Coação irresistível e obediência hierárquica
Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
O presente artigo trata da coação moral irresistível e da obediência hierárquia, duas causas que excluem a culpabilidade do agente e, portanto, o crime no que lhe diz respeito. Mais específicamente, são hipóteses legais de inexigibilidade de conduta diversa.
A exigibilidade de conduta diversa é um requisito ínsito à culpabilidade. Só se pode considerar alguém culpável por certo fato se a pessoa envolvida tivesse oportunidade de agir de forma diversa, forma esta lícita e compatível com o ordenamento jurídico.
No Direito Penal, a coação pode ser moral (vis compulsiva, vis conditionalis, vis animo illata) ou física (vis absoluta, vis atrox, vis corpori illata).
Coagir (do latim coagere) é constranger alguém, por meios físicos ou morais, a um facere ou non facere.
HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, p. 255
A coação física é aquela em que o indivíduo é despido de qualquer vontade e é forçado, por meio físico, a envolver-se no ato criminoso. O indivíduo é mero instrumento do crime, um paciente que sequer possui, tecnicamente, uma conduta ou nexo causal com o resultado. Nesses casos, sequer há um ato voluntário, sendo atípico o fato em relação a este sujeito.
A coação física irresistível pode ser exemplificada: um indivíduo muito forte força os dedos de outro no gatilho de uma arma; ou, quem sabe, empurra-o para que esbarre em um terceiro que está na beira de um prédio etc.
Já a coação moral irresistível é a que deixa o agente-vítima à mercê da vontade de um terceiro por temor de algum mal que este possa produzir. O agente tem controle de suas ações (e age dolosamente), mas esse controle é viciado pelo temor diante da séria ameaça sofrida.
Nessa hipótese, o coagido não responde pelo crime, mas sim o coator, autor mediato do delito.
O caso mais icônico da coação moral envolve o gerente de banco cuja família foi sequestrada. Ele é obrigado, pelos sequestradores, a extraviar uma quantia dos cofres, sob pena de seus familiares serem executados. Como não se poderia exigir outra conduta do gerente, este não poderá ser punido pelo fato.
Se a coação moral for resistível (por exemplo, o bandido ameaça a quebra de um bem de pequeno valor, caso o agente não pratique o crime) e o agente decidir acatar, este será punido normalmente, pois seria exigível conduta diversa. A seu favor, entretanto, incide uma atenuante genérica:
Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
código penal
III – ter o agente:
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
No que diz respeito à obediência hierárquica, determina o Código que a ordem não pode ser manifestamente ilegal. Adimplido este requisito, o agente não responde, apenas seu superior hierárquico. Caso contrário, poderá se beneficiar da circunstância do art. 65, III, “c”, do Código.
De modo geral, a doutrina aponta apenas a hierarquia legal, pública, como aquela passível de permitir a aplicação da excludente.
Referências
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.