O presente artigo, que trata das hipóteses de extraterritorialidade (excepcionando o art. 5), merece um estudo parcelado. Analisemos por partes.
Extraterritorialidade
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I – os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;§ 1º – Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
A aplicação extraterritorial do direito penal brasileiro é excepcional, estando reservada a hipóteses restritas da lei.
No inciso I, encontram-se as situações mais gravosas que permitem a aplicação da lei brasileira do crime cometido no exterior independentemente de absolvição ou condenação passada por outra jurisdição. Note a gravidade das situações:
- crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República;
- crimes contra o patrimônio dos entes federados, territórios, empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas.
- crimes contra a administração pública praticados por quem está a seu serviço;
- o genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.
A independência diante de eventual absolvição ou condenação pela jurisdição de outro país torna esta hipótese de extraterritorialidade incondicionada. Essa carência de condicionamento também se vislumbra na inexistência de outras exigências além do mero advento da situação prevista no inciso I.
A importância dos bens jurídicos, objeto da proteção penal, justifica, em tese, essa incondicional aplicação da lei brasileira. Nesses crimes, o Poder Jurisdicional brasileiro é exercido independentemente da concordância do país onde o crime ocorreu. É desnecessário, inclusive, o ingresso do agente no território brasileiro, podendo, no caso, ser julgado à revelia.
bitencourt, 2012, cap. x, item 4.
Por exemplo, a persecução dos crimes cometidos contra patrimônio dos entes federados, suas autarquias e empresas estatais seria uma manifestação do princípio real (ou da defesa).
Por outro lado, o inciso II traz hipóteses de extraterritorialidade condicionada:
Extraterritorialidade
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.
§ 2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
Algumas das hipóteses merecem estudo individual:
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
Neste caso, temos uma situação de cooperação internacional. Diante da adesão a certas normas internacionais, o Brasil pode se obrigar à repressão de certos delitos, mesmo que tenham sido cometidos fora de seu território e mesmo que não tenham imediata relação com seus representantes ou patrimônio.
Tome, por exemplo, a Convenção da ONU sobre o tráfico de pessoas, com protocolo adicional promulgado pelo Decreto nº 5.017/04.
II – os crimes:
b) praticados por brasileiro;
Note-se aqui o princípio da nacionalidade ou personalidade. Diante da impossibilidade de extradição do brasileiro nato (salvo aquele que renunciou tal condição), esta possibilidade de processamento evita uma situação de impunidade, mesmo que os fatos tenham ocorrido em outra jurisdição.
II – os crimes:
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.
Esta situação difere daquela estudada no art. 5º (onde a embarcação brasileira privada ou mercante deve estar navegando em alto mar e a aeronave deve estar voando sobre o mesmo espaço de ninguém). Aqui, a embarcação ou aeronave está navegando ou sobrevoando mar territorial estrangeiro ou sobrevoando o território estrangeiro.
Observe que esta alínea já traz uma condicionante, que é a falta de julgamento do crime ali cometido.
Há condicionantes gerais para o art. 7º, II, que são cumulativas:
- a) o agente deve entrar no território brasileiro;
- b) o fato deve ser punível no país onde foi praticado;
- c) o crime praticado pode ser objeto de extradição no Brasil;
- d) o agente não ter sido absolvido ou cumprido a pena no estrangeiro;
- e) o agente não ter sido perdoado ou ter sido extinta sua punibilidade, considerada a lei mais favorável, seja ela a brasileira ou a estrangeira.
§ 3º – A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.
A hipótese do derradeiro parágrafo acrescenta dois outros requisitos para o processamento do crime cometido por estrangeiro contra brasileiro no exterior.
Como acréscimo, pode-se apontar, por fim, à previsão da Lei nº 9.455/97 (Lei de tortura), que traz duas hipóteses de extraterritorialidade:
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
lei nº 9.455/97
No primeiro caso, sendo a vítima brasileira, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime tenha sido cometido fora do Brasil, sem condicionantes.
No segundo caso, estando o agente em local sob jurisdição penal brasileira, o mesmo será processado segundo as leis brasileiras. Sobre essa possibilidade, a doutrina ressalta a incidência do princípio da jurisdição universal.
Referências
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012.