O início do processo é marcado pela sua fase postulatória, na qual autor apresenta formalmente sua demanda em conformidade com o art. 319, do CPC, oportunizando-se posteriormente a apresentação de defesa pela parte contrária.
Em certas ocasiões, entretanto, pode ocorrer que já em sua fase postulatória a demanda venha a ser extinta sem julgamento de mérito ou apreciada liminarmente, com decisão capaz de decidir o seu mérito. São as hipóteses de indeferimento da petição inicial e de improcedência liminar do pedido, respectivamente.
Indeferimento da petição inicial
O indeferimento da petição inicial obsta liminarmente (no início do processo) o prosseguimento do feito (ou de parte dele, em caso de cumulação de pedidos), extinguindo-o (art. 485, I, do CPC). Didier Jr (2016) aponta que, tecnicamente, o indeferimento sempre ocorre antes da oitiva do réu. Caso ocorra o reconhecimento de vício posteriormente, a extinção do processo decorrerá de outro fenômeno (art. 485, II a X, do CPC).
O art. 330, do CPC, enumera exaustivamente as hipóteses de indeferimento da petição inicial:
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
I – for inepta;
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.
Código de processo civil
A primeira hipótese é exemplificada pela própria legislação:
§1º Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
A inépcia, como se percebe, é a insuficiência da petição, gerando uma peça incapaz de concatenar e expor logicamente a demanda. É tipicamente vislumbrada na falta de coerência (ex. Pedidos incompatíveis, a chamada “petição suicida”), a falta de informações essenciais ou de exposições fáticas genéricas.
Conforme visto, a petição inicial é o veículo da demanda, que se compõe do pedido, da causa de pedir (elementos objetivos) e dos sujeitos (elemento subjetivo). A inépcia diz respeito a vícios na identificação/formulação dos elementos objetivos da demanda (DIDIER JR, 2016, p. 571).
A ilegitimidade manifesta da parte é outra hipótese de indeferimento. Neste caso o julgador verifica que, através da narrativa inicial, a composição do processo por uma das partes é indevida. A adjetivação “manifesta” aponta a visão de que tal percepção pelo Juiz há de ser isenta de dúvida:
Menciona o art. 330, II, do Novo CPC que a parte deve ser “manifestamente ilegítima”, levando a crer que a mera ilegitimidade não seria o suficiente para o indeferimento. É claro que, se o juiz, ao analisar a petição inicial, se convencer da ilegitimidade de uma das partes ou mesmo de ambas deverá indeferir a petição inicial, ainda que a ilegitimidade não seja aberrante ou evidente (NEVES, 2016, p. 561).
A falta de interesse processual também possibilita o indeferimento da peça inicial. A doutrina tende a compor a noção de interesse processual por meio das noções de necessidade, adequação e/ou utilidade. Em termos gerais, há interesse processual sempre que a prestação jurisdicional é necessária à solução do problema (ou seja, não há alternativa), útil ao interessado (potencialmente trará uma benesse material ou imaterial ao autor).
O interesse processual está presente sempre que a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação (e, consequentemente, instaurar o processo) para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, além disso, sempre que aquilo que se pede no processo seja útil sob o aspecto prático (WAMBIER; TALAMINI, 2016, e-book).
Assim, se o indivíduo propõe demanda desnecessária e inútil aos seus interesses, a mesma estará fadada ao indeferimento liminar.
Caso a petição não atenda às prescrições dos arts. 106 e 321, do CPC, também é possível seu indeferimento. O art. 106 trata de formalidades de identificação advogado (endereço profissional, número de inscrição na OAB. O art. 321 diz respeito ao prazo concedido em Juízo para retificação de vícios. Caso a parte permaneça inerte, a petição será indeferida.
Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Aspecto recursal e retratação
A decisão interlocutória que indefere parcialmente a petição inicial é recorrível, em primeiro grau, por agravo de instrumento (art. 354, parágrafo único, do CPC).
O recurso cabível contra o indeferimento integral por sentença é a apelação.
No caso de demanda instaurada originalmente nos Tribunais, a decisão pode ser do relator (possibilitando a apresentação de agravo interno) ou do órgão colegiado, permitindo a apresentação de recurso extraordinário e/ou recurso especial, ou recurso ordinário.
Sendo interposta apelação contra a decisão, possibilita-se a retratação do Juízo no prazo de cinco dias (a doutrina estende essa possibilidade às demais irresignações recursais). Não adotado este procedimento, o recurso segue para julgamento. Caso tenha êxito em grau recursal, o processo retorna à origem e o prazo de contestação inicia-se com a intimação do réu sobre esse retorno:
Art. 331. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 5 (cinco) dias, retratar-se.
§ 1º Se não houver retratação, o juiz mandará citar o réu para responder ao recurso.
§ 2º Sendo a sentença reformada pelo tribunal, o prazo para a contestação começará a correr da intimação do retorno dos autos, observado o disposto no art. 334.
§ 3º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença.
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Improcedência liminar do pedido
A improcedência liminar do pedido é decisão que julga improcedente o pedido autoral no limiar do processo, sem que seja sequer necessária a instauração do contraditório pela citação da parte contrária. É uma técnica que foge do tradicional desenvolvimento processual, abreviando o rito e apresentando uma decisão de mérito quando se fazem presentes elementos suficientes para a definição precoce do provimento jurisdicional.
Como se vê a seguir, são situações em que a jurisprudência é contrária ao pleito do autor ou há evidente óbice meritório (prescrição ou decadência), razão pela qual a movimentação integral da máquina jurisdicional violaria os princípios da economia e da celeridade.
O novo CPC ampliou a possibilidade de o magistrado proceder ao julgamento liminar do pedido, pela sua improcedência, aproximando-nos mais ainda do sistema do common law (direito comum, em tradução livre), adotado em países como os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido e nas ex-colônias do Império Britânico, apenas para exemplificar, marcado pela valorização dos precedentes jurisprudenciais, como técnica de resolução de conflitos de interesses (MONTENEGRO FILHO, 2016, e-book).
Dispõe a legislação aplicável:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
§2º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241.
§3º Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.
§4º Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Observe-se que o disposto no art. 332, I, do CPC, não exige súmula vinculante. Uma súmula comum do STF ou do STJ, portanto, é capaz de justificar a aplicação da técnica estudada, abreviando o processo e evitando o prolongamento de uma demanda fadada ao fracasso, tendo em vista posição jurisprudencial contrária já firmada sobre a mesma.
No mais, a súmula sobre direito local abrange matérias de âmbito estadual e municipal. A consolidação de entendimentos sobre tais matérias traz um incremento na relevância dos Tribunais de Justiça.
Referências
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 1. Salvador: JusPodivm, 2016.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. Salvador: JusPodivm, 2016.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. v. I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, e-book.
Questões
(DPE-BA – Defensor Público – 2016) Sobre a petição inicial e seu indeferimento e a improcedência liminar do pedido é correto:
a) Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.
Correto. Teor do art. 332, I.
b) Depois da citação, o autor não poderá aditar ou alterar o pedido, ainda que haja consentimento do réu.
Art. 329. O autor poderá:
I – até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu;
II – até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo à reconvenção e à respectiva causa de pedir.
c) Se o juiz verificar que a petição inicial não preenche os requisitos legais, deverá determinar a intimação do autor para que, no prazo de dez dias, a emende ou a complete, não cabendo ao Magistrado apontar qual o erro.
Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
d) O pedido deve ser certo, nele estando compreendidos os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, mas a fixação de honorários advocatícios depende de pedido expresso.
Art. 322. O pedido deve ser certo. § 1o Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios.
e) Indeferida a petição inicial, o autor poderá interpor agravo de instrumento, facultado ao juiz, no prazo de cinco dias, retratar-se.
Art. 331. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 5 (cinco) dias, retratar-se.
(UECE – Advogado – 2017): No que concerne à improcedência liminar do pedido, assinale a assertiva verdadeira.
a)Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou Tribunal Superior do Trabalho.
Exclui o TST.
b) O juiz não poderá julgar liminarmente improcedente o pedido nos casos de ocorrência de decadência ou de prescrição.
Poderá sim, visto que são duas matérias de mérito reconhecíveis de ofício e objetivamente verificáveis, sem necessidade de instrução. Vide art. 332, § 1o: O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
c) Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recurso extraordinário e especial, respectivamente.
Mero acórdão não possibilita o julgamento liminar. O que viabiliza é: II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos.
d) Interposta apelação do julgamento de improcedência liminar do pedido, se houver retratação do juiz, este determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.
Correto. O julgador pode se retratar em 5 dias, mas se não o fizer, cita o réu para responder ao recurso.