A justiça é um complexo tema recorrentemente abordado pela Filosofia, pela Ética, pela Religião, pelo Direito e tantos outros ramos do conhecimento humano. As abordagens do objeto são inúmeras e passam por filósofos ocidentais e orientais antigos e contemporâneos. Uma resposta prefacial ao questionamento “o que é justiça?” é inviabilizada pela multiplicidade de visões lançadas sobre o objeto, mas admite um rico debate no que diz respeito à formulação e aplicação do Direito (ou seja, desde o nascedouro das normas até a decisão definitiva que consagra a aplicação delas).

Contos milenares, como a história de Antígona, representam bem como a noção de justiça atormenta os homens. Na prosa do grego Sófocles, entram em embate as normas postas pelo homem contra os costumes e normas religiosas (entendidas superiores e, consequentemente, a verdadeira justiça, por Antígona). A narrativa passeia pelo conflito e pelas noções de justiça dos seus atores, contrapondo manifestações primordiais do positivismo e do jusnaturalismo.

Estudiosos como Perelman e Kelsen abordaram o tema dentro da ciência jurídica, chegando à conclusão que a noção de justiça aplicada em concreto é deveras relativa, dependente das culturas em que se inserem os indivíduos, das peculiaridades de suas sociedades e histórias e da forma de pensamento. Por isso, para o primeiro seria mais interesse resolver o conflito social por meio da razoabilidade da argumentação jurídica. Já o segundo busca uma fundação da ciência jurídica independentemente de valores externos, alcançando um sistema normativo puro, passível de universalização e funcionamento alheio a subjetivismos.

A discussão é atual e serve para a contraposição entre a atuação formal dos participantes políticos (legisladores e governantes) e não políticos (juízes, advogados, defensores etc.) da vida jurídica de uma sociedade e a finalidade última dos procedimentos de edição e aplicação das normas. Para Bittar (2016, p. 596), poder-se-ia falar da Justiça como preenchimento semântico do Direito (que seria mera forma posta, enquanto a Justiça seria conteúdo, significado).

A conclusão de Bittar (2016) é valiosa e expressa bem o multifacetado papel que a Justiça deveria operar no Direito na contemporaneidade:

A justiça funciona, enquanto valor que norteia a construção histórico-dialética dos direitos, como fim e como fundamento para expectativas sociais em torno do Direito. Apesar de a justiça ser valor de difícil contorno conceitual, ainda assim pode ser dita um valor essencialmente humano e profundamente necessário para as realizações do convívio humano, pois nela mora a semente da igualdade. (BITTAR, 2016, p. 597).

Kelsen, em seus ensaios, também já abordou o tema e, após anunciar seu fracasso no que diz respeito a uma formulação universal e absoluta de Justiça, argumenta que a Justiça, na sua visão pessoal, se revelaria na ordem social na qual a busca pela verdade poderia prosperar, na qual prevaleceria a liberdade e a paz: uma justiça da democracia, uma justiça da tolerância. (KELSEN, 1971).

 

Referências

BITTAR, Eduardo Garcia Bianca. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2015.
KELSEN, Hans. What is justice?: Justice, Law, and Politics in the mirror of science. London: University of California Press, 1971.