O acesso à Justiça é um fenômeno jurídico de relevância ímpar cujos contornos ainda são debatidos vigorosamente por juristas e filósofos. Na Constituição de 1988, comumente insere-se o princípio do acesso à Justiça em conjunção com o da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV), apesar de críticas sobre a amplitude desejada da noção de justiça:

PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – INTEIREZA. A ordem jurídico-constitucional assegura aos cidadãos o acesso ao Judiciário em concepção maior. Engloba a entrega da prestação jurisdicional da forma mais completa e convincente possível. Omisso o pronunciamento judicial e, em que pese a interposição de embargos declaratórios, persistindo o vício na arte de proceder, forçoso é assentar a configuração da nulidade. (STF – RE 686696 AgR / AC. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 11/06/2013).

No campo do Direito, destaca-se o trabalho dos estudiosos Mauro Cappelletti e Bryant Garth (2002) sobre os principais empecilhos que dificultam o acesso à Justiça e sobre a evolução (ondas) do referido fenômeno.

Obstáculos ao acesso à Justiça

Para uma compreensão da formulação dos contornos e amplitude da noção de acesso à Justiça que os autores citados apresentam, é necessário verificar quais seriam os obstáculos que dificultam tal acesso.

De início, Cappelletti e Garth (1988) apontam os custos elevados da resolução formal de litígios, envolvendo a sucumbência e elevadas custas judiciárias. Tais ônus desestimulariam inclusive pequenas causas, visto que o benefício almejado é inferior ao preço do meio necessário para alcançar aquele.

Os autores também apontam a morosidade na definição judiciária do conflito como um dos empecilhos para um real acesso à Justiça.

Os efeitos desta delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 20).

Por fim, também obstaculizam um real acesso à Justiça, entre outros fatores, as vantagens estratégicas de uma das partes (grandes organizações, litigantes frequentes etc.) e empecilhos legais relacionados à legitimidade para a defesa de interesses difusos.

Ondas de acesso à Justiça

Diante das barreiras acima elencadas, Bryant e Cappelletti estudam “ondas” de esforços que poderiam solucionar os obstáculos ao surgimento de um real acesso à Justiça. Ondas seriam os movimentos, esforços e medidas que seriam tomadas e reverberariam na garantia do direito em questão.

A primeira onda se verifica na garantia de um serviço jurídico gratuito aos pobres. É uma postura necessária para garantir que os hipossuficientes tenham faticamente a possibilidade de manejar as formas e ritos judiciários, sem ter que prejudicar a própria subsistência com custas e outros ônus processuais. Esse modelo se verifica na advocacia dativa, com advogados privados pagos pelo Estado (sistema judicare) e nas defensorias, cuja vantagem vai além da mera representação judicial, pois possibilita uma atuação ativa e educativa de seus membros.

A segunda onda trata da representação e defesa de interesses difusos. De fato, superado o modelo individualista de processo, busca-se ampliar os mecanismos de defesa de interesses que vão além do sujeito individualizado. Nesse contexto também repensa-se a noção de legitimidade, autorizando que outros autores litiguem em prol de coletividades.

Os programas de assistência judiciária estão finalmente tornando disponíveis advogados para muitos dos que não podem custear seus serviços e estão cada vez mais tornando as pessoas conscientes de seus direitos. Tem havido progressos no sentido da reivindicação dos direitos, tanto tradicionais quanto novos, dos menos privilegiados. Um outro passo, também de importância capital, foi a criação de mecanismos para representar os interesses difusos não apenas dos pobres, mas também dos consumidores, preservacionistas e do público em geral, na revindicação agressiva de seus novos direitos sociais. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67).

A terceira onda é a reforma ampla do sistema judiciário e seus atores, possibilitando que procedimentos, tribunais e juristas estejam de fato eficientemente voltados à proteção do direito substantivo. É a modificação de postura com base em uma autocrítica sobre as falhas do sistema que impedem a efetividade do direito prescrito.

É necessário, em suma, verificar o papel e importância dos diversos fatores e barreiras envolvidos, de modo a desenvolver instituições efetivas para enfrentá-los. O enfoque o acesso à Justiça pretende levar em conta todos esses fatores. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 73).

Referências

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

Questões

(TJPI – Escrivão Judicial – 2015): Em sua clássica obra “Acesso à Justiça”, Mauro Cappelletti e Bryant Garth identificaram os obstáculos a serem transpostos para assegurar o direito ao acesso efetivo à justiça e propuseram soluções práticas para os problemas relacionados a esse acesso, denominando-as de “ondas”. Nesse contexto, a alternativa que caracteriza uma das ondas de acesso à justiça é:

a) criação de escolas de formação de magistrados;
b) representação dos interesses difusos;
c) redução dos procedimentos especiais;
d) reforço da neutralidade judicial.
e) combate ao uso seletivo de incentivos econômicos para encorajar acordos.

 

(DPE-GO – Defensor Público – 2014) Considerando a segunda onda renovatória de acesso à Justiça, nas formulações de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da ação civil pública.

a) decorre da Lei Federal n. 11.448 de 2007, sem previsão expressa na Lei Complementar Federal n. 80 de 1994.
b) exige prévia autorização do Defensor Público-Geral do Estado ou do Conselho Superior, em se tratando de interesse difuso.
c) antecede a Lei Federal n. 11.448 de 2007, pois já era admitida na defesa dos direitos do consumidor e como decorrência da assistência jurídica integral.
d) é ampla e irrestrita, independente de pertinência com as finalidades institucionais e do favorecimento a grupo de pessoas hipossuficientes.
e) está restrita aos direitos coletivos e individuais homogêneos de pessoas economicamente necessitadas, excluindo os de natureza difusa.

 

(MPDFT – Promotor de Justiça Adjunto – 2015): Mauro Cappelletti relaciona a “terceira onda de acesso à justiça” aos métodos alternativos de solução dos conflitos (In Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça, RePro 74/82, São Paulo, editora RT). Sobre o tema, julgue os itens a seguir:

I. No procedimento comum ordinário, a audiência de tentativa de conciliação acontece após transcorrido o prazo de contestação do réu e se a causa versar sobre direitos que admitam a transação. Cabe, contudo, ao juiz tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
II. Para as novas regras do Código de Processo Civil de 2015, não é necessária a espera do transcurso do prazo de contestação, para que o juiz designe a primeira audiência de conciliação ou de mediação.
III. Coincidem, contudo, os dois diplomas processuais civis – CPC/1973 e CPC/2015, acerca do não comparecimento injustificado da parte, procurador ou preposto, na primeira audiência de conciliação, isto é, ambos os códigos consideram a ausência injustificada como mero desinteresse na conciliação.
IV. Nos procedimentos dos juizados especiais cíveis (Lei 9.099/1995) a solução dos conflitos será obtida pela homologação judicial do termo de conciliação ou do laudo do juízo arbitral, bem assim, caso não obtidas tais soluções, pelo julgamento do juiz togado, após audiência de instrução e julgamento.
V. Conciliação e mediação são termos intercambiáveis, no novo Código de Processo Civil de 2015, e significam que o conciliador ou mediador podem sugerir soluções para o encerramento do litígio entre as partes.