A prisão em flagrante corresponde à privação de liberdade do indivíduo detido no curso da realização de um delito ou logo após tê-lo praticado. Para certos autores, a medida surgiria como uma forma de autodefesa da sociedade em face do ilícito penal, tendo em vista que qualquer pessoa pode promover a referida restrição de liberdade de criminoso encontrado em situação de flagrância.

Código de Processo Penal
Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Obs: em se tratando de autoridade ou agente policial, não há mero poder, mas real dever de prender. São os chamados sujeitos ativos obrigatórios do flagrante.

 

Em termos de natureza jurídica, a doutrina vem enxergando a prisão em flagrante como uma espécie de prisão pré-cautelar, e não mais cautelar, tendo em vista que a mesma não tem capacidade de prolongar indeterminadamente e não tem suporte em ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial.

De fato, o ordenamento determina que tal prisão apenas se prolongue até a verificação, pela autoridade judicial competente, dos requisitos de decretação de prisão preventiva. Caso contrário, deverá ocorrer o relaxamento da prisão ou concessão de liberdade, com ou sem fiança.

Código de Processo Penal
Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I – relaxar a prisão ilegal; ou
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

 

É diante dessa visão de que a prisão em flagrante funciona como prefácio de uma eventual prisão preventiva que parte da doutrina vem reconhecendo sua natureza pré-cautelar:

Isto porque prisão cautelar é aquela que tem fim de tutela, garantia, resguardo da investigação ou do processo. Ora, nada disso ocorre com a prisão em flagrante que, mesmo no interregno compreendido entre a voz de prisão e a adoção das providências do art. 310 do CPP pelo juiz, apenas se mantém por uma questão de ordem procedimental (o procedimento do flagrante), absolutamente desvinculada de qualquer fim de garantia da investigação ou do processo. (AVENA, 2017, 11.6.1)

 

Dessa forma, percebe-se a prisão em flagrante como esta medida prefacial à persecução penal, voltada a prejudicar a evasão do criminoso, a impedir a consumação do delito e a propiciar elementos e condições iniciais para a futura instrução.

 

Modalidades de flagrante

O art. 302, do CPP, enumera as situações em que se verifica a flagrância criminosa.

 

Flagrante próprio

O flagrante próprio é aquele que se verifica quando se encontra o agente cometendo a infração ou quando ele acabou de cometê-la. São as hipóteses dos incisos I e II.

Código de Processo Penal
Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de cometê-la;

 

A doutrina aponta que o item II aplica-se às situações em que inexiste qualquer intervalo temporal relevante entre o cometimento da infração e o encontro da cena.

Em outras pa­lavras, o agente é encontrado imediatamente após cometer a infração penal, sem que tenha conseguido se afastar da vítima e do lugar do delito. (LIMA, 2017, p. 832).

 

Flagrante impróprio, imperfeito ou quase-flagrante

O flagrante impróprio se verifica no inciso III, do art. 302:

Código de Processo Penal
Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

 

Neste caso não há um agente surpreendido durante ou logo depois da prática criminosa. Aqui há a perseguição ininterrupta, logo após o cometimento da infração, e a captura do agente.

Perseguição ininterrupta: como a lei não define o que se entende por ‘perseguido, logo após’, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 290, §1°, alíneas “a” e “b”, do CPP, segundo os quais se entende que há perseguição quando: a) tendo a autoridade, o ofendido ou qualquer pessoa avistado o agente, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço. (LIMA, 2017, p. 833).

 

Flagrante presumido ou ficto

É o caso do art. 302, IV, do CPP:

Código de Processo Penal
Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

 

Neste caso não há surpreendimento imediato do agente ou perseguição. A doutrina diverge sobre o prolongamento da expressão “logo depois”, mas usualmente se vislumbra um lapso um pouco maior, mas razoável, entre o cometimento da infração e a descoberta do indivíduo em condições que permitam considerar-lhe o praticante da conduta criminosa.

 

Flagrante esperado e flagrante provocado

Outra discussão diz respeito às situações de flagrante esperado e provocado.

O primeiro caso (flagrante esperado) é plenamente lícito e diz respeito à situação de a polícia, detendo informações sobre a possível futura prática de ilícitos, aguarda o desenrolar dos eventos, esperando o início dos atos executivos, para então intervir.

O flagrante provocado, também denominado crime de ensaio, delito de experiência ou delito putativo por obra do agente provocador, por outro lado, é inválido, pois depende da provocação e instigação do agente, o qual, em resposta, inicia a prática do delito, vindo a ser imediatamente contido pela ação policial.

O STF vê nessa situação um crime impossível:

Súmula nº 145, do STF: Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

 

Flagrante retardado ou diferido

[…] Consiste na faculdade conferida à polícia no sentido de retardar a prisão em flagrante, visando a obter maiores informações a respeito da ação dos criminosos. (AVENA, 2017, 11.6.9).

 

O flagrante diferido se encontra dentro de um gênero de técnicas investigativas denominadas de ações controladas:

Exsurge daí a importância da chamada ação controlada, que consiste no retardamento da intervenção do aparato estatal, que deve ocorrer num momento mais oportuno sob o ponto de vista da investigação criminal. Cuida-se de importante técnica especial de investigação, prevista expressamente na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/ 06, art. 53, II), na Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/ 98, art. 4°-B, com redação dada pela Lei n. 12.683/ 12) e na nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/ 13, art. 8º). (LIMA, 2017, p. 835).

 

Mais sobre o tema

Em se tratando dos sujeitos passivos da prisão em flagrante, algumas peculiaridades são importantes.

O Presidente da República, por exemplo, só pode ser preso após sentença condenatória:

Constituição Federal
Art. 86 […]
3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

 

Os membros do Congresso Nacional podem ser presos em flagrante por delito inafiançável:

Constituição Federal
Art. 53 […]
2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

 

O flagrante também pode acontecer em crimes de menor potencial ofensivo, mas nestes casos, o procedimento não impõe o cárcere, e sim a lavratura de termo circunstanciado. Na hipótese de o indivíduo se negar a comparecer ao respectivo Juizado, estará sujeito à restrição de liberdade.

No caso dos crimes habituais:

Crimes habituais são aqueles que não se consumam em apenas um ato, exigindo uma sequência de ações para que se perfaça o tipo penal. Para alguns, tal espécie de delito não admite prisão em flagrante. Tourinho Filho, por exemplo, considera que, quando a polícia prende o acusado em flagrante, está surpreenden-do-o em um único ato e que o crime considerado habitual não se consuma com uma só ação, exigindo, ao contrário, pluralidade de atos, razão pela qual é impossível o flagrante nesse caso. (AVENA, 2017, 11.6.7).

 

Para crimes permanentes, a doutrina e jurisprudência entendem que o estado de flagrância é constante, permitindo a custódia do indivíduo sob tal modalidade de prisão.

Diz o art. 303, do CPP:

Código de Processo Penal
Art. 303.  Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

 

Procedimento formal

Os arts. 304 a 309 descrevem formalidades do procedimento de lavratura da prisão em flagrante:

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.

Obs: condutor é o indivíduo que traz a pessoa detida em flagrante à autoridade. Esta, normalmente, é o delegado, mas pode ser outra investida nas funções de polícia investigativa em certo lugar ou circunscrição.

1º  Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.

Obs: a contrario sensu, se dessa inquirição inicial não se verificar fundada suspeita contra o conduzido, o mesmo deverá ser solto.

2º  A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante; mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade.
Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste.
4º  Da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.

Art. 305.  Na falta ou no impedimento do escrivão, qualquer pessoa designada pela autoridade lavrará o auto, depois de prestado o compromisso legal.

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
1º  Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

Obs: trata-se da audiência de custódia.

2º  No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.

Art. 307.  Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto.

Art. 308.  Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo.

Art. 309.  Se o réu se livrar solto, deverá ser posto em liberdade, depois de lavrado o auto de prisão em flagrante.

[…] com a nova redação do art. 321 do CPP, pode-se concluir que foi extinta a antiga hipótese de liberdade provisória sem fiança em que o conduzido se livrava solto, após a lavratura do auto de prisão em flagrante. Destarte, é de se concluir que o art. 309 do CPP foi revogado tacitamente, já que referido dispositivo era aplicável às hipóteses em que o conduzido se livrava solto. (LIMA, 2017, p. 863).

 

Referências

LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado. Salvador: Juspodivm, 2017.

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal. São Paulo: MÉTODO, 2017.