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Art. 13 – Causalidade, teoria da equivalência dos antecedentes e concausas relativa e absolutamente independentes

Relação de causalidade
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.


Superveniência de causa independente
§ 1º- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.


Relevância da omissão
§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O nexo causal é um elemento comum a toda forma de responsabilidade e nada mais é do que o liame lógico-jurídico (a ligação) existente entre uma conduta e resultado, permitindo a dedução da existência de uma relação de causa e efeito. No dizer do Código, causa é a conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido.

A doutrina clássica já indicava teorias relacionadas com a causalidade (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978). Algumas podem ser apontadas:

  • Teoria da equivalência dos antecedentes ou da “conditio sine qua non” (Von Buri): é causa todo fato cuja hipotética inexistência (juízo hipotético de eliminação) teria impedido o resultado.
  • Teoria da causalidade adequada (Von Kries, Von Bar): é causa todo evento anterior que, adequadamente, estatisticamente, seja razoável meio de produção do resultado.
  • Teoria da eficiência (Birkmeyer, Stoppato): é causa aquele evento mais eficaz à produção do resultado.
  • Teoria da causa próxima (influência de Bacon): a causa imediata, que seria a efetiva causa do crime, não se confunde com a condição (causa remota).

O Código brasileiro adota a teoria da equivalência dos antecedentes de Von Buri, mas, para evitar uma regressão ao infinito, veremos que a causalidade é delimitada pelo elemento subjetivo do agente (dolo ou culpa), pois, pela simples leitura do Código, poder-se-ia pensar, por exemplo, que o inventor ou vendedor da arma de fogo seriam responsáveis pelo disparo criminoso.

O chamado juízo hipotético de eliminação é um processo abstrato simples: diante de um resultado conhecido, a pessoa pode mentalmente excluir hipoteticamente eventos anteriores ao resultado. Se a exclusão desses eventos evitar o resultado, é possível argumentar que estes eventos são causas.

Mas a causalidade física não é, nem podia ser o único pressuposto da punibilidade; acha-se esta, igualmente, subordinada à culpabilidade do agente. Após a averiguação de um evento penalmente típico na sua objetividade, tem-se de apurar, não somente se foi causado por alguém, mas, também, se o agente procedeu dolosa ou culposamente.

hungria; FRAGOSO, 1978, p. 66.

Como se percebe, várias causas podem concorrer para o evento danoso. O nexo causal concorrente usualmente denomina-se concausa. Estas podem se manifestar em qualquer momento da cronologia criminosa:

  • Concausas preexistentes: são condições ou circunstâncias anteriores à conduta criminosa.
  • Concausas concomitantes: são condições ou circunstâncias que ocorrem ao mesmo tempo da conduta criminosa.
  • Concausas supervenientes: são as condições ou circunstâncias posteriores à conduta.

Estas concausas podem ser absolutamente independentes, produzindo o resultado de forma autônoma. Nestas situações, a conduta concorrente do agente é irrelevante para o resultado final, que não poderá ser imputado como tal (usualmente a imputação remanescente se dá como tentativa).

Um caso clássico de concausa preexistente absolutamente independente é mencionado pela doutrina:

MARIA, por volta das 20h, serve, insidiosamente, veneno para JOÃO, seu marido. Uma hora depois, JOÃO é atingido por um disparo efetuado por ANTONIO, seu desafeto. Socorrida, a vítima morre na madrugada do dia seguinte em razão dos
efeitos do veneno. A pessoa que envenenou responde pelo homicídio consumado, sem dúvida. Já o atirador não foi causa do resultado. Eliminando-se seu comportamento, a vítima morreria envenenada do mesmo modo. Deve responder por tentativa de homicídio.

Cunha, 2016, P. 235.

Situação mais complexa diz respeito às concausas relativamente independentes, que colaboram direta ou indiretamente para o atingimento do resultado, mas não o geram de forma independente. Nessas situações, o agente usualmente responde na medida de seu dolo ou culpa, também dependendo de sua ciência sobre as concausas.

Um exemplo clássico de concausa preexistente relativamente independente é o fato de a vítima ser hemofílica (condição que dificulta coagulação e facilita hemorragias). Se o agente desfere um ataque aparentemente não letal, lesionando a vítima, é possível que esta venha a óbito. A responsabilização nesse caso é disputada na doutrina. Para Cunha (2016), já que existia “animus necandi” (dolo de matar), o agente responde pela consumação, mesmo que seu ataque não fosse o suficiente sem a condição preexistente.

A doutrina exemplifica uma concausa concomitante relativamente independente na hipótese de a vítima, ao ouvir o disparo de seu algoz, ter um ataque cardíaco e morrer.

A hipótese trazida no primeiro parágrafo do dispositivo, entretanto, volta-se especialmente à concausa superveniente relativamente independente:

Superveniência de causa independente
§ 1º- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Essa disposição é alvo de debate doutrinário, mas geralmente é associada à situação de quebra superveniente do nexo causal iniciado pelo agente com sua conduta inicial. Ou seja, é um evento superveniente à conduta criminosa, com existência dependente dessa conduta inicial, mas que foge do típico e normal desenrolar dos eventos desencadeados pelo primeiro nexo causal. Esta causa superveniente, ademais, acaba por produzir por si só o resultado danoso.

O exemplo mais que clássico disso é o da ambulância que, levando a pessoa lesionada previamente, vem a envolver-se em acidente de trânsito no qual morre a vítima. Há uma ruptura do nexo causal entre a lesão inicial e a circunstância que vitimou fatalmente a vítima. De fato há uma relação entre o nexo inicial (lesão) e o resultado (morte em acidente), pois a vítima não estaria na ambulância sem a facada, e, consequentemente, não teria morrido daquela forma. Isso torna a causa superveniente relativamente independente, apesar de esta causa superveniente produzir por si só o resultado.

Assim, o agente não responde pelo resultado ocorrido de forma incomum, mas responde pela conduta praticada a depender de seu elemento volitivo: lesão corporal consumada, tentativa de homicídio etc.

Afirma-se que, neste caso, o Código Penal adotou a teoria da causalidade adequada de Von Kries, pois há análise da adequação da conduta criminosa perante o resultado obtido (se o resultado é um desdobramento normal e previsível da conduta).

Relevância da omissão
§ 2º- A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O parágrafo seguinte trata da causalidade decorrente da omissão.

A conduta criminosa pode ser comissiva (ação) ou omissiva. Neste caso, surgem questionamentos sobre a lógica por trás da imputação de nexo causal entre uma omissão e um resultado, mas o Código Penal admite tal possibilidade, afugentando uma noção meramente naturalística. O nexo causal é, afinal, um construto jurídico.

No caso da omissão, a responsabilidade pode decorrer do desrespeito ao comando geral de ação (“o omitente devia e podia agir para evitar o resultado“) ou nas demais hipóteses trazidas na lei:

  • tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
  • de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
  • com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

É importante observar que os crimes omissivos podem ser:

  • próprios: quando consistem no simples desobedecer de um mandamento geral, como na omissão de socorro, pois todos tem o dever de agir nesta circunstância.
  • impróprio ou comissivo por omissão: são os casos que certa qualidade do agente (ex: bombeiro, salva-vidas) ou ato anteriormente praticado (o agente criou o risco) tornam-no obrigado a agir para evitar o resultado, sob pena de responder pelo mesmo, e não pelo mero crime de omissão.

Referências

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: JusPODIVM, 2016.
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Art. 12 – Legislação penal especial

Legislação especial
Art. 12 – As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

O Código Penal, que foi inicialmente editado como um decreto-lei, foi recepcionado na atual ordem jurídica com o status de lei ordinária (art. 59, III, da Constituição). Isso quer dizer que ele, na condição de um regramento geral, pode coexistir com outras normas penais e que estas podem, eventualmente, trazer tratamento diverso para situações específicas.

De forma geral no Direito, é importante relembrar que a norma especial pretere a norma geral (BOBBIO, 1999), conforme denota o brocardo jurídico:

Lex specialis derogat legi generali.

A legislação especial penal, portanto, traz vários exemplos onde institutos genéricos do Código Penal recebem tratamento diferenciado. Por exemplo, perceba que a Lei dos crimes hediondos define uma regra própria (mais gravosa) para progressão de regime:

A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Lei nº 8.072/90

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Ed. UNB, 1999.

Art. 11 – Frações não computáveis da pena

Frações não computáveis da pena
Art. 11 – Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro. 

Brinca Hungria (1976) que o Código Penal de 1940 supera a mesquinhez dos ordenamentos imperiais, que era excessivamente rigoroso no cômputo dos prazos das penas e na cobrança das frações da pena pecuniária.

Assim, se um provimento jurisdicional determina um acréscimo ou diminuição genérica na pena, de forma a gerar uma pena em que sobrem algumas horas, estas serão desconsideradas, mantendo-se o dia inteiro, favorecendo o condenado.

Sugerindo uma atualização do dispositivo legal, sugere Jesus (2014) que, no âmbito da multa, sejam desconsideradas a fração da unidade da moeda vigente, no caso, R$ 1,00.

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014.

Art. 10 – Contagem dos prazos materiais penais

Contagem de prazo
Art. 10 – O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

A contagem dos prazos relativos ao direito material inclui o dia do começo, diferente do que ocorre com os prazos de direito processual. Assim, os prazos previstos no Código Penal, como os de prescrição, levam em conta o dia do começo (que, pela teoria da atividade, é o dia em que se praticou a conduta criminosa) como termo a quo (dies a quo).

Isso quer dizer que qualquer fração de dia, neste dia inicial, vale como um dia inteiro, de forma a favorecer o réu e evitar outras dificuldades de contagem. Se o indivíduo é encarcerado às 23h de um dia, o remanescente deste contará como um dia inteiro.

Entre prazos materiais, podemos mencionar a prescrição, a decadência, o cumprimento de pena, o livramento condicional etc. São prazos que dizem respeito imediatamente ao direito de punir (ius puniendi).

Como prazos de índole material, os mesmos são improrrogáveis, mas ainda é possível sua suspensão e interrupção, como ocorre com a prescrição.

Essa contagem, ademais, segue o calendário comum (gregoriano), de forma que a duração de um mês é computada entre um dia e o correspondente do mês seguinte; o cômputo de um ano corresponde ao lapso de um dia até o deslinde do dia anterior ao dia correspondente no ano seguinte. Evitam-se maiores complexidades e investigações sobre a exata quantidade de dias entre o termo inicial e o final. Buscou-se, como diz Hungria (1976), evitar um inconveniente.

Para cálculos de cumprimento de pena em anos, a doutrina sugere a diminuição de um dia para definição do termo final:

Dessa forma, se a pena é de um ano, e teve início em 10 de outubro de determinado ano, estará integralmente cumprida no dia 9 do ano seguinte.

masson, 2017, p. 187.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo I. Rio de Janeiro: Forsense, 1976.
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Art. 9º – Eficácia de sentença estrangeira

Eficácia de sentença estrangeira
Art. 9º – A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:
I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
II – sujeitá-lo a medida de segurança.
Parágrafo único – A homologação depende:
a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;
b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Quando o ordenamento brasileiro permite as mesmas consequências definidas na sentença estrangeira, esta pode ser homologada no Brasil para exigir a responsabilização civil do condenado ou sujeitá-lo a medida de segurança.

No primeiro caso, busca-se o reconhecimento do efeito civil da condenação penal, notadamente a reparação dos danos ocasionados, sendo necessário o requerimento da parte interessada.

No segundo, busca-se a aplicação da medida de segurança em prol da defesa social e do próprio indivíduo. Nesta hipótese a homologação depende de tratado de extradição ou requisição do Ministro da Justiça.

De forma geral, a execução de efeitos da sentença estrangeira em território nacional, após homologada, é um passo na busca de uma justiça universal e no combate à impunidade.

Proferida esta (sentença) pela autoridade judiciária de um Estado, deve ser irrestritamente reconhecida pelos demais Estados, acompanhando o criminoso, enquanto não integralmente cumprida, aonde quer que ele se dirija ou onde quer que se encontre.

hungria; FRAGOSO, 1976, p. 207.

Vale dizer, a homologação de sentença estrangeira cabe ao Superior Tribunal de Justiça, depois da reforma constitucional de 2004:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

Constituição federal de 1988

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

Art. 8º – Pena cumprida no estrangeiro

Pena cumprida no estrangeiro
Art. 8º – A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Complementando os artigos anteriores, a presente disposição determina a atenuação da pena cumprida no exterior pelo mesmo fato criminoso. Se a pena imputada for idêntica, será considerada cumprida integralmente.

A ideia por trás do dispositivo é a de evitar a dupla penalização pelo mesmo fato, o denominado bis in idem.

Neste tocante, é interessante perceber como, para a doutrina, o art. 8º corrige uma distorção aparente causada pelo art. 7º, §1º, do CP (o qual determina o processamento do crime mesmo que já tenha ocorrido condenação no exterior), pois determina no mínimo uma compensação de penas, evitando a dupla penalização (BITENCOURT, 2018).

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2018.

Art. 7º – Extraterritorialidade

O presente artigo, que trata das hipóteses de extraterritorialidade (excepcionando o art. 5), merece um estudo parcelado. Analisemos por partes.

Extraterritorialidade 
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 
I – os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; 
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; 

§ 1º – Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

A aplicação extraterritorial do direito penal brasileiro é excepcional, estando reservada a hipóteses restritas da lei.

No inciso I, encontram-se as situações mais gravosas que permitem a aplicação da lei brasileira do crime cometido no exterior independentemente de absolvição ou condenação passada por outra jurisdição. Note a gravidade das situações:

  • crimes contra a vida ou liberdade do Presidente da República;
  • crimes contra o patrimônio dos entes federados, territórios, empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações públicas.
  • crimes contra a administração pública praticados por quem está a seu serviço;
  • o genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

A independência diante de eventual absolvição ou condenação pela jurisdição de outro país torna esta hipótese de extraterritorialidade incondicionada. Essa carência de condicionamento também se vislumbra na inexistência de outras exigências além do mero advento da situação prevista no inciso I.

A importância dos bens jurídicos, objeto da proteção penal, justifica, em tese, essa incondicional aplicação da lei brasileira. Nesses crimes, o Poder Jurisdicional brasileiro é exercido independentemente da concordância do país onde o crime ocorreu. É desnecessário, inclusive, o ingresso do agente no território brasileiro, podendo, no caso, ser julgado à revelia.

bitencourt, 2012, cap. x, item 4.

Por exemplo, a persecução dos crimes cometidos contra patrimônio dos entes federados, suas autarquias e empresas estatais seria uma manifestação do princípio real (ou da defesa).

Por outro lado, o inciso II traz hipóteses de extraterritorialidade condicionada:

Extraterritorialidade 
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.


§ 2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Algumas das hipóteses merecem estudo individual:

II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

Neste caso, temos uma situação de cooperação internacional. Diante da adesão a certas normas internacionais, o Brasil pode se obrigar à repressão de certos delitos, mesmo que tenham sido cometidos fora de seu território e mesmo que não tenham imediata relação com seus representantes ou patrimônio.

Tome, por exemplo, a Convenção da ONU sobre o tráfico de pessoas, com protocolo adicional promulgado pelo Decreto nº 5.017/04.

II – os crimes:
b) praticados por brasileiro;

Note-se aqui o princípio da nacionalidade ou personalidade. Diante da impossibilidade de extradição do brasileiro nato (salvo aquele que renunciou tal condição), esta possibilidade de processamento evita uma situação de impunidade, mesmo que os fatos tenham ocorrido em outra jurisdição.

II – os crimes:
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

Esta situação difere daquela estudada no art. 5º (onde a embarcação brasileira privada ou mercante deve estar navegando em alto mar e a aeronave deve estar voando sobre o mesmo espaço de ninguém). Aqui, a embarcação ou aeronave está navegando ou sobrevoando mar territorial estrangeiro ou sobrevoando o território estrangeiro.

Observe que esta alínea já traz uma condicionante, que é a falta de julgamento do crime ali cometido.

Há condicionantes gerais para o art. 7º, II, que são cumulativas:

  • a) o agente deve entrar no território brasileiro;
  • b) o fato deve ser punível no país onde foi praticado;
  • c) o crime praticado pode ser objeto de extradição no Brasil;
  • d) o agente não ter sido absolvido ou cumprido a pena no estrangeiro;
  • e) o agente não ter sido perdoado ou ter sido extinta sua punibilidade, considerada a lei mais favorável, seja ela a brasileira ou a estrangeira.

§ 3º – A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

A hipótese do derradeiro parágrafo acrescenta dois outros requisitos para o processamento do crime cometido por estrangeiro contra brasileiro no exterior.

Como acréscimo, pode-se apontar, por fim, à previsão da Lei nº 9.455/97 (Lei de tortura), que traz duas hipóteses de extraterritorialidade:

Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

lei nº 9.455/97

No primeiro caso, sendo a vítima brasileira, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime tenha sido cometido fora do Brasil, sem condicionantes.

No segundo caso, estando o agente em local sob jurisdição penal brasileira, o mesmo será processado segundo as leis brasileiras. Sobre essa possibilidade, a doutrina ressalta a incidência do princípio da jurisdição universal.

Referências

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012.

Art. 6º – Lugar do crime e ubiquidade

Lugar do crime

Art. 6º – Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

No que diz respeito ao lugar do crime, o código adotou a teoria da ubiquidade, também denominada teoria mista ou teoria da unidade.

A preocupação ínsita ao lugar do crime diz respeito à jurisdição penal sob enfoque internacional: qual país pode processar o delito? De fato, diversos delitos apresentam toques transnacionais, se prolongam por várias fronteiras ou simplesmente tem resultado final em outro país.

Pela teoria da ubiquidade, portanto, o lugar do crime é simultaneamente aqueles onde se desenvolveram as atividades parcial ou totalmente e aquele em que se verificou ou deveria se verificar o resultado. Normalmente isso implica a possibilidade de mais de um país poder processar o delito.

Sobre o assunto, a doutrina menciona a importância da teoria da ubiquidade para o processamento dos crimes à distância:

Nos denominados crimes a distância é que apresenta relevância jurídica a adoção da teoria da ubiquidade.
Os crimes podem ser de espaço mínimo ou de espaço máximo, segundo se realizem ou não no mesmo lugar os atos executórios e o resultado. Na hipótese negativa, fala-se em crimes a distância. Assim, um crime executado na Argentina e consumado no Brasil. Sendo o crime um todo indivisível, basta que uma de suas características se tenha realizado em território nacional para a solução do problema dos crimes a distância.

jesus, 2014, e-book (cap. viii, item 3)

Por outro lado, se a controvérsia sobre o local do crime estiver contida dentro da jurisdição brasileira, o conflito se resolve com base nas regras internas, notadamente o art. 70, do Código de Processo Penal.

Art. 70.  A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 1o  Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§ 2o  Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
§ 3o  Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

código de processo penal

Referências

JESUS, Damásio de. Direito penal . v. 1. São Paulo: Saraiva, 2014.

Art. 5º – Territorialidade penal

Territorialidade
Art. 5º – Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
§ 1º – Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º – É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

O artigo traduz o princípio da territorialidade como regra geral de aplicação da lei penal no espaço. Por esta lógica, a lei penal editada pelo Brasil é aplicável aos crimes cometidos em sua delimitação geográfica, sem prejuízo das normas internacionais acolhidas pelo Estado brasileiro.

A territorialidade é uma discussão de jurisdição penal e soberania internacional, ditando os espaços onde o ius puniendi do Estado brasileiro atua.

Para os fins legais, o primeiro parágrafo entende como extensões do território nacional os seguintes espaços:

  • Embarcações e aeronaves brasileiras públicas ou a serviço do governo onde quer que estejam.
  • Embarcações e aeronaves brasileiras privadas no espaço aéreo brasileiro ou em alto-mar.
  • Embarcações estrangeiras privadas em porto ou em mar territorial brasileiro (12 milhas da costa, segundo a Lei nº 8.617/93).
  • Aeronaves estrangeiras privadas em pouso ou em espaço aéreo brasileiro.

A lógica por trás do princípio da territorialidade é simples:

Corresponde aos interesses da boa administração da justiça que um crime seja julgado na jurisdição onde foi praticado, não só pela maior facilidade na obtenção das provas, como pela maior simplicidade do processo e julgamento.

HUNGRIA; FRAGOSO, 1976, p. 155.

É de relembrar, entretanto, que há outros critérios além da territorialidade, previstos no art. 7º (extraterritorialidade), a ser estudado oportunamente.

Referências

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. v. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

Art. 4º – Tempo do crime e teoria da atividade

Tempo do crime
Art. 4º – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

O tempo do crime é aquele em que a conduta é praticada, podendo esta ser comissiva (ação) ou omissiva, mesmo que seu resultado ocorra posteriormente.

Diz-se, portanto, que o código adota a teoria da atividade.

A especial importância deste dispositivo reside na definição da lei aplicável, tendo em vista que, como o resultado pode advir posteriormente, também pode estar vigente outra lei neste momento. Um exemplo clássico envolve o homicídio: o disparo é efetuado em dado momento, mas o óbito ocorre depois de anos de internação. Se nesse intervalo surgir lei mais rigorosa, esta não alcança o atirador.

Isso, entretanto, nem sempre ocorre. Nos crimes permanentes (aquele cuja atividade criminosa se protrai no tempo) ou continuados (aqueles em que, por ficção, diversas ações criminosas semelhantes são consideradas uma unidade delitiva), por exemplo, o advento de lei mais rigorosa alcança o criminoso. É o que se encontra consolidado na jurisprudência:

A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SÚMULA Nº 711

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