Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Erro determinado por terceiro
§ 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
Erro sobre a pessoa
§ 3º – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
O erro de tipo é o equívoco sobre os elementos que compõem a conduta típica. É a errônea representação do mundo dos fatos, situação que faz com que o elemento subjetivo do agente não se alinhe à realidade efetivamente vivenciada. Essa ruptura ocorre entre o psicológico do agente (que o faz atuar com base em um cenário inexistente) e o a realidade.
É possível destrinchar essas ideias básicas para melhor compreensão através de um exemplo.
Imagine o crime de violação de correspondência: “
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:”
A sua tipificação depende da compreensão de certos elementos típicos: a) a devassa; b) a correspondência; c) a condição de estar fechada; e d) o fato de estar dirigida a outrem.
O agente pode se equivocar sobre todos esses elementos, excluindo o dolo necessário à punição pelo crime.
Por exemplo, ele pode pensar que a correspondência é para ele. Talvez ele pode pensar que a correspondência já estava aberta, ou que não se tratava de correspondência, mas de algum panfleto publicitário.
No final das contas, ele representou equivocadamente a realidade, errando sobre elementos do tipo.
Como esse crime não permite modalidade culposa, não há crime, pois não há dolo e, consequentemente, não há tipicidade.
Exemplos: o professor de anatomia golpeia mortalmente o corpo humano vivo, trazido ao anfiteatro, supondo tratar-se de um cadáver (não é punível por homicídio doloso e, se invencível o erro, nem mesmo por homicídio culposo); o visitante leva consigo, ao retirar-se, confundindo-o com o seu, o chapéu de sol do dono da casa (não é punível a título de furto); […]
hungria; fragoso, 19778, p. 226-227.
A ideia por trás de toda modalidade de erro de tipo é, portanto, a equivocada representação do mundo fático. Inclusive, esta é a razão pela qual ele era denominado erro de fato originalmente no Código, mas a melhor técnica fez prevalecer a alcunha atual.
Em qualquer hipótese, é importante frisar que o erro pode ser escusável (perdoável, inevitável, invencível) ou inescusável (imperdoável, evitável, vencível). A depender da modalidade de erro, as consequências jurídicas serão diversas.
O erro de tipo, por exemplo, pode ser essencial ou acidental.
No essencial, sempre há a exclusão do dolo, mas se ele for inescusável, é possível a imputação do correspondente tipo culposo. A essencialidade, no caso, diz respeito aos elementos básicos que tornam a conduta criminosa em si. O agente não sabe que está prestes a cometer um ato típico. Explica Cunha (2016) que, nesses casos, o agente para de agir criminosamente se avisado do erro.
O erro de tipo tem por efeito excluir sempre o dolo, embora possa subsistir a punibilidade a título de culpa, se o erro é inescusável.
HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 567.
O erro de tipo acidental recai sobre elementos periféricos do crime que se pretende praticar. O intuito do agente é, de fato, criminoso, mas ele erra sobre detalhes do delito que quer cometer. Mesmo que avisado sobre o erro, ele continuaria com a conduta criminosa, apenas retificando o equívoco periférico. Algumas modalidades de erro de tipo acidental serão estudadas oportunamente.
Descriminantes putativas
§ 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
O erro também pode incidir sobre a existência fática de uma causa de exclusão de ilicitude. Ou seja, o agente imagina que está em uma situação em que pode agir albergado por uma causa excludente de antijuridicidade (ou seja, uma causa descriminante, que torna sua conduta lícita e, portanto, não criminosa). Ocorre que essa situação descriminante é imaginária (putativa).
O sujeito imagina estar vivenciando situação de estado de necessidade, ou que está sofrendo uma agressão injusta, permitindo sua legítima defesa etc., entretanto, tais causas de exclusão de ilicitude são imaginárias no contexto fático vivido.
O termo putativo significa imaginário, hipotético, decorrente de suposição.
1. Supostamente verdadeiro, sem o ser. (Michaelis)
Exemplos: um indivíduo, por errônea apreciação de circunstâncias de fato, julga-se na iminência de ser injustamente agredido por outro, e contra este exerce violência (legítima defesa putativa). ao falso alarma de incêndio numa casa de diversões, os espectadores, tomados de pânico, disputam-se a retirada, e alguns deles, para se garantirem caminho, empregam violência, sacrificando outros (estado de necessidade putativo); a sentinela avançada mata com um tiro de fuzil, supondo tratar-se de um inimigo, o companheiro d’armas que, feito prisioneiro, consegue fugir e vem de retorno ao acampamento (putativo cumprimento do dever legal); o adquirente de um prédio rural, enganado sobre a respectiva linha de limite, corta ramos da árvore frutífera do prédio vizinho, supondo erroneamente que avançam sobre sua proprieade, além do plano vertical divisório (putativo exercício regular de direito).
hungria; fragoso, 1978, p. 229.
As descriminantes putativas, como espécies do erro de tipo, usualmente denominadas erro de tipo permissivo (pois tratam de equívoco sobre a existência de uma situação que, se existisse, permitiria a conduta), seguem a mesma lógica do erro de tipo essencial anteriormente exposta: sempre excluem o dolo e, se decorrerem de erro vencível, permitem a imputação por culpa.
Cogitemos um exemplo:
O indivíduo A é ameaçado de morte por B. Dias depois, vê o desafeto vindo em sua direção com uma arma. Antes de qualquer interação, A atira preventivamente em B, pensando que este está na iminência de injustamente matá-lo, quando, na verdade, B portava um guarda-chuva e iria apenas desculpar-se pelo evento anterior.
Diante da ameaça prévia, pode-se supor que o erro era invencível, não respondendo A pelo homicídio.
Agora imagine que B apenas havia xingado A por uma disputa futebolística. Se A vem a matar B nas condições já explicadas, claramente estará caindo em um erro facilmente vencível, pois as circunstâncias não fariam supor a iminência de uma iminente agressão.
Erro determinado por terceiro
§ 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
Em algumas circunstâncias, o erro pode ter sido determinado por conduta de terceiro. Nessas situações, o agente em si muitas vezes atua como mero instrumento do delito maquinado por terceiro, sendo também possível que o terceiro tenha agido com culpa.
Nesses casos, seguimos a regra do erros de tipo essencial: exclui-se o dolo do agente, que poderá responder por culpa se tiver agido com credulidade culpável. O terceiro responderá por dolo ou por culpa, a depender do seu elemento subjetivo.
Um exemplo: se C, querendo matar B, diz para A jogar no triturador industrial um pesado saco de lixo (onde B está, inconsciente), responderá C pelo homicídio de B, não respondendo A pelo evento.
Se o saco estivesse se mexendo e gemendo, por outro lado, esperaria-se de A uma natural desconfiança e prudência. Ao proceder com a conduta sem tomar esse cuidado, age de forma negligente, podendo ser condenado por crime culposo.
Erro sobre a pessoa
§ 3º – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
Outro erro estuado nesse artigo é o erro sobre a pessoa (error in persona), que compreende o equívoco sobre a vítima pretendida pelo autor do crime. A doutrina classifica essa hipótese como um erro de tipo acidental, pois incide sobre aspectos secundários da conduta, persistindo um intuito criminoso mesmo se o agente não estivesse equivocado sobre a realidade (CUNHA, 2016).
O agente pensa que comete o crime contra um indivíduo A quando, na realidade, acaba por cometê-lo em face de B. Nesse caso, irá responder pelo delito como se houvesse praticado-o contra A, seu alvo inicial. Isso impõe a aplicação das circunstâncias agravantes e qualificadoras que correspondem à qualidade da vítima (ex: feminicídio, patricídio etc.).
Referências
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPODIVM, 2016.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.