentar o perigo instaurado e tem que estar subjetivamente ciente das circunstâncias e atuar volitivamente de acordo (ou seja, deve atuar subjetivamente em estado de necessidade, com finalidade de salvar bem jurídico próprio ou de outrem).

Teoria unitária: é importante frisar que o Código Penal admite o estado de necessidade justificante (ou seja, como excludente de ilicitude), não fazendo diferenciação entre o valor relativo entre o bem jurídico protegido e o sacrificado, como faz o Código Penal Militar (que possui também um estado de necessidade exculpante).

A doutrina exemplifica:

a) danos materiais produzidos em propriedade alheia para extinguir um incêndio e salvar pessoas que se encontram em perigo;
b) subtração de um automóvel para transportar um doente em perigo de vida ao hospital (se não há outro meio de transporte ou comunicação);
c) violação de domicílio para acudir vítimas de crime ou desastre; (JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014, recurso digital.).

Da ilicitude

A ilicitude (ou antijuridicidade) é, em termos gerais, contrariedade ao lícito, conforme delimitado pela ordem jurídica como um todo. Há ilícito no desrespeito a normas de qualquer ramo do Direito. Em se tratando de Direito Penal, a mesma representa o segundo substrato do conceito analítico do crime, estando presente sempre que inexistir causa de justificação (ou exclusão de ilicitude). Nesse tocante, é possível afirmar que todo crime é um ilícito, mas nem todo ilícito é um crime.

A antijuridicidade é, pois, o choque da conduta com a ordem jurídica, entendida não só como uma ordem normativa (antinormatividade), mas como uma ordem normativa de preceitos permissivos. (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1 o ao 120). Salvador: JusPodivm, 2016, p. 254).

Para a doutrina majoritária uma conduta típica (primeiro substrato) é indício de uma conduta ilícita. Não há uma absoluta vinculação, mas uma relação de indiciariedade. Esta teoria é denominada de ratio cognoscendi ou teoria da indiciariedade. Consequência primordial disto é que a comprovação do fato típico pelo titular da ação penal gera uma presunção de que a conduta investigada também é ilícita, cabendo ao réu ou querelado fazer prova em contrário ou gerar dúvida suficiente sobre a mesma (art. 386, VI, do CPP), notadamente a existência de causa de exclusão ou justificação. Exemplo disso se verifica no seguinte excerto de decisão do STJ:

Ademais, a mera assertiva de desconhecimento do falsum insistentemente aduzida ao longo de toda instrução – argumento de astúcia e esperteza costumeiramente aduzido em crimes da espécie – em nada foi corroborada nos autos, alegação que, uma vez adotada a Teoria da Ratio Cognoscendi, ou Teoria da Indiciariedade, exclusivamente competia ao Réu, a exemplo do que se esperava ainda, no que tange a demonstração da origem lícita da cédula. (STJ – AREsp 649379 RS – Decisão Monocrática – DJ 31/03/2015).

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;

Compreendido o elemento em questão, passo imprescindível é analisar as situações que o excluem, usualmente denominadas de excludentes de ilicitude, antijuridicidade ou causas justificantes (assim denominadas pois tornam o ato “justo”, concorde com o Direito), com previsão legal no Código Penal:

Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Definição analítica do crime

O fato jurídico de interesse primordial do Direito Penal é o crime. Para adequadamente compreender o fenômeno, é necessário identificar os substratos do mesmo, os elementos que compõem a noção dogmática de crime.

Um conceito analítico de crime (ou seja, completo, estrutural e descritivo), sob ótica tripartite, majoritariamente adotada pela doutrina brasileira, apresenta os seguintes elementos:

a) fato típico;
b) ilicitude (antijuridicidade);
c) culpabilidade;

O fato típico, em poucas palavras, diz respeito à adequação de uma conduta humana a uma previsão legal. É a correspondência entre o ato ou omissão e o que foi descrito no tipo penal.

Fato típico, portanto, pode ser conceituado como ação ou omissão humana, antissocial que, norteada pelo princípio da intervençáo mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se subsume ao modelo Je conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal. (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1 o ao 120). Salvador: JusPodivm, 2016, p. 177).

A ilicitude (antijuridicidade ou injustificação), é a incompatibilidade da conduta com o Direito. É o segundo substrato da apreciação do crime. Condutas podem ser típicas (ex. matar alguém), mas permitidas ou justificadas pela legislação (ex. estado de necessidade), situações em que, por carência de ilicitude ou injustificação, não se verifica crime.

A culpabilidade é elemento relativo à reprovabilidade lançada sobre o agente. Para verificar se há reprovabilidade e, portanto, crime, é necessário analisar a imputabilidade do agente, a exigibilidade de conduta diversa, potencial consciência da ilicitude e inexistência de situação exculpante.

É importante ressaltar que a abordagem acima diz respeito ao critério analítico tripartite de definição do crime, não excluindo outras formas de visualizar o fenômeno. Exemplos de outras definições são visíveis em outras áreas do conhecimento e até mesmo na legislação (critério legal), como se vê na Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº 3.914/41):

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.

O próprio critério analítico, inclusive, possui mais de uma delimitação, sendo majoritária na doutrina pátria a tripartite (três elementos para definir o que é crime).

Critério analítico: Esse critério, também chamado de formal ou dogmático, se funda nos elementos que compõem a estrutura do crime. Basileu Garcia sustentava ser o crime composto por quatro elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Essa posição quadripartida é claramente minoritária e deve ser afastada, pois a punibilidade não é elemento do crime, mas consequência da sua prática. Outros autores adotam uma posição tripartida, pela qual seriam elementos do crime: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Perfilham desse entendimento, entre outros, Nélson Hungria, Aníbal Bruno, E. Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis Prado. (MASSON, Cleber. Código Penal comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2014, recurso digital).

Tutela provisória: noções gerais

A tutela jurisdicional é a providência tomada por órgãos judiciários que visa à busca, preservação e garantia de direitos e interesses. Neste contexto, as tutelas provisórias são aquelas que carecem de definitividade e visam a regular a situação jurídica discutida até eventual revogação, perda de objeto ou advento da decisão final. Assim, não dependem de um exame profundo da demanda (cognição exauriente), mas de simples cognição sumária.

No Código de Processo Civil de 2015, as tutelas provisórias são fundadas em uma situação de urgência ou diante da evidência.

Art. 294.  A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

O interesse precípuo da concessão de tais medidas provisórias é a busca por efetividade do processo, visualizado como instrumento para a garantia do direito material pertinente.

Em vez de fixar-se na excessiva independência outrora proclamada para o direito processual, a ciência atual empenha-se na aproximação do processo ao direito material. (THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2015, recurso digital).

A tutela de urgência funda-se no contexto de urgência. Há necessidade da tomada da decisão com celeridade, sob pena de prejuízo aos interesses discutidos (ex. o advento da morte pela falta de medicação pleiteada) ou ineficácia ulterior da demanda (ex. o devedor que, ao fim do processo, já se desfez de todo seu patrimônio penhorável). Seus requisitos são: a) probabilidade do direito, que é a aparência de procedência do pedido formulado (ex. forte e coerente embasamento legal, doutrinário e jurisprudencial que indique a concretude do direito invocado); e b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), situação fática que deve ser comprovada pela parte interessada (ex. juntada de atestados médicos, comprovantes de transações indevidas do devedor).

Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Como subespécies da tutela de urgência, verificam-se a tutela de urgência cautelar (quando o interesse precípuo da medida é conservativo, como no caso em que se deixa um bem em depósito antes de determinar a propriedade do mesmo entre dois interessados, evitando-se dilapidação) e a tutela de urgência antecipada (quando o interesse primordial é o de adiantar e satisfazer a pretensão, como na realização imediata de cirurgia).

O art. 301, do CPC, explicita em sua redação uma possibilidade de interpretação analógica, fornecendo uma fórmula (rol aberto, portanto) para indicar possíveis medidas de índole cautelar:

Art. 301.  A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.

Em face da situação de urgência, a lei prevê a possibilidade de concessão liminar (como decisão inaugural do processo, sem necessidade de nova invocação do autor para reforçar a presença dos requisitos de concessão) ou de concessão após justificação prévia (quando normalmente o autor é convocado para melhor demonstrar os requisitos concessivos). No primeiro caso, é importante observar que à Justiça é facultado o contraditório prévio, sendo possível a concessão inaudita altera parte (literalmente não ouvida a outra parte), conforme dispõe o art. 9º, I, do CPC:

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único.  O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;

Diferentemente, a tutela da evidência (que substitui parte das antigas hipóteses de tutela antecipada do CPC/73) dispensa contexto de perigo ao direito ou risco ao fim útil do processo, bastando-lhe a comprovação das seguintes circunstâncias no caso concreto:

I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Como se percebe, são hipóteses fáticas onde não há necessariamente uma urgência determinante da decisão judicial, mas há elementos suficientes para acelerar a marcha processual, trazendo mais eficiência à atividade jurisdicional.

Em face da natureza provisória e precária destes provimentos, que podem ser revogados a qualquer instante ou cair por terra em face da improcedência final do pedido, algumas características legais podem ser ressaltadas.

Art. 300, § 1º: Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
Art. 302.  Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I – a sentença lhe for desfavorável;
II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;
IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Parágrafo único.  A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

A caução real (bens ou direitos reais) ou fidejussória (a fiança) pode ser exigida pela justiça de acordo com o caso concreto. O dispositivo suscita um olhar crítico do julgador sobre a possibilidade de a decisão trazer danos à parte contrária e habilidade do autor em ressarci-los.
O fato de tais decisões não estarem amparadas pela integralidade do rito processual contraditório, com instrução e julgamento definitivo, implica a natureza precária já invocada. Decorrência de tal qualidade é o risco inerente criado pela decisão solicitada pelo autor, razão pela qual o mesmo responde objetivamente pelos prejuízos causados ao réu, conforme hipóteses enumeradas no artigo acima. Sendo espécie de responsabilidade objetiva, não há necessidade de comprovação de elemento culposo (ou seja, é devida indenização inclusive nos casos em que o autor acreditava piamente na procedência do seu pedido).

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