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STJ – Súmula nº 618 comentada

A Súmula nº 618, do STJ, foi publicada em 30 de outubro de 2018, após julgamento pela Corte Especial do Tribunal em 24 do mesmo mês:

Súmula 618 – A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental.

 

O entendimento do STJ, cristalizado e consolidado no enunciado acima, ratifica a doutrina e jurisprudência majoritária sobre aspectos processuais das demandas que envolvem degradação do meio ambiente.

Com efeito, de início é bom lembrar que a Constituição traz o meio ambiente como um direito fundamental difuso que angaria uma multifacetada proteção social que deve ser dispensada por agentes econômicos, políticos, instituições constitucionais e pelo povo. Observe:

A proteção do meio ambiente e combate à poluição é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

Constituição Federal de 1988
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

 

Entre as funções institucionais do Ministério Público se destaca a proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos:

Constituição Federal de 1988
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

 

No âmbito da ordem econômica, a defesa do meio ambiente é um princípio orientador básico:

Constituição Federal de 1988
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

 

Por fim, consagra-se o direito difuso em si:

Constituição Federal de 1988
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

 

Nesse contexto, o STJ vinha reiteradamente decidindo que os danos causados ao meio ambiente sujeitam os infratores à responsabilidade objetiva (ou seja, sem a necessidade de comprovação de culpa, bastando a comprovação do nexo causal entre a atividade danosa e o dano gerado para viabilizar a responsabilidade).

Assim, a Súmula nº 618 vem à tona para reafirmar, nesse cenário, a aplicabilidade da inversão do ônus da prova nos processos em que se discute a responsabilidade por dano ambiental. Isso significa que o agente que lesou o bem jurídico terá o ônus de comprovar circunstância que impeça sua responsabilidade (não causou o dano, a conduta era inofensiva etc.). Na visão majoritária da corte, esta inversão decorreria do princípio da precaução.

É válido frisar que os precedentes do STJ também invocam a teoria do risco integral como estrato subjacente à responsabilidade civil nestas circunstâncias. Sob este parâmetro, a responsabilidade não é elidida nem mesmo por hipóteses tradicionais de rompimento do nexo causal (força maior, caso fortuito ou fato exclusivo de terceiro).

Do ponto de vista legal, a inversão do ônus da prova se verifica na conjunção dos dispositivos normativos da Lei nº 7.347/95 (Lei da ação civil pública) e da Lei nº 8.078/90 (Código de defesa do consumidor):

Lei nº 7.347/95
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

Lei nº 8.078/90
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Áreas de preservação permanente

A definição de uma área de preservação permanente (APP) é fornecida pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/12):

Lei nº 12.651/12
Art. 3º, II – Área de Preservação Permanente – área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

 

Biomas protegidos

As APP encontram-se em áreas urbanas ou rurais e se verificam nas hipóteses previstas na legislação, como faixas marginais de cursos de água natural perene ou intermitente, áreas ao entorno de lagos de certa circunferências, encostas íngremes, manguezais ou restingas:

Lei nº 12.651/12
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

 

As faixas a que se refere o art. 4º, I, são as chamadas matas ciliares. A proteção só decorre de rios d’água perenes (escoamento constante) ou intermitentes (ocorrem em períodos do ano), não existindo para efêmeros (cursos ocasionais).

 

II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

III – as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;

 

No caso de barreamento ou represamento, a APP é necessária, mas se o reservatório não decorrer de tais intervenções, não será exigida a APP (art. 4º, §1º).

 

IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;

VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

 

Restingas são estas áreas arenosas que acompanham a costa e podem vir a ter cobertura vegetal:

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VII – os manguezais, em toda a sua extensão;

 

A inserção dos manguezais como APPs é um acréscimo em relação ao Código Florestal anterior, sendo uma faixa litorânea lodosa influenciada pelo movimento constante das marés:

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VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;

XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.

A proteção legal das veredas como APPs também é adição do novo Código. Trata-se de um bioma semelhante às savanas.

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Regime legal

Como se percebe, tais áreas de proteção podem emergir em espaços urbanos ou rurais, públicos ou privados, de forma que a proteção legal é endereçada independentemente de tais circunstâncias. Diz o Código que tal área deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.

Não é demais relembrar que a lei atribui natureza real a tais obrigações, de forma que é a própria existência do bem que define tais obrigações, independentemente da qualidade do titular:

Lei nº 12.651/12
Art. 2º, § 2º As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.

 

Isso impõe, por exemplo, o dever de recompor a vegetação em caso de supressão. Tal obrigação é repassada ao sucessor independentemente de culpa.

A lei permite, entretanto, que ocorra intervenção ou supressão decorrente de usos autorizados, que podem ocorrer em virtude de situações de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental.

Outra hipótese mais específica, relacionada com manguezais e regularização fundiária é fornecida pelo art. 7º, §2°:

Lei nº 12.651/12
Art. 7º, §2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4o poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.

 

Situações de urgência, de atividades de segurança nacional ou obras de defesa civil para prevenção de acidentes também dispensam a autorização do órgão ambiental.

O acesso para obtenção de água e realização de atividades de baixo impacto ambiental também é permitido sem maiores formalidades.

O Poder Público, ademais, poderá instituir outras áreas de preservação permanente, quando houver declaração de interesse por ato do Chefe do Executivo (art. 6º), desde que destinadas às seguintes finalidades:

Lei nº 12.651/12
Art. 6º […]
I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;
II – proteger as restingas ou veredas;
III – proteger várzeas;
IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;
V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;
VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
VII – assegurar condições de bem-estar público;
VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares.
IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

 

Zoneamento ambiental

O zoneamento ambiental (ou Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil – ZEE) é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente e se revela como uma forma de intervenção estatal sobre o uso da terra, delimitando espaços de uso em adequação com as necessidades de proteção do meio ambiente, de acordo com um planejamento ambiental. A previsão legal da medida se encontra no art. 9º, III, da Lei 6.938/1981, e é regulamentada pelo Decreto nº 4.297/02.

Obs: não se deve confundir tal matéria com o zoneamento industrial, definido pela Lei nº 6.803/80, ou com o zoneamento urbano realizado no Plano Diretor dos Municípios, mesmo que a ideia de zoneamento permaneça a mesma, a de dar uma destinação adequada para certo espaço físico.

 

O ZEE organiza o território e deve ser seguido quando da implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas. Outrossim, o instrumento estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população. O Zoneamento busca organizar a atuação de agentes públicos, definidores de políticas públicas, e privados, exercentes de atividades econômicas.

Decreto 4.297/02
Art. 11. O ZEE dividirá o território em zonas, de acordo com as necessidades de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável.
Parágrafo único. A instituição de zonas orientar-se-á pelos princípios da utilidade e da simplicidade, de modo a facilitar a implementação de seus limites e restrições pelo Poder Público, bem como sua compreensão pelos cidadãos.

 

Vale frisar que o zoneamento pode ter amplitude nacional, regional ou local, evidenciando ser de competência comum dos entes federativos a adoção dos atos materiais relativas à tarefa, apesar de inexistir previsão legal acerca da realização de tais atos pelos Municípios.

Note-se que se trata de competência administrativa comum entre as entidades políticas, de modo que caberá aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios elaborar zoneamentos que atendam as suas peculiaridades regionais e locais, respectivamente, observados os parâmetros do ZEE federal, que não poderá adentrar em detalhes de forma a retirar a competência material das demais entidades políticas, salvo se promovido de maneira conjunta. (AMADO, 2014, e-book).

 

Em âmbito federal, define a legislação que cabe à União a elaboração e execução dos ZEEs de âmbito nacional e regional, tendo como objeto os biomas brasileiros e projetos prioritários da política ambiental. Neste âmbito, compete à Comissão Coordenadora do ZEE avaliar e aprovar os respectivos projetos.

Também se permite a articulação e cooperação com os Estados-membros.

Um dos pontos nodais dos ZEEs é a conjunção de esforços para o enriquecimento das informações sobre tais áreas de interesse ecológico, com a acumulação de dados a partir da contribuição de várias esferas da Administração Pública. Tais informações também servem para a informação e conscientização da população, divulgando o conhecimento adquirido em termos acessíveis.

Decreto 4.297/02
Art. 15. Os produtos resultantes do ZEE deverão ser armazenados em formato eletrônico, constituindo banco de dados geográficos.
Parágrafo único. A utilização dos produtos do ZEE obedecerá aos critérios de uso da propriedade intelectual dos dados e das informações, devendo ser disponibilizados para o público em geral, ressalvados os de interesse estratégico para o País e os indispensáveis à segurança e integridade do território nacional.
Art. 17. O Poder Público divulgará junto à sociedade, em linguagem e formato acessíveis, o conteúdo do ZEE e de sua implementação, inclusive na forma de ilustrações e textos explicativos, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 15, in fine.

 

Por fim, é importante evidenciar o prazo para modificações do ZEE, que é de dez anos após a conclusão do referido zoneamento. Em atenção à típica principiologia do Direito Ambiental, as modificações tendentes a incrementar ou aumentar o ZEE não se sujeitam a tal prazo, assim como as mudanças decorrentes de meras atualizações técnico-científicas.

Tais alterações, explicita o referido decreto, hão de se sujeitar ao procedimento legislativo (com iniciativa do Executivo), então não podem decorrer de meros atos infralegais, e também devem passar por consulta pública e aprovação pelas comissões responsáveis.

Decreto 4.297/02
Art. 19. A alteração dos produtos do ZEE, bem como mudanças nos limites das zonas e indicação de novas diretrizes gerais e específicas, poderão ser realizadas após decorridos prazo mínimo de dez anos de conclusão do ZEE, ou de sua última modificação, prazo este não exigível na hipótese de ampliação do rigor da proteção ambiental da zona a ser alterada, ou de atualizações decorrentes de aprimoramento técnico-científico.
§1º Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo, as alterações somente poderão ocorrer após consulta pública e aprovação pela comissão estadual do ZEE e pela Comissão Coordenadora do ZEE, mediante processo legislativo de iniciativa do Poder Executivo.

 

Referências

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

Questões

(FCC – TJPE – Juiz Substituto – 2015): José é proprietário da Fazenda Santa Rita, cuja principal atividade econômica é a piscicultura. O Estado no qual a fazenda está inserida possui Zoneamento Ambiental, anterior ao início da citada atividade, que disciplina a atividade de forma diversa da praticada na Fazenda Santa Rita. A atividade

a) pode continuar a ser desenvolvida, uma vez que a competência para o Zoneamento Ambiental é exclusiva da União.
b) deve ser suspensa até que haja a ratificação do Zoneamento Ambiental Estadual pelo Município.
c) pode continuar a ser desenvolvida, uma vez que o Zoneamento Ambiental não é norma cogente.
d) deve ser adequada às normas do Zoneamento Ambiental, sob pena de paralisação da atividade.
e) pode continuar a ser desenvolvida, uma vez que a competência para o Zoneamento Ambiental é exclusiva do Município

 

(CESPE – Ministério Meio Ambiente – Analista Ambiental – 2011) Entre os pressupostos institucionais que devem ser apresentados pelos executores do ZEE incluem-se a base de informações compartilhadas entre os diversos órgãos da administração pública e o compromisso de encaminhamento periódico dos resultados e dos produtos gerados à comissão coordenadora do ZEE.

Certo
Errado

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