Ciências jurídicas e temas correlatos

Autor: Victor Augusto Page 17 of 27

Art. 8º – Pena cumprida no estrangeiro

Pena cumprida no estrangeiro
Art. 8º – A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Complementando os artigos anteriores, a presente disposição determina a atenuação da pena cumprida no exterior pelo mesmo fato criminoso. Se a pena imputada for idêntica, será considerada cumprida integralmente.

A ideia por trás do dispositivo é a de evitar a dupla penalização pelo mesmo fato, o denominado bis in idem.

Neste tocante, é interessante perceber como, para a doutrina, o art. 8º corrige uma distorção aparente causada pelo art. 7º, §1º, do CP (o qual determina o processamento do crime mesmo que já tenha ocorrido condenação no exterior), pois determina no mínimo uma compensação de penas, evitando a dupla penalização (BITENCOURT, 2018).

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2018.

Art. 7º – Extraterritorialidade

O presente artigo, que trata das hipóteses de extraterritorialidade (excepcionando o art. 5), merece um estudo parcelado. Analisemos por partes.

Extraterritorialidade 
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 
I – os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; 
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; 

§ 1º – Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

A aplicação extraterritorial do direito penal brasileiro é excepcional, estando reservada a hipóteses restritas da lei.

No inciso I, encontram-se as situações mais gravosas que permitem a aplicação da lei brasileira do crime cometido no exterior independentemente de absolvição ou condenação passada por outra jurisdição. Note a gravidade das situações:

  • crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República;
  • crimes contra o patrimônio dos entes federados, territórios, empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas.
  • crimes contra a administração pública praticados por quem está a seu serviço;
  • o genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

A independência diante de eventual absolvição ou condenação pela jurisdição de outro país torna esta hipótese de extraterritorialidade incondicionada. Essa carência de condicionamento também se vislumbra na inexistência de outras exigências além do mero advento da situação prevista no inciso I.

A importância dos bens jurídicos, objeto da proteção penal, justifica, em tese, essa incondicional aplicação da lei brasileira. Nesses crimes, o Poder Jurisdicional brasileiro é exercido independentemente da concordância do país onde o crime ocorreu. É desnecessário, inclusive, o ingresso do agente no território brasileiro, podendo, no caso, ser julgado à revelia.

bitencourt, 2012, cap. x, item 4.

Por exemplo, a persecução dos crimes cometidos contra patrimônio dos entes federados, suas autarquias e empresas estatais seria uma manifestação do princípio real (ou da defesa).

Por outro lado, o inciso II traz hipóteses de extraterritorialidade condicionada:

Extraterritorialidade 
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.


§ 2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Algumas das hipóteses merecem estudo individual:

II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

Neste caso, temos uma situação de cooperação internacional. Diante da adesão a certas normas internacionais, o Brasil pode se obrigar à repressão de certos delitos, mesmo que tenham sido cometidos fora de seu território e mesmo que não tenham imediata relação com seus representantes ou patrimônio.

Tome, por exemplo, a Convenção da ONU sobre o tráfico de pessoas, com protocolo adicional promulgado pelo Decreto nº 5.017/04.

II – os crimes:
b) praticados por brasileiro;

Note-se aqui o princípio da nacionalidade ou personalidade. Diante da impossibilidade de extradição do brasileiro nato (salvo aquele que renunciou tal condição), esta possibilidade de processamento evita uma situação de impunidade, mesmo que os fatos tenham ocorrido em outra jurisdição.

II – os crimes:
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

Esta situação difere daquela estudada no art. 5º (onde a embarcação brasileira privada ou mercante deve estar navegando em alto mar e a aeronave deve estar voando sobre o mesmo espaço de ninguém). Aqui, a embarcação ou aeronave está navegando ou sobrevoando mar territorial estrangeiro ou sobrevoando o território estrangeiro.

Observe que esta alínea já traz uma condicionante, que é a falta de julgamento do crime ali cometido.

Há condicionantes gerais para o art. 7º, II, que são cumulativas:

  • a) o agente deve entrar no território brasileiro;
  • b) o fato deve ser punível no país onde foi praticado;
  • c) o crime praticado pode ser objeto de extradição no Brasil;
  • d) o agente não ter sido absolvido ou cumprido a pena no estrangeiro;
  • e) o agente não ter sido perdoado ou ter sido extinta sua punibilidade, considerada a lei mais favorável, seja ela a brasileira ou a estrangeira.

§ 3º – A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

A hipótese do derradeiro parágrafo acrescenta dois outros requisitos para o processamento do crime cometido por estrangeiro contra brasileiro no exterior.

Como acréscimo, pode-se apontar, por fim, à previsão da Lei nº 9.455/97 (Lei de tortura), que traz duas hipóteses de extraterritorialidade:

Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

lei nº 9.455/97

No primeiro caso, sendo a vítima brasileira, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime tenha sido cometido fora do Brasil, sem condicionantes.

No segundo caso, estando o agente em local sob jurisdição penal brasileira, o mesmo será processado segundo as leis brasileiras. Sobre essa possibilidade, a doutrina ressalta a incidência do princípio da jurisdição universal.

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012.

STJ – Súmula nº 624 comentada

A Súmula nº 624, do Superior Tribunal de Justiça, foi publicada em 17 de dezembro de 2018, após julgamento pela Primeira Seção do Tribunal em 12 do mesmo mês:

Súmula nº 624 – É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei n. 10.559/2002 (Lei da Anistia Política).

O entendimento do STJ, cristalizado e consolidado no enunciado acima, evidencia a possibilidade de cumular a compensação a título de danos morais com a reparação econômica decorrente do reconhecimento do status de anistiado político.

A decisão segue a visão de reparação integral adotada no âmbito da responsabilidade civil, permitindo que a lesão aos direitos do indivíduo sejam alvo de integral indenização ou compensação, permitindo o retorno ao estado anterior (indene, sem dano) ou algo o mais próximo possível disso.

De fato, esta visão reconhece que as finalidades de cada indenização é diversa, razão pela qual a cumulação é viável:

[…] se tratam de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela (reparação do anistiado) visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta (danos morais) tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade (privacidade, honra, nome, imagem) (STJ – AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 662.667/PR)

Art. 6º – Lugar do crime e ubiquidade

Lugar do crime

Art. 6º – Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

No que diz respeito ao lugar do crime, o código adotou a teoria da ubiquidade, também denominada teoria mista ou teoria da unidade.

A preocupação ínsita ao lugar do crime diz respeito à jurisdição penal sob enfoque internacional: qual país pode processar o delito? De fato, diversos delitos apresentam toques transnacionais, se prolongam por várias fronteiras ou simplesmente tem resultado final em outro país.

Pela teoria da ubiquidade, portanto, o lugar do crime é simultaneamente aqueles onde se desenvolveram as atividades parcial ou totalmente e aquele em que se verificou ou deveria se verificar o resultado. Normalmente isso implica a possibilidade de mais de um país poder processar o delito.

Sobre o assunto, a doutrina menciona a importância da teoria da ubiquidade para o processamento dos crimes à distância:

Nos denominados crimes a distância é que apresenta relevância jurídica a adoção da teoria da ubiquidade.
Os crimes podem ser de espaço mínimo ou de espaço máximo, segundo se realizem ou não no mesmo lugar os atos executórios e o resultado. Na hipótese negativa, fala-se em crimes a distância. Assim, um crime executado na Argentina e consumado no Brasil. Sendo o crime um todo indivisível, basta que uma de suas características se tenha realizado em território nacional para a solução do problema dos crimes a distância.

jesus, 2014, e-book (cap. viii, item 3)

Por outro lado, se a controvérsia sobre o local do crime estiver contida dentro da jurisdição brasileira, o conflito se resolve com base nas regras internas, notadamente o art. 70, do Código de Processo Penal.

Art. 70.  A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 1o  Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§ 2o  Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
§ 3o  Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

código de processo penal

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal . v. 1. São Paulo: Saraiva, 2014.

Art. 5º – Territorialidade penal

Territorialidade
Art. 5º – Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º – Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º – É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

O artigo traduz o princípio da territorialidade como regra geral de aplicação da lei penal no espaço. Por esta lógica, a lei penal editada pelo Brasil é aplicável aos crimes cometidos em sua delimitação geográfica, sem prejuízo das normas internacionais acolhidas pelo Estado brasileiro.

A territorialidade é uma discussão de jurisdição penal e soberania internacional, ditando os espaços onde o ius puniendi do Estado brasileiro atua.

Para os fins legais, o primeiro parágrafo entende como extensões do território nacional os seguintes espaços:

  • Embarcações e aeronaves brasileiras públicas ou a serviço do governo onde quer que estejam.
  • Embarcações e aeronaves brasileiras privadas no espaço aéreo brasileiro ou em alto-mar.
  • Embarcações estrangeiras privadas em porto ou em mar territorial brasileiro (12 milhas da costa, segundo a Lei nº 8.617/93).
  • Aeronaves estrangeiras privadas em pouso ou em espaço aéreo brasileiro.

A lógica por trás do princípio da territorialidade é simples:

Corresponde aos interesses da boa administração da justiça que um crime seja julgado na jurisdição onde foi praticado, não só pela maior facilidade na obtenção das provas, como pela maior simplicidade do processo e julgamento.

HUNGRIA; FRAGOSO, 1976, p. 155.

É de relembrar, entretanto, que há outros critérios além da territorialidade, previstos no art. 7º (extraterritorialidade), a ser estudado oportunamente.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

Art. 4º – Tempo do crime e teoria da atividade

Tempo do crime
Art. 4º – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

O tempo do crime é aquele em que a conduta é praticada, podendo esta ser comissiva (ação) ou omissiva, mesmo que seu resultado ocorra posteriormente.

Diz-se, portanto, que o código adota a teoria da atividade.

A especial importância deste dispositivo reside na definição da lei aplicável, tendo em vista que, como o resultado pode advir posteriormente, também pode estar vigente outra lei neste momento. Um exemplo clássico envolve o homicídio: o disparo é efetuado em dado momento, mas o óbito ocorre depois de anos de internação. Se nesse intervalo surgir lei mais rigorosa, esta não alcança o atirador.

Isso, entretanto, nem sempre ocorre. Nos crimes permanentes (aquele cuja atividade criminosa se protrai no tempo) ou continuados (aqueles em que, por ficção, diversas ações criminosas semelhantes são consideradas uma unidade delitiva), por exemplo, o advento de lei mais rigorosa alcança o criminoso. É o que se encontra consolidado na jurisprudência:

A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SÚMULA Nº 711

Art. 3º – Lei excepcional ou temporária e ultra-atividade da lei penal

Lei excepcional ou temporária
Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

O presente artigo apresenta uma exceção à regra insculpida no art. 2º, do Código Penal, permitindo a ultra-atividade das leis penais excepcional e temporária. Ou seja, seus efeitos perduram até mesmo depois do fim de sua natural vigência, que é marcada por um período cronológico ou pela existência de uma situação fática excepcional.

Considera-se temporária a lei quando esta traz expressamente em seu texto o dia do início, bem como o do término de sua vigência, a exemplo do que ocorreu com a Lei n” 12.663, de 5 de junho de 2012, que dispôs sobre as medidas relativas à Copa das Confederações, FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e aos eventos relacionados, que foram realizados no Brasil.

[…]

Excepcional é aquela editada em virtude de situações também excepcionais (anormais), cuja vigência é limitada pela própria duração da aludida situação que levou à edição do diploma legal.

GRECO, 2017, P. 166.

Como se percebe, as leis penais excepcional e temporária têm como peculiaridade uma conjuntura fática específica, e não genérica, razão pela qual surgem já destinadas a um futuro esgotamento e natural revogação.

Os crimes previstos pelas mesmas e cometidos nos respectivos contextos não são perdoados ou abolidos com a perda da eficácia destas normas, o que denota a ultra-atividade da norma penal. Raciocínio contrário esvaziaria tais normas de sentido e eficácia.

Referências

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. v. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2016.

Art. 2º – Lei penal no tempo e irretroatividade da lei penal

Lei penal no tempo
Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Fala-se em retroatividade quando uma lei opera efeitos sobre fatos anteriores à sua vigência. Como se viu no artigo anterior, a lei penal que define o crime e sua pena não retroage, não prejudicando as pessoas que praticaram a conduta posteriormente criminalizada.

Por outro lado, a inovação legal que deixa de criminalizar a conduta (abolitio criminis) ou favoreça de qualquer forma o agente (novatio legis in mellius)
retroage, cessando a execução da pena em face da pessoa que anteriormente fora penalizada.

Assim, no direito penal transitório, a lei mais favorável é extra-ativa: quando é a lei anterior, sobrevive à sua revogação (ultra-atividade); quando é a posterior, projeta-se no passado (retroatividade) […]

Em ambos os casos, a retroatividade encontra o obstáculo de autêntico direito adquirido na órbita da liberdade individual, isto é, o direito que o indivíduo adquiriu, vigente a lei anterior, de não ser punido ou ser punido menos severamente.

HUNGRIA; FRAGOSO, 1976, P. 114.

Relembre-se que a lei criminalizante ou mais severa pode ser revogada completamente (ab-rogação) ou parcialmente (derrogação).

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio . Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

Art. 1º – Anterioridade da lei penal

Anterioridade da Lei
Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

O artigo inaugural do Código Penal brasileiro, com revisão operada em 1984, traz a consagração do princípio da legalidade: só há crime ou imputação de determinada pena se houver previsão legal prévia, conforme traz o brocardo clássico:

Nullum crimen, nulla pœna sine prævia lege pœnali.

Diante da possibilidade de restrição de um dos bens mais importantes do indivíduo (sua liberdade motora), a definição daquilo que é uma conduta criminosa, bem como as respectivas penas, dependem de uma explícita e prévia previsão legal.

A fonte única do direito penal é a norma legal. Não há direito penal vagando fora da lei escrita. Não há distinguir, em matéria penal, entre lei e direito.

HUNGRIA; FRAGOSO, 1976, P. 21.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

Incidente de assunção de competência no novo CPC

O incidente de assunção de competência definido no Código de Processo Civil de 2015 estabelece uma aproximação com os sistemas da Common Law, onde as decisões, precedentes e jurisprudência têm papel central na aplicação do Direito.

Pois bem. O incidente de assunção de competência trazido no CPC/2015 possibilita que o relator de determinado recurso, remessa necessária ou ação originária proponha (de ofício ou a pedido) a análise da questão por outro órgão colegiado do Tribunal, conforme previsão regimentar (normalmente a o órgão especial ou o plenário), caso entenda que a demanda envolve relevante questão de direito, com grande repercussão social. A multiplicidade de casos é desnecessária.

Sendo admitido o incidente, o órgão indicado julgará a matéria com efeitos vinculantes perante juízos singulares e fracionários na sua circunscrição. Evidentemente, pode ocorrer revisão plenária ou pelo órgão indicado no regimento interno.

A ideia por trás do incidente é a de definir com celeridade (já que é desnecessária uma multiplicidade de demandas) uma questão jurídica relevante e com relevante repercussão social, evitando maiores dissidências e permitindo a formulação de uma decisão vinculante.

Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.
§ 1º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.
§ 2º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.
§ 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.
§ 4º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.

Código de Processo Civil

A doutrina comenta:

O incidente de assunção de competência permite que o relator submeta o julgamento de determinada causa ao órgão colegiado de maior abrangência dentro do tribunal, conforme dispuser o regimento interno. A causa deve envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, de forma a justificar a apreciação pelo plenário, órgão especial ou outro órgão previsto no regimento interno para assumir a competência para julgamento do feito. Conforme se deduz do art. 555 do CPC/1973, a assunção de competência somente tinha lugar no julgamento da apelação ou do agravo, ou seja, nos tribunais de segundo grau. Já de acordo com o novo CPC, em qualquer recurso, na remessa necessária ou nas causas de competência originária, poderá ocorrer a instauração do incidente (DONIZETTI, 2018, tit. I, cap. III)

A decisão tomada no incidente tem caráter normativo na respectiva circunscrição, podendo inclusive motivar a improcedência liminar de um pedido, nas causas onde for desnecessária instrução:

Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

Código de Processo Civil

O pronunciamento no incidente, ademais, deve ser observados pelos juízes e tribunais na respectiva circunscrição judiciária:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

Código de Processo Civil

É interessante perceber, ademais, que a decisão não unânime no incidente de assunção de incompetência não se sujeita à técnica de expansão da colegialidade (art. 942, do CPC).

Referências

DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2018.

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