Ladeando a atuação da Administração Pública direta e indireta, certas entidades com natureza jurídica de direito privado colaboram e cooperam com o Estado para a persecução de finalidades tipicamente públicas. Nesse contexto estudam-se as entidades paraestatais (o afixo “para” já denota a noção de paralelismo) e/ou o chamado terceiro setor.
Os conceitos e contornos destas categorias não são unânimes na doutrina pátria, mas majoritariamente vige a noção apresentada, reforçando a atuação paralela ao Estado e natureza privada de tais entidades, mesmo que com mitigações decorrentes do envolvimento com a esfera pública. Essa derrogação parcial do perfil privado tem níveis distintos entre as figuras a seguir estudadas.
No mesmo sentido de entidades paralelas ao Estado, adotado por Celso Antônio Bandeira de Mello para definir os entes paraestatais, podem ser consideradas, hoje, além dos serviços sociais autônomos, também as entidades de apoio (em especial fundações, associações e cooperativas), as chamadas organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público. Na realidade, todas essas entidades poderiam ser incluídas no conceito de serviços sociais autônomos; […] (DI PETRO, 2014, p. 565).
Outras características comuns apontadas pela doutrina são o recebimento de incentivos do Estado e a necessidade de prestação de contas ao Tribunal de Contas pertinente, tendo em vista o manuseio de dinheiro público.
Serviços sociais autônomos
São pessoas jurídicas de direito privado que se vinculam ao Estado e executam alguma atividade de interesse público, razão pela qual tipicamente se beneficiam de recursos públicos. A previsão de tais entidades deriva de lei autorizadora, mas esta não as cria efetivamente, tal qual ocorre com as autarquias.
Em âmbito federal, são exemplos comuns o SESI (Serviço Social da Indústria) e o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), integrantes do “Sistema S”. O objetivo intrínseco de tais serviços é o de fomento de atividades de utilidade pública, razão pela qual lhes é vedada a finalidade lucrativa.
Essas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas
atividade privada de interesse público (serviços não exclusivos do Estado) (DI PIETRO, 2014, p. 574).
Tais figuras, ademais, podem se beneficiar de recursos orçamentários repassados diretamente pelo ente público com o qual se relacionam e de contribuições parafiscais usualmente recolhidas pelo INSS.
O recursos carreados às pessoas de cooperação governamental são oriundos de contribuições parafiscais, recolhidas compulsoriamente pelos contribuintes que as diversas leis estabelecem, para enfrentarem os custos decorrentes de seu desempenho, sendo vinculadas aos objetivos da entidade. A Constituição Federal, aliás, refere-se expressamente a tais contribuições no art. 240, nesse caso pagas por empregadores sobre a folha de salários. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 541).
Entidades de apoio
As entidades de apoio são pessoas jurídicas (normalmente fundações ou associações) que, normalmente por meio de convênios com a Administração Pública, prestam serviços sociais não exclusivos do Estado (aquelas atividades de índole pública que também são livres à iniciativa privada, como educação ou saúde).
Normalmente, por meio desse convênio, é prevista, em benefício dessas entidades, a utilização de bens públicos de todas as modalidades (móveis e imóveis) e de servidores públicos. (DI PIETRO, 2014, p. 575).
Exemplo notório se vislumbra na Lei nº 8.958/94, que prevê contornos para a colaboração entre Universidades Federais (e Instituições Científicas e Tecnológicas) e fundações de apoio. Entidades como estas são a Fundação da Universidade Federal do Paraná (FUNPAR) e a Fundação da Universidade de São Paulo (FUSP).
Organizações sociais
As organizações sociais são particulares, sem fins lucrativos, criadas pela lei 9.637/98, para prestação de serviços públicos não exclusivos de Estado, tais como ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, entre outros definidos na própria lei. Assim como as demais entidades paraestatais, não integram a estrutura da Administração Pública direta ou indireta, não dependendo de lei para a sua criação e as atividades por ela exercidas são aqueles serviços não exclusivos. (CARVALHO, 2016, p. 692).
Tais entidades, assim como as outras já mencionadas, beneficiam-se de vantagens públicas, como dotações financeiras, cessão de bens públicos e servidores.
A peculiaridade desta entidade do terceiro setor é a necessidade de um ajuste próprio com a Administração: o contrato de gestão. É através deste instrumento que lhe é conferida a qualificação (em âmbito federal). Vale frisar que, para Carvalho Filho (2014), tal instrumento se aproxima mais de um convênio, pois não há antagonismo obrigacional. As partes atuam paralelamente para atingir um objetivo comum.
Os principais requisitos na seara federal para obtenção da referida qualificação se verificam no art. 2º, da Lei nº 9.637/98:
Art. 2º São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social:
I – comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:
a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação;
b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades;
c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;
d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral;
e) composição e atribuições da diretoria;
f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão;
g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto;
h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade;
i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados;
II – haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado.
Tais entidades, em face das benesses angariadas, se submetem à supervisão do ente público, sendo comuns no Tribunal de Contas da União decisões que apuram fraudes e ilícitos perpetrados no bojo de tais instituições. Se constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão, o Estado poderá proceder à desqualificação da entidade, sendo garantida a ampla defesa em procedimento administrativo. A desqualificação impõe, ainda, a reversão dos bens públicos recebidos (art. 16, caput e §2º, da Lei nº 9.637/98).
Outra peculiaridade é a previsão de contratação de tais entidades para prestação de serviços com dispensa à licitação (ou seja, seria possível a concorrência, mas o legislador optou pela possibilidade de dispensa):
Lei nº 8.666/93, Art. 24. É dispensável a licitação: XXIV – para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.
Tal previsão legal foi reputada constitucional pelo STF (ADI 1923).
Organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPS)
De forma semelhante às organizações sociais, as OSCIPS também são entidades privadas, sem finalidade lucrativa, voltadas à execução de atividades não exclusivas do Estado, como as relativas à saúde, educação, cultura etc.
Por outro lado, na seara federal são regidas pela Lei nº 9.790/99, que afirma:
Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 3 (três) anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei.
Entre os requisitos, encontra-se primeiro o objeto finalístico da entidade (art. 3º), que pode ser, entre outros, a promoção da assistência social, da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza etc.
Atendendo aos objetivos permitidos pela lei, os estatutos de tais organizações deve tratar expressamente das matéras insertas no art. 4º, da Lei nº 9.790/99, tais como:
I – a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência;
II – a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório;
VII – as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão, no mínimo:
a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade;
Respeitados os requisitos legais (arts. 3, 4 e 5), a entidade receberá certificado de qualificação como OSCIP. A qualificação em si é ato vinculado, razão pela qual o atendimento aos requisitos legais impõe o deferimento da qualificação pretendida.
Munida desta qualificação, a entidade passa a ser hábil a firmar termo de parceria com a Administração Pública. Este instrumento tratará dos direitos e obrigações das partes envolvidas, possibilitando o recebimento de valores públicos, cessão de bens e servidores. Naturalmente, também emerge a sujeição ao controle finalístico e supervisão pelos órgãos competentes do Estado.
Ressalte-se que, para a celebração do termo de parceria, não há necessidade de realização de procedimento licitatório, haja vista o vínculo ter natureza jurídica de convênio. Inclusive, pode-se perceber, da leitura do art. 6° da lei 9.790/99, que o termo de parceria é ato vinculado do poder público. Sendo assim, caso a entidade cumpra os requisitos de lei para a qualificação como OSCIP, a Administração não pode negar o vínculo. (CARVALHO, 2016, p. 699).
Organizações da sociedade civil (OSC)
Nos moldes do art. 2º, da Lei nº 13.019/14, organizações da sociedade civil são:
a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social.
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;
Como se percebe, a nova modalidade de entidade do terceiro setor estabelecida pela Lei nº 13.019/14 não difere drasticamente das organizações sociais e OSCIPs (cujas leis aplicam-se ao âmbito federal, enquanto esta emerge como “norma geral” para todos os entes). Permanecem íntegras as noções típicas: tais entidades não podem ter fins lucrativos, devem possuir cunho social (educação, capacitação, combate à pobreza etc.), devem ligar-se ao Estado por meio de instrumento com natureza típica de convênio (ou seja, conjunção de interesses) e ficam sujeitas à fiscalização pelos entes públicos e obrigadas à devida prestação de contas.
Peculiaridade que se destaca de pronto é o nome de tais convênios: termos de colaboração; termos de fomento; ou acordos de cooperação.
Cada um desses instrumentos tem um enfoque próprio, mas todos visam à persecução de interesses sociais:
O termo de colaboração deve ser adotado pela administração pública em caso de transferências voluntárias de recursos para consecução de planos de trabalho propostos pela administração pública, em regime de mútua cooperação com organizações da sociedade civil, selecionadas por meio de chamamento público, enquanto que o termo de fomento é celebrado para consecução de planos de trabalho propostos pelas organizações da sociedade civil, também selecionadas por meio de chamamento público. Ambos os acordos envolvem transferência de recursos financeiros do poder público ao particular.
Por outro lado, o acordo de cooperação é o instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros. (CARVALHO, 2016, p. 701).
No caso do termo de fomento, a proposta é de titularidade da entidade privada, enquanto no termo de colaboração, a proposta é da Administração.
Como se sabe, convênios não se submetem ao regime licitatório em sua integralidade (pois não são contratos em si), mas, em atenção aos princípios da impessoalidade, moralidade etc., ainda é necessário um procedimento de seleção idôneo, que se verifica no chamamento público estabelecido na legislação.
A celebração da parceria, dita o art. 18, envolve o Procedimento de Manifestação de Interesse Social, pelo qual se possibilita a apresentação de propostas pelas entidades privadas interessadas. Afirma o art. 23 que: “A administração pública deverá adotar procedimentos claros, objetivos e simplificados que orientem os interessados e facilitem o acesso direto aos seus órgãos e instâncias decisórias […]”.
Em casos de urgência, guerra ou grave perturbação da ordem pública ou programa de proteção a pessoas ameaçadas ou com segurança comprometida, o certame é dispensado (art. 30).
Complementação
Súmula nº 516, do STF: O Serviço Social da Indústria (SESI) está sujeito à jurisdição da Justiça estadual.
Súmula nº 724, do STF: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.
STJ – Informativo nº 600 (abril de 2017): A organização da sociedade civil de interesse público – OSCIP -, mesmo ligada ao Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado – PNMPO, não pode ser classificada ou equiparada à instituição financeira, carecendo, portanto, de legitimidade ativa para requerer busca e apreensão de bens com fulcro no Decreto-Lei n. 911/1969 (ação de busca e apreensão em caso de alienação fiduciária).
STJ – Informativo nº 372 (outubro de 2008): PESSOA JURÍDICA. DIREITO PRIVADO. São inaplicáveis à pessoa jurídica de direito privado em questão (ente de cooperação com natureza de serviço social autônomo) os benefícios processuais inerentes à Fazenda Pública, não se podendo alegar violação ao art. 730 do CPC (precatório judicial).
Referências
CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. Salvador: JusPodivm, 2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014.
Questões
CESPE – MPE/RR – Promotor de Justiça Substituto (2017): Determinado estado da Federação pretende propor a celebração de parceria com uma organização da sociedade civil na área de preservação do meio ambiente, visando à consecução de interesse público e recíproco. Tal parceria envolverá o repasse de recursos financeiros do estado para a organização.
Nessa situação, deverá ser firmado o instrumento denominado
Termo de parceria é para OSCIP.
Correto.
Convênio prescinde de prévia licitação.
Nesse instrumento não há repasse financeiro.
CESPE – Procurador do Município de Fortaleza (2017): No caso de parceria a ser firmada entre a administração pública e organização da sociedade civil, se não houver transferências voluntárias de recursos, deverá ser utilizado o instrumento jurídico estabelecido em lei denominado acordo de cooperação.
Isso mesmo. Havendo repasse, necessita-se do termo de colaboração ou termo de fomento.
O enunciado está correto.
CESPE – TJ/PR – Juiz Substituto (2017): Acerca das entidades paraestatais e do terceiro setor, assinale a opção correta.
Correto. Instrumentos com natureza de convênio não necessitam de licitação, mas em regra há de ser oportunizada uma chamada ou seleção para resguardar o princípio da impessoalidade e garantir a moralidade da relação.
São áreas de atuação não exclusiva, livres à iniciativa privada também, com ou sem fins lucrativos.
Organizações sociais não são passíveis de qualificar-se como OSCIPs (art. 2º, IX, da Lei 9.790).
Como pessoa jurídica de direito privado, não atrai a especialidade das varas fazendárias.
IDECAN – Câmara de Aracruz – Procurador Legislativo (2016)
Nos termos da doutrina do Direito Administrativo, quanto às entidades que atuam paralelamente ao Estado, é correto afirmar que
Errado, são outras ferramentas, como o chamamento público.
Termo de parceria é para OSCIP.
O STF vê na OAB um regime jurídico sui generis, alheio à estrutura da Administração Pública.
Correto. Daí a noção de paraestatalidade.