Ciências jurídicas e temas correlatos

Autor: Victor Augusto Page 16 of 27

Art. 16 – Arrependimento posterior

Arrependimento posterior
Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. 

Diferente do artigo anterior, no arrependimento posterior ocorre a consumação do tipo penal. O agente, entretanto, voluntariamente repara o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa, o que lhe garante a diminuição de parte da sua pena.

Essa diminuição faz parte de uma decisão de política criminal que busca amenizar os efeitos do crime através da reparação do dano ocasionado ou restituição dos bens da vítima.

O instituto configura uma causa de diminuição de pena (3ª fase da dosimetria) e determina uma redução de um a dois terços da pena.

Como prevê a lei, a benesse depende de alguns requisitos cumulativos:

1) Crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa: a violência física ou moral (grave ameaça) não pode ter sido dirigida a uma pessoa. Se tiver sido empregada contra coisa, o benefício ainda pode ser reconhecido (como no crime de dano).

2) Voluntária reparação do dano ou restituição da coisa: o agente deve retornar a vítima ao status quo ante (estado anterior), provendo uma reparação integral do dano gerado. Isso deve ocorrer voluntariamente, não se exigindo espontaneidade. Se a restituição da coisa ocorrer, por exemplo, por ação da polícia, o benefício não será admitido (JESUS, 2014).

3) Antes do recebimento da denúncia: essa postura do agente deve ocorrer antes do recebimento da denúncia ou da queixa.

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014.

Art. 15 – Desistência voluntária e arrependimento eficaz ou ponte de ouro ou tentativa abandonada

Desistência voluntária e arrependimento eficaz
Art. 15 – O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

O dispositivo legal traz duas hipóteses: a desistência voluntária e o arrependimento eficaz.

Na desistência voluntária, o agente que ainda não esgotou os atos executivos a seu dispor, voluntariamente desiste de prosseguir com a execução do delito.

Outros nomes da desistência voluntária são “tentativa abandonada” ou “ponte de ouro“, sendo esta última expressão atribuída ao jurista Von Liszt.

No arrependimento eficaz, o agente já esgotou os atos executivos que estavam a seu dispor, mas voluntariamente impede que o resultado do crime se concretize.

O agente precisa efetivamente impedir o resultado, caso contrário terá a seu favor apenas a figura do arrependimento posterior.

Um exemplo comumente trazido pelos doutrinadores envolve o uso de veneno pelo homicida. Este, após ministrar a bebida envenenada, arrepende-se e fornece o antídoto à vítima, impedindo o óbito.

Essas duas figuras apresentam uma mudança de ânimo no sujeito, que, durante a execução ou ao fim desta, voluntariamente arrepende-se, desistindo ou impedindo o resultado.

A voluntariedade é imprescindível. De fato, se o agente tiver, na verdade, deixado de esgotar a execução por forças externas, de forma involuntária, estaremos diante de uma tentativa, e não de uma desistência.

A voluntariedade, entretanto, não se confunde com espontaneidade. Não é necessário que a desistência decorra de um ímpeto exclusivamente interno do agente (espontaneidade), podendo decorrer um estímulo externo (como a súplica da vítima).

Em ambos os casos, o sucesso dessa desistência ou desse arrependimento (a consumação não ocorre), permite que o agente responda apenas pelos atos praticados, consagrando a chamada tentativa qualificada (BITENCOURT, 2018). Um exemplo é de bom grado:

O ladrão que desiste do furto após adentrar a residência, responderá pelo delito de violação de domicílio.

NETTO, 2013, p. 129

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018.
NETTO, Santos Fiorini. Direito penal parte geral. v. 1. Pará de Minas: Editora VirtualBooks, 2013.

Art. 14 – Tentativa, consumação e iter criminis

Art. 14 – Diz-se o crime:
Crime consumado
I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;
Tentativa
II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Pena de tentativa
Parágrafo único – Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

O artigo em comento diz respeito à consumação do crime e a sua tentativa. A semântica jurídica destes termos é semelhante à leiga: consumado é o ato terminado, com resultado pretendido atingido (ou seja, o tipo, a previsão penal, foi atingida); tentado é o ato que não atingiu o resultado pretendido, mas ponderações jurídicas são pertinentes.

Consumado: 1. Que se consumou, que se realizou inteiramente, que se completou (tarefa consumada); TERMINADO.

Tentativa: 1. Ação ou resultado de tentar, de procurar conseguir ou realizar algo

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No Direito Penal é imprescindível conhecer quando ocorreu a consumação e quando se iniciou e terminou a tentativa.

No que diz respeito à consumação, a qualidade do crime pode influenciar na verificação: crimes materiais dependem da verificação do resultado previsto na lei (ex. a morte da vítima); crimes formais (como a ameaça) independem do resultado danoso previsto, mas precisam da concretização da conduta proibida; nos crimes permanentes (como o sequestro), a consumação é constante; nos crimes de mera conduta (como dirigir embriagado), basta a realização da conduta prevista.

A consumação, ademais, não se confunde com o exaurimento, que é o esgotamento da prática criminosa e as circunstâncias que vão além da previsão penal para a consumação.

Cumpre deixar estreme de dúvida que, para se considerar consumado o crime, não é necessário que o agente alcance tudo quanto se propusera (consumação não se confunde com exaurimento) ou que se aguarde implemento de condição a que esteja subordinada a punibilidade. Desde que o fato reúna todos os elementos do “tipo legal”, o crime está consumado, pouco importando que mais extenso fosse o fim do agente.

hungria; FRAGOSO, 1978, p. 74.

A tentativa, a seu turno, corresponde à execução interrompida do delito, sua forma imperfeita ou incompleta, sendo punível como ato típico por previsão extensiva do Código.

Hungria (1978) já denotava que o crime passa por fases sucessivas (ou iter criminis, o “caminho do delito”): a cogitação (fase interna), a preparação, a execução e a consumação (fase externa). A tentativa verifica-se após a execução, quando não se atinge, por motivo alheio à vontade do agente, a consumação.

As duas primeiras fases desse processo (cogitação e preparação) não são puníveis em regra, existindo exceções como o crime de petrechos de falsificação, que já evidencia a criminalização de um típico ato preparatório de outros delitos.

Essas fases podem ser facilmente exemplificadas com o crime de lesão: 1) primeiro o agressor pensa em lesionar a vítima; 2) determinado a fazê-l0, compra, por exemplo, um soco inglês e esconde-se; 3) em seguida surpreende a vítima e desfere um ataque certeiro, fugindo em seguida; 4) a vítima se lesiona com a ação.

A execução inicia-se com os atos de realização conduta típica, adotando o Código, segundo parte da doutrina, um critério formal-objetivo (simples observação da prática de algum ato que se amolde ao tipo penal).

O tema é alvo de intenso debate na doutrina, existindo diversos critérios para definir as fronteiras entre atos preparatórios e execução.

Outro critério usualmente mencionado é o critério material, que veria execução iniciada com a colocação do bem jurídico em risco.

Relembre-se que a tentativa é um fato típico e punível por força da extensão conferida pelo art. 14, II, do Código Penal. Entretanto, essa penalização corresponde à do crime consumado com redução de um a dois terços da pena.

Note-se que em várias situações não há que se falar em tentativa:

a) quando não há um iter criminis proposital (crimes praeterdolosos, crimes culposos);

b) quando o crime depende de uma isolada conduta (crimes unissubsistentes, crimes omissivos próprios);

c) quando a lei assim determina (contravenções);

d) quando a lei equipara a tentativa à consumação (crimes de atentado).

A doutrina ainda aponta algumas figuras relativas à tentativa:

Tentativa branca: a vítima(ou bem jurídico) não é atingido ou lesionado.

Tentativa cruenta: a vítima (ou bem jurídico) é lesionado, sequelado, apesar de não ter se consumado o delito. Obs: o termo cruento é sinônimo de sanguinolento ou sangrento.

Tentativa perfeita ou crime falho: é aquela tentativa em que todos os atos executivos ao dispor do agente foram utilizados, mas ainda assim não foram suficientes para alcançar o resultado.

Tentativa imperfeita: é a tentativa em que o agente não teve oportunidade, por questões alheias a sua vontade, de proceder com todos os atos executivos possíveis.

Tentativa abandonada: é sinônimo de desistência voluntária.

Tentativa inidônea: é sinônimo de crime impossível.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 1976. 

Art. 13 – Causalidade, teoria da equivalência dos antecedentes e concausas relativa e absolutamente independentes

Relação de causalidade
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.


Superveniência de causa independente
§ 1º- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.


Relevância da omissão
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O nexo causal é um elemento comum a toda forma de responsabilidade e nada mais é do que o liame lógico-jurídico (a ligação) existente entre uma conduta e resultado, permitindo a dedução da existência de uma relação de causa e efeito. No dizer do Código, causa é a conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido.

A doutrina clássica já indicava teorias relacionadas com a causalidade (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978). Algumas podem ser apontadas:

  • Teoria da equivalência dos antecedentes ou da “conditio sine qua non” (Von Buri): é causa todo fato cuja hipotética inexistência (juízo hipotético de eliminação) teria impedido o resultado.
  • Teoria da causalidade adequada (Von Kries, Von Bar): é causa todo evento anterior que, adequadamente, estatisticamente, seja razoável meio de produção do resultado.
  • Teoria da eficiência (Birkmeyer, Stoppato): é causa aquele evento mais eficaz à produção do resultado.
  • Teoria da causa próxima (influência de Bacon): a causa imediata, que seria a efetiva causa do crime, não se confunde com a condição (causa remota).

O Código brasileiro adota a teoria da equivalência dos antecedentes de Von Buri, mas, para evitar uma regressão ao infinito, veremos que a causalidade é delimitada pelo elemento subjetivo do agente (dolo ou culpa), pois, pela simples leitura do Código, poder-se-ia pensar, por exemplo, que o inventor ou vendedor da arma de fogo seriam responsáveis pelo disparo criminoso.

O chamado juízo hipotético de eliminação é um processo abstrato simples: diante de um resultado conhecido, a pessoa pode mentalmente excluir hipoteticamente eventos anteriores ao resultado. Se a exclusão desses eventos evitar o resultado, é possível argumentar que estes eventos são causas.

Mas a causalidade física não é, nem podia ser o único pressuposto da punibilidade; acha-se esta, igualmente, subordinada à culpabilidade do agente. Após a averiguação de um evento penalmente típico na sua objetividade, tem-se de apurar, não somente se foi causado por alguém, mas, também, se o agente procedeu dolosa ou culposamente.

hungria; FRAGOSO, 1978, p. 66.

Como se percebe, várias causas podem concorrer para o evento danoso. O nexo causal concorrente usualmente denomina-se concausa. Estas podem se manifestar em qualquer momento da cronologia criminosa:

  • Concausas preexistentes: são condições ou circunstâncias anteriores à conduta criminosa.
  • Concausas concomitantes: são condições ou circunstâncias que ocorrem ao mesmo tempo da conduta criminosa.
  • Concausas supervenientes: são as condições ou circunstâncias posteriores à conduta.

Estas concausas podem ser absolutamente independentes, produzindo o resultado de forma autônoma. Nestas situações, a conduta concorrente do agente é irrelevante para o resultado final, que não poderá ser imputado como tal (usualmente a imputação remanescente se dá como tentativa).

Um caso clássico de concausa preexistente absolutamente independente é mencionado pela doutrina:

MARIA, por volta das 20h, serve, insidiosamente, veneno para JOÃO, seu marido. Uma hora depois, JOÃO é atingido por um disparo efetuado por ANTONIO, seu desafeto. Socorrida, a vítima morre na madrugada do dia seguinte em razão dos
efeitos do veneno. A pessoa que envenenou responde pelo homicídio consumado, sem dúvida. Já o atirador não foi causa do resultado. Eliminando-se seu comportamento, a vítima morreria envenenada do mesmo modo. Deve responder por tentativa de homicídio.

Cunha, 2016, P. 235.

Situação mais complexa diz respeito às concausas relativamente independentes, que colaboram direta ou indiretamente para o atingimento do resultado, mas não o geram de forma independente. Nessas situações, o agente usualmente responde na medida de seu dolo ou culpa, também dependendo de sua ciência sobre as concausas.

Um exemplo clássico de concausa preexistente relativamente independente é o fato de a vítima ser hemofílica (condição que dificulta coagulação e facilita hemorragias). Se o agente desfere um ataque aparentemente não letal, lesionando a vítima, é possível que esta venha a óbito. A responsabilização nesse caso é disputada na doutrina. Para Cunha (2016), já que existia “animus necandi” (dolo de matar), o agente responde pela consumação, mesmo que seu ataque não fosse o suficiente sem a condição preexistente.

A doutrina exemplifica uma concausa concomitante relativamente independente na hipótese de a vítima, ao ouvir o disparo de seu algoz, ter um ataque cardíaco e morrer.

A hipótese trazida no primeiro parágrafo do dispositivo, entretanto, volta-se especialmente à concausa superveniente relativamente independente:

Superveniência de causa independente
§ 1º- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Essa disposição é alvo de debate doutrinário, mas geralmente é associada à situação de quebra superveniente do nexo causal iniciado pelo agente com sua conduta inicial. Ou seja, é um evento superveniente à conduta criminosa, com existência dependente dessa conduta inicial, mas que foge do típico e normal desenrolar dos eventos desencadeados pelo primeiro nexo causal. Esta causa superveniente, ademais, acaba por produzir por si só o resultado danoso.

O exemplo mais que clássico disso é o da ambulância que, levando a pessoa lesionada previamente, vem a envolver-se em acidente de trânsito no qual morre a vítima. Há uma ruptura do nexo causal entre a lesão inicial e a circunstância que vitimou fatalmente a vítima. De fato há uma relação entre o nexo inicial (lesão) e o resultado (morte em acidente), pois a vítima não estaria na ambulância sem a facada, e, consequentemente, não teria morrido daquela forma. Isso torna a causa superveniente relativamente independente, apesar de esta causa superveniente produzir por si só o resultado.

Assim, o agente não responde pelo resultado ocorrido de forma incomum, mas responde pela conduta praticada a depender de seu elemento volitivo: lesão corporal consumada, tentativa de homicídio etc.

Afirma-se que, neste caso, o Código Penal adotou a teoria da causalidade adequada de Von Kries, pois há análise da adequação da conduta criminosa perante o resultado obtido (se o resultado é um desdobramento normal e previsível da conduta).

Relevância da omissão
§ 2º- A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O parágrafo seguinte trata da causalidade decorrente da omissão.

A conduta criminosa pode ser comissiva (ação) ou omissiva. Neste caso, surgem questionamentos sobre a lógica por trás da imputação de nexo causal entre uma omissão e um resultado, mas o Código Penal admite tal possibilidade, afugentando uma noção meramente naturalística. O nexo causal é, afinal, um construto jurídico.

No caso da omissão, a responsabilidade pode decorrer do desrespeito ao comando geral de ação (“o omitente devia e podia agir para evitar o resultado“) ou nas demais hipóteses trazidas na lei:

  • tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
  • de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
  • com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

É importante observar que os crimes omissivos podem ser:

  • próprios: quando consistem no simples desobedecer de um mandamento geral, como na omissão de socorro, pois todos tem o dever de agir nesta circunstância.
  • impróprio ou comissivo por omissão: são os casos que certa qualidade do agente (ex: bombeiro, salva-vidas) ou ato anteriormente praticado (o agente criou o risco) tornam-no obrigado a agir para evitar o resultado, sob pena de responder pelo mesmo, e não pelo mero crime de omissão.

Referências

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPODIVM, 2016.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

STJ – Súmula nº 626 comentada

A Súmula nº 626, do Superior Tribunal de Justiça, foi publicada em 17 de dezembro de 2018, após julgamento pela Primeira Seção do Tribunal em 12 do mesmo mês:

Súmula 626 – A incidência do IPTU sobre imóvel situado em área considerada pela lei local como urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência dos melhoramentos elencados no art. 32, §1º, do CTN.

O entendimento do STJ, cristalizado e consolidado no enunciado acima, trata da incidência do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU).

No enunciado, a Corte adota uma tese fazendária, no sentido de que a incidência do imposto independe da efetiva existência de melhorias e facilidades típicas das áreas urbanas, bastando que a lei defina o local como urbanizável ou de expansão urbana (situações comuns em loteamentos).

De fato, o CTN elenca algumas circunstâncias que indicam a existência de uma zona urbana:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.

Para o STJ, entretanto, a inexistência desses melhoramentos não impede a incidência do imposto, desde que na lei a área conste como urbanizável ou de expansão urbana, conforme explicita o segundo parágrafo do dispositivo.

STJ – Súmula nº 625 comentada

A Súmula nº 625, do Superior Tribunal de Justiça, foi publicada em 17 de dezembro de 2018, após julgamento pela Primeira Seção do Tribunal em 12 do mesmo mês:

Súmula 625 – O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de
indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN nem o da execução
de título judicial contra a Fazenda Pública.

stj

O entendimento do STJ, cristalizado e consolidado no enunciado acima, trata da prescrição relativa à ação de repetição de indébito tributário e à execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

Para a Corte, o fato de o contribuinte ter requerido administrativamente a compensação ou a restituição do tributo pago indevida ou equivocadamente não interrompe o prazo para o contribuinte fazer uso da via judicial em busca da repetição do indébito ou da execução de título judicial contra a Fazenda.

Na visão dos Ministros:

Não procede a alegação da agravante de que não poderia executar o título judicial antes de ter certeza de que a compensação que requerera no âmbito administrativo não seria homologada, tendo em vista que, constatada a resistência ou a demora da Receita Federal para efetuar a compensação, deveria a parte interessada propor a respectiva ação de execução para assegurar o seu direito. (STJ – AgRg no REsp nº 1.371.686 – SC)

A restituição é prevista no art. 165, do CTN, e pode decorrer de diversas circunstâncias, como o pagamento a maior equivocado, o reconhecimento posterior de que o tributo era indevido, do reconhecimento da inexistência do fato gerador etc.

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Código Tributário Nacional

Em todas estas hipóteses, o contribuinte tem o prazo de 5 anos para pleitear judicialmente a restituição:

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I – nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;
II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

Código Tributário Nacional

Art. 12 – Legislação penal especial

Legislação especial
Art. 12 – As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

O Código Penal, que foi inicialmente editado como um decreto-lei, foi recepcionado na atual ordem jurídica com o status de lei ordinária (art. 59, III, da Constituição). Isso quer dizer que ele, na condição de um regramento geral, pode coexistir com outras normas penais e que estas podem, eventualmente, trazer tratamento diverso para situações específicas.

De forma geral no Direito, é importante relembrar que a norma especial pretere a norma geral (BOBBIO, 1999), conforme denota o brocardo jurídico:

Lex specialis derogat legi generali.

A legislação especial penal, portanto, traz vários exemplos onde institutos genéricos do Código Penal recebem tratamento diferenciado. Por exemplo, perceba que a Lei dos crimes hediondos define uma regra própria (mais gravosa) para progressão de regime:

A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Lei nº 8.072/90

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Ed. UNB, 1999.

Art. 11 – Frações não computáveis da pena

Frações não computáveis da pena
Art. 11 – Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro. 

Brinca Hungria (1976) que o Código Penal de 1940 supera a mesquinhez dos ordenamentos imperiais, que era excessivamente rigoroso no cômputo dos prazos das penas e na cobrança das frações da pena pecuniária.

Assim, se um provimento jurisdicional determina um acréscimo ou diminuição genérica na pena, de forma a gerar uma pena em que sobrem algumas horas, estas serão desconsideradas, mantendo-se o dia inteiro, favorecendo o condenado.

Sugerindo uma atualização do dispositivo legal, sugere Jesus (2014) que, no âmbito da multa, sejam desconsideradas a fração da unidade da moeda vigente, no caso, R$ 1,00.

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014.

Art. 10 – Contagem dos prazos materiais penais

Contagem de prazo
Art. 10 – O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

A contagem dos prazos relativos ao direito material inclui o dia do começo, diferente do que ocorre com os prazos de direito processual. Assim, os prazos previstos no Código Penal, como os de prescrição, levam em conta o dia do começo (que, pela teoria da atividade, é o dia em que se praticou a conduta criminosa) como termo a quo (dies a quo).

Isso quer dizer que qualquer fração de dia, neste dia inicial, vale como um dia inteiro, de forma a favorecer o réu e evitar outras dificuldades de contagem. Se o indivíduo é encarcerado às 23h de um dia, o remanescente deste contará como um dia inteiro.

Entre prazos materiais, podemos mencionar a prescrição, a decadência, o cumprimento de pena, o livramento condicional etc. São prazos que dizem respeito imediatamente ao direito de punir (ius puniendi).

Como prazos de índole material, os mesmos são improrrogáveis, mas ainda é possível sua suspensão e interrupção, como ocorre com a prescrição.

Essa contagem, ademais, segue o calendário comum (gregoriano), de forma que a duração de um mês é computada entre um dia e o correspondente do mês seguinte; o cômputo de um ano corresponde ao lapso de um dia até o deslinde do dia anterior ao dia correspondente no ano seguinte. Evitam-se maiores complexidades e investigações sobre a exata quantidade de dias entre o termo inicial e o final. Buscou-se, como diz Hungria (1976), evitar um inconveniente.

Para cálculos de cumprimento de pena em anos, a doutrina sugere a diminuição de um dia para definição do termo final:

Dessa forma, se a pena é de um ano, e teve início em 10 de outubro de determinado ano, estará integralmente cumprida no dia 9 do ano seguinte.

masson, 2017, p. 187.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo I. Rio de Janeiro: Forsense, 1976.
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Art. 9º – Eficácia de sentença estrangeira

Eficácia de sentença estrangeira
Art. 9º – A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:
I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
II – sujeitá-lo a medida de segurança.
Parágrafo único – A homologação depende:
a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;
b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Quando o ordenamento brasileiro permite as mesmas consequências definidas na sentença estrangeira, esta pode ser homologada no Brasil para exigir a responsabilização civil do condenado ou sujeitá-lo a medida de segurança.

No primeiro caso, busca-se o reconhecimento do efeito civil da condenação penal, notadamente a reparação dos danos ocasionados, sendo necessário o requerimento da parte interessada.

No segundo, busca-se a aplicação da medida de segurança em prol da defesa social e do próprio indivíduo. Nesta hipótese a homologação depende de tratado de extradição ou requisição do Ministro da Justiça.

De forma geral, a execução de efeitos da sentença estrangeira em território nacional, após homologada, é um passo na busca de uma justiça universal e no combate à impunidade.

Proferida esta (sentença) pela autoridade judiciária de um Estado, deve ser irrestritamente reconhecida pelos demais Estados, acompanhando o criminoso, enquanto não integralmente cumprida, aonde quer que ele se dirija ou onde quer que se encontre.

hungria; FRAGOSO, 1976, p. 207.

Vale dizer, a homologação de sentença estrangeira cabe ao Superior Tribunal de Justiça, depois da reforma constitucional de 2004:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

Constituição federal de 1988

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

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